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2.3 ENTRE O FUTURO QUE NUNCA CHEGA E O PASSADO QUE FAZ O

2.3.1 A economia popular e solidária e seu Doppelgänger maligno: a complexidade

Não obstante, o fato é que essa majoritária parte da população latino-americana, protagonista de um mundo do trabalho paralelo ao padrão do capitalismo central, só veio a ser objeto de atenção da Academia e do Estado nas últimas décadas do século XX – quando passou a ser batizada de diferentes formas – mercado informal de empregos (MACHADO DA SILVA, 1971), setor informal (HART, 1973), economia informal (CACCIAMALI, 1994), informalidade (MACHADO DA SILVA, 2002) (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004), circuito inferior (SANTOS, 2008), economia subterrânea (DE SOTO, 1987), economia popular

213 Quanto a este aspecto são também expressivas as desigualdades regionais. Enquanto os Estados do Nordeste e Norte têm taxas de informalidade que variam entre 62,4 (Pará) e 47,1 (Roraima), nos estados do Sul e Sudeste as taxas ficam variam entre 41,6 (Espírito Santo) e 27,3% (Santa Catarina) (AGÊNCIA IBGE NOTÍCIAS, 2020).

(CORAGGIO, 2000), economia dos setores populares (KRAYCHETE, 2000) – multiplicidade que, em si, indicia a complexidade e as contradições dessa longeva parcela da realidade.

Neste quadro pode ser inserida, assim, a discussão sobre as razões do “atraso” da América Latina, do Brasil, do nordeste brasileiro, do sertão (em relação ao litoral), que renderam muitas tentativas de explicação do “insucesso” da modernidade – especialmente marcada pelos signos da urbanização e da industrialização – nesses espaços subalternizados. É justamente neste ponto que se encontram as primeiras referências ao termo “informal” para descrever as formas de trabalhar e de produzir desviantes do trabalho assalariado. As discussões que disso derivaram deixam evidente a intensa interpenetração entre a ciência, o Estado e suas políticas, relações de domínio regionais e, afinal, o papel que desempenham no espaço de tensões entre classes, poder e economia. Esse conjunto de fatores também podem indicar razões para a equivocidade do termo, marcado por muita imprecisão e disputas.

A farta literatura sobre o assunto de regra indica a gênese das expressões que transitam em torno do adjetivo informal em pesquisas patrocinadas pela Organização Internacional do Trabalho – OIT no bojo de seu World Employment Program, que resultaram no que ficou conhecido como Kenian Report, de 1972 (Employment, Incomes and Equality: A Strategy for

Increasing Productive Employment in Kenya)214. O Kenian Report atribuiu ao apoio do Estado ao “setor informal urbano” uma grande importância em suas recomendações para as estratégias de desenvolvimento nacional. O texto da OIT, propondo-se a refletir e apontar estratégias para a superação do desemprego, identifica como obstáculo a própria mensuração do problema: a estatísticas seriam incompletas, já que cobririam “uma parte importante do emprego assalariado e algum trabalho autônomo nas empresas maiores e mais organizadas, mas omitindo um conjunto de pessoas assalariadas e autônomas, tanto homens quanto mulheres, atuando no que chamamos ‘setor informal’”215(OIT, 1972, p. 5).

A linha divisória entre “formal” e “informal”, a partir desses primeiros trabalhos, sempre foi espaço de muitas divergências, decorrentes da própria complexidade das realidades

214 Trabalhos anteriores, no entanto, já o utilizavam, sendo também muito citado como efetivo criador do termo o texto do antropólogo inglês Keith Hart, “Informal income opportunities and urban employment in Ghana” (1973), apresentado originalmente na Conference on Urban Unemployment in Africa, realizado pelo Instituto de Estudos sobre Desenvolvimento da Universidade de Sussex (Inglaterra) em setembro de 1971. A dinâmica da produção científica e dos círculos de influência eurocêntricos – considerando o papel assumido pela OIT, pelo consagrado Institute of Development Studies da Universidade de Sussex e prestígio dos pesquisadores envolvidos (como Hans Singer and Richard Jolly) – parecem explicar a importância que o Kenian Report assumiu mundo afora, servindo de padrão para as discussões e para a construção da categoria.

