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2. A AMAZÔNIA COMO BEM COMUM GLOBAL

2.1 Soberania nas relações internacionais

2.1.1 A origem da soberania

33 Durante a Idade Média, o poder na Europa se fragmentou e se diluiu em diversas pequenas unidades políticas, às vezes geograficamente minúsculas, cada qual com um líder supremo. A divisão administrativa foi uma das marcas do feudalismo, sistema econômico e social fundamentado na propriedade da terra. Foi caraterístico desse período histórico que os chefes políticos firmassem alianças, pactos e contratos entre si, a fim de otimizar seu poder, assegurar a permanência no território e lutar conjuntamente contra quaisquer ameaças estrangeiras.

As alianças, entretanto, não se davam em pé de igualdade. Um dos contratantes, o mais poderoso, garantia a submissão do outro numa relação conhecida como vassalagem. Isso acontecia sucessivamente da maior unidade até a menor, de forma independente. O líder que de um lado fosse considerado vassalo, do outro podia ser o senhor. Seguindo esse formato, foram surgindo grandes aglomerações políticas, que já se assemelhavam mais ao desenho do mapa Europeu atual (JAGUARIBE, 2001).

Em meio à divisão complexa e instável do Feudalismo, a dinastia Habsburgo conseguiu prevalecer sobre uma imensidão de outras unidades territoriais, formando o que veio ser chamado o Sacro Império Romano-Germânico, na Europa Central e, em determinado momento, no Reino da Espanha também. A designação de sagrado advém da proximidade que a família Habsburgo, de religião católica, mantinha com o Vaticano e com o poder atemporal dos papas, o que os auxiliou a alargar suas fronteiras sobre o continente. O Sacro Império, assim, foi o único centro de poder político forte o suficiente para dominar toda a Europa e universalizar seu sistema político, à semelhança da Grécia e Roma Antigas e da China do Império do Meio (KISSINGER, 1994).

Se o destino tivesse mantido essa como a organização administrativa do mundo, seria impossível hoje conceber as relações internacionais como elas são concebidas, e o princípio de soberania não alcançaria a notoriedade de que desfruta (BULL, 2002). O conceito de Estado soberano resultou, na realidade, do movimento histórico que, paulatinamente, levou à dissolução do Sacro Império, já no século XIX. O início do fim, para os Habsburgo, deu-se com a Reforma Protestante, especialmente forte nos domínios de língua germânica, exatamente no centro da dinastia.

Como não existia verdadeira unidade política no Feudalismo, e cada governante dispunha de grande independência na administração de sua propriedade, alguns feudos apoiaram a Reforma, por motivos de ordem econômica, espiritual, social, mas também porque entendiam que era necessário reivindicar e incorporar o poder divino, para melhor exercer o poder monárquico. A revolução

34 religiosa entrou em conflito direto com um dos mais importantes pilares dos Habsburgo e, por consequência, do Sacro Império Romano-Germânico: o catolicismo.

A Contrarreforma levou à Guerra dos Trinta Anos, transformando a Europa em um campo de batalha. Os principados de língua germânica do continente se dividiram entre os exércitos dos católicos e os dos protestantes, e vários outros reinos, oportunamente, se aproveitaram do momento para expandir seus territórios. No final do processo, um terço dos alemães havia morrido, o mapa europeu havia sido redesenhado e a Paz de Westfália foi assinada, nos Tratados de Münster e Osnabrück.

A política internacional, como é conhecida hoje, teve origem com o comportamento da França durante a Guerra dos Trinta Anos, fruto da atuação de Armand Jean du Plessis, o cardeal de Richelieu. Esperava-se, tendo em vista sua religião, que ele – e a França – apoiasse a causa dos Habsburgo, juntando-se à empreitada contra os protestantes. Mas Richelieu, de forma resoluta e categórica, pôs os interesses nacionais acima de quaisquer considerações religiosas. Assim ele se tornou um grande expoente do conceito moderno de raison d’état6, corolário do princípio de soberania, de fundamental

importância no debate atual sobre o meio ambiente (KISSINGER, 1994).

A França estava rodeada, de todos os lados, por territórios do Sacro Império Romano- Germânico. Richelieu não acreditava que a comunhão religiosa fosse o suficiente para desencorajar futuros arroubos expansionistas dos Habsburgo contra o seu país, que poderia tornar-se uma preza fácil para a dinastia. Durante a guerra, então, uniu-se aos protestantes, ajudando a solapar as pretensões imperiais. Mas só o fez depois de avançado o conflito, quando ambos os lados já se encontravam desgastados. Ao final, o Império estava enfraquecido, e a França, agora o país dominante do continente Europeu, havia adquirido grandes porções de novos territórios.

O cardeal ignorou considerações de ordem religiosa e ideológica, afinidades culturais, com o intuito de observar tão somente o interesse do Estado nacional francês. Fazendo isso, ele tornou a raison d’état o princípio-guia da política do continente dali em diante, que foi exportado para todo o mundo com o colonialismo europeu (KISSINGER, 1994). A partir de Richelieu, o Estado-nação passou a ser a lei-magna e a finalidade das relações internacionais, dando sentido ao que Hedley Bull

6 A raison d`État é o princípio através do qual a sobrevivência do Estado se impõe como prioridade absoluta para o

governante, o objetivo justificando a tomada das mais variadas decisões políticas, inclusive a da violação da lei ou mesmo a do despotismo. Ela é com frequência associada ao conteúdo da obra O Príncipe, de Maquiavel. Nas relações internacionais, a raison d`État manifesta-se pelo conceito de soberania, referindo-se ao poder que o Estado tem de não precisar submeter suas decisões a nenhuma outra instância (BAYLIS et al, 2008).

35 chamou de sociedade internacional (2002). Essa nova mentalidade foi selada com a assinatura dos acordos de Paz de Westfália, marco da diplomacia moderna. Neles, concedeu-se aos Estados o direito de escolher sua própria religião, de determinar os rumos da política interna, sem interferência de outros Estados, assim como o direito de conduzir de forma independente sua política externa.