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4. OS CÓDIGOS FLORESTAIS

4.5 Da área de Reserva Legal

Esse é o tema mais trabalhado pelo Código Florestal brasileiro, e não por acaso é também o mais controverso. Treze artigos foram consagrados à disposição das Reservas Legais (RL), que são as áreas a serem conservadas obrigatoriamente no interior das propriedades florestais. Mais uma vez, tem-se aqui um caso de conservacionismo, de acordo com o regime internacional do meio ambiente; a lei não demanda total isenção do particular sobre a Reserva Legal. O primeiro parágrafo do Art. 17 estabelece: “Admite-se a exploração econômica da Reserva Legal mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no art. 20” (BRASIL, 2012). Mais abaixo no texto da lei, explica-se que tal manejo sustentável só pode ocorrer para uso pessoal, e não com fins comerciais. É importante notar que as RL são o complemento legal das APPs, e que ambos os estandartes representam as zonas de tratamento especial do Código Florestal brasileiro. Como eles se inserem no regime conservacionista, percebe-se que a lei florestal não prevê a existência de locais de caráter preservacionista, na definição ortodoxa do termo.

O Código francês é mais flexível nesse sentido. Apesar de não haver dispositivo que se assemelhe às Reservas Legais em seu texto, no sentido de porcentagem de terra no interior das propriedades destinadas à conservação, ele apresenta instrumentos que podem oferecer maior garantia de não interferência humana nos biomas. A regra, a tendência da lei francesa é também a do conservacionismo. Existe a predileção por não barrar categoricamente a chance de haver uso da vegetação. Não há tampouco, no Código francês, a destinação direta e automática de parcelas florestais ao regime preservacionista. Há, contudo, a previsão indireta da possibilidade de que tal classificação ocorra. Mecanismos como o da Reserva Natural ou o da Preservação do Patrimônio Biológico, onde existe maior probabilidade de proibição total da atividade humana, são citados indiretamente, sendo eles remetidos à determinações do Código do Meio Ambiente73.

73 L.122-8 Les législations faisant l'objet de la coordination des procédures administratives mentionnée à l'article L. 122-

7 sont celles qui protègent ou classent les habitats d'espèces de la faune ou de la flore ainsi que les périmètres, monuments, sites ou zones concernés par les dispositions suivantes : 1° Dispositions relatives aux forêts de protection figurant au chapitre Ier du titre IV ; 2° Dispositions relatives aux parcs nationaux figurant à la section 1 du chapitre Ier du titre III du livre III du code de l'environnement ; 3° Dispositions relatives aux réserves naturelles figurant au chapitre II du titre III du livre III du même code ; 4° Dispositions relatives aux sites inscrits et classés figurant à la section 1 du chapitre Ier du titre IV du livre III du même code ; 5° Dispositions relatives à la préservation du patrimoine biologique figurant à la section 1 du chapitre Ier du titre Ier du livre IV du même code ;

144 Podem-se encontrar, no Código francês, 52 citações da palavra preservação, mas nem todas são usadas como na definição internacional. Já na lei brasileira, há 64 menções da mesma palavra, e nenhuma delas é usada com o sentido internacional. A maioria dessas repetições acontece por causa do nome APP. Porém os dois documentos coincidem na medida em que dão preferência ao conservacionismo ambiental. No caso específico das áreas protegidas, a França tampouco permite que elas sejam exploradas para fins econômicos ou mercadológicos. Apenas o uso pessoal e aquele que se relaciona com as sociedades tradicionais são liberados.

Como se falou acima, não existe figura semelhante à RL na França. A instituição de Florestas de Proteção não acontece de forma automática, conforme se mostrou na seção dedicada às APPs. Mas o Código francês ainda assim se reserva o direito peremptório de interferir na gestão privada das florestas. Em vez de estabelecer as medidas e as porcentagens que devem ser obedecidos pelo proprietário florestal brasileiro, respeitando-se alguns critérios, a França elabora um inventário nacional das florestas através do qual classifica os biomas segundo o valor ecológico que possuem, se contêm espécies de fauna e flora julgadas superiores, se o ciclo biológico da zona merece cuidado particular, se há necessidade de restauração florestal, entre outros aspectos. E tudo ocorre independentemente de a floresta encontrar-se em propriedade particular ou não.

O poder público tem o poder então, através de procedimentos previstos no Código, de tornar FP uma região que não era assim classificada, se isso for do interesse público. Em seguida, cabe ao proprietário enquadrar-se nas determinações normativas requeridas, sob o risco de sofrer as represálias da lei. Quando houver perda considerável de interesse econômico da propriedade para o particular, o Estado compromete-se a pagar-lhe indenizações ou mesmo a comprar-lhe as terras, como antecipado pelo artigo L.141-7:

As indenizações que poderiam ser reivindicadas pelos proprietários ou pelos titulares de um direito de uso, no caso de que a classificação de suas matas ou florestas em Floresta de Proteção ocasionasse perda de renda, são regularizadas, considerando-se a mais-valia eventual resultante de trabalhos executados e de medidas tomadas pelo Estado, seja por meio de acordo direto com a administração, seja, na ausência disso, por decisão da jurisdição administrativa. O Estado pode igualmente proceder à aquisição das matas e florestas assim classificadas. O proprietário pode exigir essa aquisição se ele puder provar que a classificação em Floresta de Proteção o privou de metade da renda habitual que ele obtém de sua floresta. A aquisição acontece por acordo comum ou por via de expropriação74 (FRANÇA, 2017).