215 “a major part of wage-earning employment and some self-employment in the larger and more organized firms

but omitting a range of wage earners and self-employed persons, male as well as female, in what we term ‘the informal sector’” (OIT, 1972, p. 5).

observadas. O Kenian Report, por exemplo, propunha que “atividades informais não se restringem ao emprego na periferia das grandes cidades, a atividades particulares ou até mesmo a atividades econômicas”216. A definição proposta, assim, passava pela “forma que as coisas

são feitas”, caracterizada por sete pares de características que demarcariam a diferença entre setores informal e formal, respectivamente: (a) facilidade versus dificuldade de ingresso; (b) dependência de recursos nativos versus frequente dependência de recursos estrangeiros; (c) propriedade familiar do empreendimento versus propriedade corporativa; (d) operação em pequena escala versus operação em larga escala; (e) tecnologia trabalho-intensiva e adaptada versus tecnologia capital-intensiva e geralmente importada; (f) habilidades adquiridas fora do sistema escolar formal versus habilidades adquiridas formalmente, de regra no estrangeiro; (g) e mercados não regulados e competitivos versus mercado protegidos (através de tarifas, quotas e licenças de comércio) (OIT, 1972, p. 6).

A vinculação das categorias ao horizonte das políticas públicas pode ser um dos elementos explicativos da tendência à simplificação dos critérios distintivos, que tendem a preferir características objetivas que possam ser mensuradas e avaliadas. Talvez a mais conhecida delas seja a adequação do trabalho às regras jurídico-institucionais, ao “formato” previsto pelo direito estatal. No Brasil, este “formato” é marcado, sob o prisma do trabalhador subordinado individualmente considerado, pela “carteira de trabalho assinada”; sob o prisma da unidade produtiva coletiva, pela “formalização jurídica” – isto é, a transformação do grupo em uma pessoa jurídica, devidamente “registrada” nas instâncias administrativas adequadas, entre as quais se destacam as instâncias da administração tributária (o que significa, em termos de Brasil, estar inserido no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – o “CNPJ” e nos cadastros similares de âmbito estadual e municipal, a depender da atividade econômica desenvolvida). Assim se estabelece, portanto, o forte elo entre o tema dessa pesquisa (a formalização jurídica do trabalho associado) e o tema da informalidade.

É importante acentuar, no entanto, que a categoria socioeconômica da informalidade não se confunde com ausência de forma jurídica. Um bom exemplo a ser lembrado é a pesquisa da Economia Informal Urbana – ECINF, realizada pelo IBGE em 2003, que, na esteira dos critérios estabelecidos pela OIT, considerou como integrantes da “economia informal” unidades

216 (OIT, 1972) (“informal activities are not confined to employment on the periphery of main towns, to particular

produtivas que “operassem com até cinco empregados”, formalizados ou não217, e trabalhadores

por conta própria.

O tema da informalidade passou a integrar uma agenda acadêmica e, a partir dela, de políticas públicas, que ganharam especial intensidade na América Latina a partir dos anos 1970, mas que, desde os anos 1950, já eram pautadas em torno do problema da integração da região ao capitalismo industrial e aos padrões de desenvolvimento dos países do “primeiro mundo”:

Assim, a “promoção do setor informal” foi efetivamente apenas um novo nome e uma justificativa racional para políticas que foram amplamente defendidas desde o início da década de 1950 – a promoção de pequenas indústrias, tanto para suprir o mercado interno quanto para contribuir para as exportações, principalmente como subcontratadas de grandes empresas nacionais e transnacionais. As principais hipóteses, subjacentes a essa estratégia de desenvolvimento, eram as de que países pobres deveriam diversificar para além da dependência da produção primária através da manufatura, preferivelmente à expansão dos serviços, e que pequenas empresas gerariam mais empregos e demandariam menos investimento de capital por vaga que empresas maiores218 (BROMLEY, 1990, p. 336, tradução

nossa).

No entanto, como procurei demonstrar anteriormente, o que ganhou o nome de “setor informal” na segunda metade do século XX corresponde a uma realidade que faz parte da história brasileira há um tempo muito mais longo. A novidade estava em incluí-la no campo de observação das ciências sociais e, em especial das políticas públicas, fazendo-a objeto de quantificação, e posterior medição. Quantificar, nesse aspecto, exprimindo e fazendo existir por meio de números fatos e comportamentos, presume um espaço prévio de produção criativa de convenções, equivalências, em que se atua técnica e politicamente ao mesmo tempo (DESROSIÈRES, 2008). A complexidade do que estão se percebia e se desejava medir conduziu, então, a uma intensa e longa discussão e impulsionou mudanças na mesma realidade “medida”, a partir das políticas públicas que nela pretenderam impor mudanças219.

