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4. OS CÓDIGOS FLORESTAIS

4.12 Disposições transitórias

Esse seguramente é o capítulo mais polêmico do Código Florestal brasileiro, porque ele trata da regularização de desmatamento irregular anterior a 22 de julho de 2008. O projeto de lei inicial, que garantia a anistia ao desmatamento, sofreu muitas ressalvas, depois de enxurrada de críticas populares que recebeu. No capítulo, ainda assim, fica implícita a aceitação das áreas consolidadas em APPs, o que se pode perceber com a leitura do caput do Art. 61-A: “Nas Áreas de Preservação Permanente, é autorizada, exclusivamente, a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008” (BRASIL, 2012). Enfatiza-se aqui a palavra ‘exclusivamente’, em contraposição ao que virá a acontecer com as Reservas Legais. Mas a consolidação só pode acontecer na condição de que faixas margeando rios ou outros cursos d’água fossem parcialmente recompostas, as taxas de recuperação variando de acordo com o tamanho da propriedade, o que pode ser conferido na leitura do artigo específico.

Há também outras exigências, como aquela que trata das veredas e de sua recomposição; ou ainda então a atenção especial dedicada às bacias hidrográficas críticas, que é um claro reconhecimento de áreas com valor ecológico superior por parte do legislador. Entretanto, nota-se nesta pesquisa uma possível omissão do Código Florestal brasileiro, no que diz respeito às propriedades rurais de maior dimensão. No Art. 61-B, lê-se:

84 https://jus.com.br/artigos/32171/a-protecao-internacional-dos-direitos-de-povos-e-populacoes-indigenas-e-tribais. O

conteúdo da Convenção 169 sobre Povos Indígenas e Tribais foi recepcionado pela norma jurídica brasileira através do Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004.

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Aos proprietários e possuidores dos imóveis rurais que, em 22 de julho de 2008, detinham até 10 (dez) módulos fiscais e desenvolviam atividades agrossilvipastoris nas áreas consolidadas em Áreas de Preservação Permanente é garantido que a exigência de recomposição, nos termos desta Lei, somadas todas as Áreas de Preservação Permanente do imóvel, não ultrapassará:

I - 10% (dez por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área de até 2 (dois) módulos fiscais;

II - 20% (vinte por cento) da área total do imóvel, para imóveis rurais com área superior a 2 (dois) e de até 4 (quatro) módulos fiscais (BRASIL, 2012).

Mas nada se fala sobre a recomposição da área consolidada em grandes imóveis rurais, ou em latifúndios, no corpo da lei.

Em seguida, passa-se às considerações sobre as áreas consolidadas em Reserva Legal, que, neste novo momento do Código Florestal, torna-se inadmissível, apesar de serem previstas maneiras de manter as atividades produtivas, se forem feitas as devidas compensações, na forma da lei. Percebe-se que, no caput do Art. 66, não se usa um verbo impositivo para estabelecer a necessidade de recuperação de área desmatada em Reserva Legal até 22 de julho de 2008. “O proprietário ou possuidor de imóvel rural que detinha, em 22 de julho de 2008, área de Reserva Legal em extensão inferior ao estabelecido no art. 12, poderá regularizar sua situação, independentemente da adesão ao PRA, adotando as seguintes alternativas, isolada ou conjuntamente (...)” (BRASIL, 2012). Ademais, estipula-se a tolerância de 20 anos para completar-se a recomposição da RL, o que pode ser feito mediante o plantio de espécies nativas, mas também o de exóticas, estas não podendo ultrapassar 50% da área recuperada. Contudo, não é feita prévia seleção das espécies exóticas a serem utilizadas. Assegura-se ainda o direito do proprietário que concluiu a restituição vegetativa de explorar economicamente a região, de acordo com o que for permitido pelo Código Florestal.

As pequenas propriedades, de até quatro módulos fiscais, que usavam economicamente a Reserva Legal em 22 de julho de 2008, estão isentas de proceder à recuperação, caso ainda haja vegetação nativa remanescente no local. Porém, os grandes proprietários em situação irregular poderão compensar o desmatamento por meio de aquisição de Cotas de Reserva Ambiental, um instrumento de mercado instituído com a nova lei que se assemelha ao modelo implantado pelos créditos de carbono do regime internacional. Nesse sentido, há consonância entre o que é promovido no Brasil e aquilo que está em vigor na política internacional. Muito embora o resultado obtido por essas transações de mercado não seja acobertado pelo regime: o prosseguimento de atividades irregulares e danosas para a floresta. Os proprietários podem ainda compensar pelo desmatamento com a preservação de áreas localizadas no mesmo bioma em que a infração foi cometida, um dos

160 dispositivos polêmicos da nova lei, como comentado antes. Não se encontram equivalências na lei francesa; apenas que o desmatamento ilegal é punido, podendo ocasionar proibição de realizar certas atividades profissionais, a retirada do mercado de produtos por tempo mínimo de três anos, entre outros.

Na verdade, a França tem experiência muito mais antiga que o Brasil sobre a gestão florestal. Não se pode esquecer que as florestas da metrópole chegaram à beira da extinção. Portanto, a noção de floresta nativa é de difícil assimilação para o Estado francês. Pode-se argumentar também que essa é a razão pela qual o Código Florestal do país europeu exige que o uso da vegetação seja compensado com o plantio de área igual ou superior à explorada. Com isso, a tendência é que as florestas sigam trajetória de crescimento. Em relação à Guiana, cujo valor ecológico foi somente reconhecido no século passado, percebe-se um controle mais aferrado, com delimitações rígidas do que deve ser preservado ou não, apesar de os locais onde se desenvolvem as atividades econômicas não pararem de aumentar. Desse modo, há aparentemente comportamento mais compatível com as florestas como um Bem Comum Global por parte da França, em especial na Amazônia guianense, que ainda se mantém relativamente intacta.

O Brasil está em outro momento da história; ele apresenta certa dificuldade em aprender com os erros passados de países como a França, como parece atestar a agitação causada pela aprovação do ‘mais novo’ Código Florestal. A análise da lei até aqui mostrou que, invariavelmente, a exploração florestal brasileira vai levar à paulatina redução da cobertura dos biomas no Brasil. É uma questão matemática: se é permitido usar e não é necessário compensar em igual medida, o processo levará à diminuição das florestas, pouco importando o ritmo a que isso ocorra. Nesse sentido estrito, há a confirmação de que o Brasil apresenta falhas no tratamento da Amazônia e das outras florestas como Bem Comum Global. O dilema de sobre-exploração dos biomas ainda não foi eliminado.