74 Les indemnités qui pourraient être réclamées par les propriétaires et les titulaires d'un droit d'usage, dans le cas où le

classement de leurs bois et forêts en forêt de protection entraînerait une diminution de revenu, sont réglées, compte tenu des plus-values éventuelles résultant des travaux exécutés et des mesures prises par l'Etat, soit par accord direct avec l'administration, soit, à défaut, par décision de la juridiction administrative. L'Etat peut également procéder à l'acquisition

145 Assim, de acordo com a escala do desembargador Osny Duarte Pereira (1950) do grau de interferência estatal nas normas florestais, constata-se que, apesar de a França ser considerado um Estado intervencionista, ela possui dispositivos que revelam natureza do regime eclético. Contudo, é possível perceber que o Código francês busca, em teoria, respeitar as particularidades ecológicas de sua vegetação, aceitando desapropriar proprietários florestais se a necessidade se impuser. Na lei brasileira, o artigo que se preocupa com os ciclos biológicos das zonas florestais é o de número 14, sobre as áreas de Reserva Legal:

A localização da área de Reserva Legal no imóvel rural deverá levar em consideração os seguintes estudos e critérios:

I - o plano de bacia hidrográfica;

II - o Zoneamento Ecológico-Econômico

III - a formação de corredores ecológicos com outra Reserva Legal, com Área de Preservação Permanente, com Unidade de Conservação ou com outra área legalmente protegida; IV - as áreas de maior importância para a conservação da biodiversidade; e

V - as áreas de maior fragilidade ambiental.

§ 1o O órgão estadual integrante do Sisnama ou instituição por ele habilitada deverá aprovar

a localização da Reserva Legal após a inclusão do imóvel no CAR, conforme o art. 29 desta Lei.

§ 2o Protocolada a documentação exigida para a análise da localização da área de Reserva

Legal, ao proprietário ou possuidor rural não poderá ser imputada sanção administrativa, inclusive restrição a direitos, por qualquer órgão ambiental competente integrante do Sisnama, em razão da não formalização da área de Reserva Legal (BRASIL, 2012). De maneira semelhante à francesa, o legislador preocupou-se em resguardar as zonas de maior valor biológico ou então propor a criação de corredores ecológicos. A redação do artigo, contudo, não é categórica, o que leva a crer que existe certa maleabilidade no que concerne à aprovação das áreas de Reserva Legal na propriedade, notadamente com a possibilidade de acumular Cota de Reserva Ambiental, de usar as APPs no cálculo da RL e de permitir recuperar áreas desmatadas em outros locais inseridos no mesmo bioma. Ademais, não se pode ignorar liberdade existente no contato com os órgãos estaduais do Sisnama. Tal contexto de classificação caso a caso, contudo, não é característica única do Código brasileiro, pois como se viu acima, a existência das FPs depende em grande medida da proatividade do governo francês. Por esse motivo, seria relevante para a continuação desta pesquisa que estudo futuro se voltasse precipuamente para os procedimentos de instalação seja de RLs, seja de FPs, buscando entender os critérios e motivações da classificação, e

des bois et forêts ainsi classés. Le propriétaire peut exiger cette acquisition s'il justifie que le classement en forêt de protection le prive de la moitié du revenu normal qu'il retire de sa forêt. L'acquisition a lieu soit de gré à gré, soit par voie d'expropriation.

146 sua efetividade do ponto de vista ambiental. Isso, porém, não exclui os meios avançados pela própria lei brasileira de ajustar o cálculo das RLs ao interesse do proprietário, o que, em teoria, não acontece com a lei francesa.

Por último, a exploração florestal de cunho pessoal nas RLs pode acontecer sem necessidade de aprovação prévia por órgãos competentes, sendo importante apenas alertá-los sobre a motivação do uso e o volume retirado75. Na França, não há tamanha independência de atuação. Mesmo que a

atividade seja para fins não comerciais, é preciso obter o aval da administração pública. Especificamente no departamento da Guiana Francesa, tanto as áreas disponíveis para exploração florestal quanto as de preservação ambiental foram identificadas pelo poder público, conforme visto no capítulo anterior. A zona do Parque Amazonense da Guiana, localizada ao sul do departamento, é a protegida, região onde boa parte das comunidades nativas vivem; mais próximo ao litoral, encontram-se as zonas econômicas, o Domínio Florestal Permanente, essas, sim, destinadas à atividade exploratória. No Brasil, a diferença está na margem superior que as RLs devem ter em relação às dos outros biomas, variando de 50% a 80% segundo o caso, como também exposto no capítulo anterior.