217 “Embora útil para propósitos analíticos, a ausência de registros não serve de critério para a definição do informal na medida em que o substrato da informalidade se refere ao modo de organização e funcionamento da unidade econômica, e não a seu status legal ou às relações que mantém com as autoridades públicas” (IBGE, 2003). 218 Thus, "informal sector promotion" was effectively just a renaming and intellectual rationale for a policy that

had been widely advocated since the early 1950s-the promotion of small industries, both to supply the internal market and to contribute to exports, most notably as subcontractees for larger national and transnational firms. Key assumptions underlying this development strategy were that poor countries must diversify from dependence on primary production through manufacturing, rather than through the expansion of services, and that small enterprises generate more jobs and require less capital investment per job than larger firms (BROMLEY, 1990, p. 336).

219“A esfera pública, uma esfera dentro da qual questões sociais estão abertas ao debate público, de mãos dadas com a existência de informação estatística acessível a todos. […] A construção de um sistema estatístico não pode ser separada da construção de espaços de equivalência que garantem consistência e permanência, tanto política quanto cognitiva, desses objetos que pretendem prover uma referência para os debates. O espaço de representatividade das descrições estatísticas só é feito possível a partir de um espaço de representações mentais

É possível identificar alguns pontos em comum nessas discussões, que funcionavam como articuladores do debate e da ambiguidade característica da noção informalidade. Do esquema proposto por Luiz Antônio Machado da Silva (2002, p. 99) destacam-se dois:

a) estava em jogo o modo de articulação sistêmica do subdesenvolvimento, seja do ponto de vista de sua composição econômica (para as posições mais à direita), seja da capacidade política dos trabalhadores (para as posições mais à esquerda); o assalariamento, assim, assumia o papel de norte a ser alcançado, seja tendo como exemplo o estado de bem estar social europeu dos anos de ouro do pós-guerra, seja como modo de conformar um operariado industrial capaz de, nas versões mais esquemáticas do marxismo, gestar a mudança revolucionária para uma outro modo de produção;

b) um consenso em torno do papel central da indústria moderna e, por consequência, a categorização das diversas formas de trabalho não-industrial pelo viés da negativa: a in- formalidade correspondia a formas “atípicas” de mobilização do trabalho – disfuncionais, portanto.

Foi o mesmo Luiz Antônio Machado da Silva, em dissertação datada de maio de 1971 (anteriormente, portanto, aos trabalhos de Keith Richard e ao Kenian Report da OIT220), que,

pesquisando os “mercados metropolitanos de trabalho manual e marginalidade”, e tendo como espaços empíricos favelas nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza e Recife, foi o precursor das categorias “mercado formal” e “mercado informal de empregos”. Ressentia-se, no entanto, do constante dissenso entre os conhecimentos que adquiria na empiria e os modelos de que dispunha para explicá-lo. Identificava, então, que o problema estava na “completa falta de vivência da realidade estudada, evidenciada naqueles modelos”, e no desconhecimento do “significado da realidade das populações envolvidas”, resultando em interpretações que tomavam como referência “os grupos sociais dos quais faziam parte os investigadores” (1971, p. 5). Este problema parece acompanhar a história da “informalidade” enquanto categoria das ciências sociais, a começar pelo descompasso entre o fenômeno e sua tematização nas ciências

comuns nascidas de uma linguagem comum, marcada especialmente pelo estado e pela lei” (DESROSIÈRES, 1998, p. 324, tradução nossa) (“The public sphere, a sphere within which social questions are open to public debate, goes hand in hand with the existence of statistical information accessible to everyone. […] The construction of a statistical system cannot be separated from the construction of equivalence spaces that guarantee the consistency and permanence, both political and cognitive, of those objects intended to provide a reference for debates. The space of representativeness of statistical descriptions is only made possible by a space of common mental representations borne by a common language, marked mainly by the state and by law”).

220 As categorias acabaram consagradas internacionalmente através dos trabalhos dos pesquisadores ingleses da Universidade de Sussex. A ausência de menções à precedência do trabalho do pesquisador brasileiro, faz pensar na multiplicidade de fatores implicados nas escolhas pelas quais a ciência constrói seus standards, impõe, a partir dos centros de poder, modos de compreensão da realidade e, em um processo de mão dupla, igualmente a conforma.

sociais. Ele parece resultar, ainda, na tentativa de enquadrá-la em modelos construídos a partir da história europeia, que ainda seguem como parâmetro.

O modelo proposto por Luiz Antônio Machado da Silva, a partir do “ponto de vista dos trabalhadores”221, é preenchido por observações que concederam às categorias por eles

propostas a porosidade que o olhar exógeno parecia não dar conta. As suas observações empíricas mostram-lhe, por exemplo, que a adequação do trabalho aos critérios jurídico- institucionais, fazendo-o pertencer ao dito “mercado formal”, não resultava necessariamente em uma maior estabilidade ou proveito econômico para o trabalhador, ou na suposta impessoalidade que contrastaria com a dependência de laços familiares e retributivos (como favores e presentes), características do dito “mercado informal”. Assim:

Tem sido estabelecidas relações unilineares entre qualificação profissional, níveis de renda e estabilidade. Embora esta relação talvez seja válida para o conjunto da força de trabalho, esta dissertação procurou mostrar que parece existir suficiente quantidade de ‘casos desviantes’ para duvidar de sua base empírica e considerar tais proposições como meros simplismos. As combinações entre essas variáveis são muito numerosas, tanto no interior de cada sub-sistema quanto entre um e outro (1971, p. 133).

O pesquisador carioca apercebia-se, ainda, de como “a baixa capacidade de controle do mercado não significa necessariamente que o padrão de vida das pessoas envolvidas seja baixo” (1971, p. 134), já que a unidade de análise mais adequada parecia ser a família, de regra desconsiderada nas análises quantitativas sobre o tema. Entravam, assim, em jogo, diversas, complexas e específicas questões, de base culturais e históricas, como a solidariedade familiar, migração, continuidade das relações campo e cidade, composição familiar, que, a despeito de seu importante papel na compreensão da realidade, geralmente ficam de fora do quadro quantificável, ou são descartadas porque pontos fora da reta das teorias explicativas tradicionais e de determinadas metas consensuais, implicadas em noções como as de progresso, desenvolvimento econômico, o papel da industrialização, das cidades, a ideia de civilização, o próprio conceito de povo e trabalhador (“massa” ou “classe”?).

A discussão original em torno do conceito de informalidade, às voltas com suas imprecisões e com o insucesso das políticas públicas que dela decorreram222, perdeu seu fôlego através das décadas, retornando posteriormente à berlinda, em outros termos.

221 Com a devida advertência de que “apesar do risco de incorrer numa obviedade”, “esta afirmativa só pode ser entendida analiticamente, isto é, que os trabalhadores são tomados como referência no contexto de uma análise sócio-antropológica” (MACHADO DA SILVA, 1971, p. 8)

222 Mário Lisbôa Theodoro (1995), tratando dos programas de apoio ao setor informal no Nordeste brasileiro, menciona a Operação Esperança, desenvolvida nas décadas de 1960 e 70, em Recife, e que inspirou, no final dos anos 1970, o Programa de Apoio ao Trabalhador Autônomo de Baixa Renda, o PATRA, da SUDENE. Nos anos

A partir da década de 1980, o cenário vai paulatinamente se modificando, em uma conjuntura multifatorial: crise do petróleo, fim da guerra fria, crise do capitalismo fordista, mudanças nos modos de equilíbrio produtivo regionais, expansão e predomínio do capital financeiro, grandes avanços tecnológicos, sobretudo no campo da comunicação e informática. Os anos dourados do pós-guerra, que impulsionaram as teorias desenvolvimentistas, a apontar para o sul global os caminhos que vinham sendo conquistados pela classe trabalhadora ao norte, e assumiam como horizonte o pleno emprego, tinham seu fim anunciado, de forma melancólica, pela “grande virada” neoliberal (DARDOT; LAVAL, 2016), que marca uma nova correlação de forças no mundo do trabalho.

A crise do capital dá sentido a um conjunto de ideias que já vinham sendo formuladas desde o pós II Guerra Mundial, e que têm como mito de origem um encontro, realizado em 1947 em Mont Pèlerin (Suíça), entre nomes unidos pela oposição ao Estado de bem estar europeu e o New Deal norte-americano: Milton Friedman, Ludwig Von Mises, Karl Popper, Walter Eupken, Walter Lipman, entre outros. Opondo-se ao keynesianismo, propunham um outro tipo de capitalismo, livre de regulação, baseado em uma concorrência sem amarras que traduziam como a verdadeira liberdade dos cidadãos e a prosperidade das sociedades ocidentais (ANDERSON, 1995)223. Este conjunto de ideias atravessa o tempo e é retomado com nova força em um mundo globalizado que, diante da crise, assiste a ofensiva do capital em busca de espaços de reprodução, no seu moto-contínuo de expansão. Como de costume, o movimento resulta em novas formas de extração de mais-valia e de subalternização, que chegam ao século XXI contribuindo para um grave quadro de espoliação das classes trabalhadoras:

Os nomes de Ronald Reagan e Margaret Thatcher simbolizam esse rompimento com o ‘welfarismo’ da social-democracia e a implementação de novas políticas que supostamente poderiam superar a inflação galopante, a queda dos lucros e a desaceleração do crescimento[...] A política conservadora e neoliberal pareceu, sobretudo, constituir uma resposta política à crise econômica e social do regime fordista de acumulação do capital. Esses governos conservadores questionaram profundamente a regulação keynesiana macroeconômica, a propriedade pública das empresas, o sistema fiscal progressivo, a proteção social, o enquadramento do setor privado por

1980, menciona o Programa de Apoio ao Setor Informal e ações do Sistema Nacional do Emprego-SINE, do Ministério do Trabalho. É também desta época a criação do Centro Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas-CEBRAE (que mais tarde, privatizado, dá origem ao SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). O autor pontua a descontinuidade dessas ações e sua eficácia residual, assim como que a “falta de atrelamento a uma diretriz mais global” (1995, p. 164) lhes concede, de regra, um forte caráter assistencialista e caritativo.

Considerando as continuidades destes processos, destaco a centralidade que o SEBRAE tem assumido no Brasil, nas últimas décadas, na disseminação e aprofundamento, junto à classe trabalhadora, da racionalidade empreendedora. Sobre este ponto, remeto a Carla Appollinario de Castro (2013).

regulamentações estritas, especialmente em matéria de direito trabalhista e representação dos assalariados. A política de demanda destinada a sustentar o crescimento e realizar o pleno emprego foi o principal alvo desses governos, para os quais a inflação se torna o problema prioritário (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 190).

A reunião de diversos fatores – que vão desde avanços tecnológicos que dispensam mãos e as pulverizam espacialmente, até mecanismos de instabilização das relações de trabalho, produzindo massas disponíveis e amedrontadas de trabalhadores dispostos a vender sua força a qualquer preço – configura um cenário em que o capital avança como nunca em seu processo de concentração, mas igualmente necessita de novas formas de justificar sua expansão e docilizar as consciências.

Tais processos confirmam a aposta de Marx na centralidade assumida pelo desemprego (exército de reserva) na explicação das dinâmicas do capitalismo224, mas vão mais longe, pois, no contínuo da globalização capitalista, e da divisão internacional do trabalho, chega a ser possível se falar em países, ou mesmo continentes inteiros, cujos trabalhadores foram deliberadamente excluídos dos projetos modernizadores do capitalismo:

A categoria dos desempregados, portanto, deveria ser expandida para abranger a amplitude da população, desde os desempregados temporários, passando pelos não mais empregáveis e permanentemente desempregados, até as pessoas que vivem nos cortiços e outros tipos de guetos (aqueles muitas vezes descartados pelo próprio Marx como ‘lumpemproletariado’) e, por fim, áreas, populações ou Estados inteiros excluídos do processo capitalista global, como aqueles espaços vazios dos mapas antigos” (ŽIŽEK, 2012, p. 14).

Rompiam-se, assim, os consensos em torno dos quais a discussão sobre a informalidade foi estruturada. Em seu lugar, palavras de ordem como flexibilização do mercado de trabalho, empreendedorismo, auto-emprego, terceirização, precarização, uberização, competitividade tomam corpo e vêm acopladas a um forte esquema ideológico, uma “nova razão do mundo”, no dizer de Dardot e Laval (2016). Assiste-se a uma agressiva regressão de conquistas seculares das classes trabalhadoras, associada a um quadro de desemprego e subemprego crescente, que subjuga a força de trabalho a condições cada vez mais precarizadas, e aponta para uma renovada