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O grupo Copermasol235, o primeiro a ocupar uma das cantinas da UEFS, iniciou a

parceria com a Incubadora em 2008 – antes, portanto, do início do Projeto Cantinas Solidárias, ocorrido em 2013, e do meu próprio ingresso na equipe da Incubadora, no segundo semestre de 2010. A Copermasol foi o primeiro grupo que nos exigiu trazer o tema da formalização jurídica para os embates da vida “real”, assim como foi o primeiro (e único) grupo com que vivenciamos um processo de formalização até as últimas consequências, transformando-o, de um “grupo informal”, em uma “sociedade simples236”. Sua história, por isso, é um fio condutor muito

significativo na busca por compreender como a personificação jurídica reflete-se sobre os grupos de trabalho associado popular.

O projeto que possibilitou o próprio nascimento da Incubadora, com financiamento da FAPESB, previa o processo de incubação da Copermasol, cujo contato inicial partiu de uma das pesquisadoras envolvidas, que já havia realizado atividades com ele no âmbito de outro núcleo de pesquisa da Universidade237. No projeto o grupo era descrito destacando-se a

predominância de mulheres, um perfil “eclético pelo seu caráter urbano sendo composto de desempregados e algumas aposentadas e pensionistas, todos moradores da periferia da cidade de Feira de Santana”, que possuíam “arranjos econômicos familiares em fundo de quintal a exemplo da produção e venda de lanches, artesanato”, e o desejo de “consolidar um trabalho coletivo através de melhor estruturação e formalização da cooperativa”, tendo a “alimentação” como núcleo da atividade econômica a ser desenvolvida (IEPS, 2009). Embora eu não tenha encontrado registros exatos sobre este aspecto no acervo documental pesquisado (e não tenha

235 Como já esclareci na introdução, certamente como reflexo da forte presença dos ideais do cooperativismo no discurso formativo do grupo, a sua denominação era Coopermasol – “Cooperativa em Rede Mãos Solidárias”. Em 2007 (antes, portanto, do encontro com a Incubadora) chegou a ser redigido o estatuto social da cooperativa (o documento data de 27.10.2007), mas o processo de registro e posterior formalização nunca se completou. As trabalhadoras mencionam, em registros de reuniões ocorridas com a equipe da Incubadora em 2009, atividades de formação e apoio em forma de equipamentos por outras instituições (Associação dos Pequenos Agricultores da Bahia-APAEB, UNISOL, Consulado de Mulheres e o Serviço de Recursos de Emprego-SER da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias), anteriores ao início dos trabalhos com a Incubadora da UEFS. Suponho que alguma dessas instituições tenha prestado a assessoria ao grupo para a redação do estatuto, pois o documento segue o modelo “padrão”, bastante completo e com o emprego de linguagem técnico-jurídica específica.

Em 2015, ao tempo da efetiva personificação do grupo (que, como se verá, não assumiu o formato de cooperativa), a denominação foi alterada para Copermasol, que abreviava a expressão “Companheiras de Mãos Solidárias”. 236 Formato jurídico do Direito brasileiro que mais adiante será apresentado com mais detalhes.

237 Professora Sonia Lima de Carvalho, do Mulieribus - Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre a Mulher e Relação de Gênero. Ela acabou, no entanto, por não ter uma atuação efetiva no processo de incubação da Copermasol, participando da equipe da IEPS apenas nos seus momentos iniciais.

conhecido pessoalmente todos/as os integrantes do grupo original), é quase certo que a maioria dos/as integrantes do grupo era negra, assim como acontece no bairro da Queimadinha, onde moravam238.

Originalmente o grupo trabalhava com buffet para eventos (às vezes se responsabilizava também pela ornamentação) e algumas integrantes fabricavam bolsas com material reciclado de garrafas PET. O que movia o grupo, no entanto, parecia ser o desejo de implantar um restaurante239. Tratava-se, no entanto, de um “grupo informal”, composto por um total de 24

pessoas “em situação de vulnerabilidade social”, cujas atividades iniciaram-se em abril de 2007 (o projeto foi elaborado em janeiro de 2009) e contavam tão somente com um “espaço para reuniões localizado na cidade de Feira de Santana cedido temporariamente por uma igreja evangélica local; 01 (um) freezer; 01 (uma) geladeira; 01 (um) fogão; 01 (um) forno microondas; 01 (um) batedeira; 01 (um) liquidificador” (IEPS, 2009, p. 11).

A Incubadora da UEFS começava suas atividades estruturando-se (previa o projeto, por exemplo, a elaboração de seu próprio corpo normativo e a capacitação de sua equipe) e, ao mesmo tempo, desafiando-se a realizar o processo de incubação da Copermasol, acompanhando a estruturação do grupo. O Projeto, entre os “impactos econômicos do empreendimento”, já fazia menção à “possibilidade de formalização do empreendimento com impacto na economia local e regional” (grifo nosso).

Até abril de 2010, no entanto, não teria havido grandes avanços no processo de incubação do grupo, e a Incubadora requeria à FAPESB a prorrogação, em seis meses, do prazo para a conclusão do projeto240. Remetia-se ao Relatório Técnico Parcial, onde eram

238 Segundo dados de 2018 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgados pelo IBGE (2019), a Bahia tem o maior percentual de pessoas negras no país: 22,9 % se autodeclaram negras, 58,2% pardas e 18,1% brancas, em contraste com o panorama da média nacional, onde, 9,3% se declaram negras, 46,5% pardas e 43,1%, brancas. Em Feira de Santana, os dados de que disponho são do Censo Demográfico de 2010 (já que a PNAD Contínua não oferece dados por município), indica os percentuais de 20,08% de pessoas negras, 46,90% pardas e 16,67% brancas.

A distribuição por cor da população da Queimadinha pode ser uma inferência das conclusões já consolidadas sobre a cor da pobreza brasileira. Remeto, neste ponto, ao relatório Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil (IBGE, 2019). Os dados extraídos do Sistema IBGE de Recuperação Automática-SIDRA indicam que a Queimadinha é, em números absolutos, o sexto bairro em número de pessoas negras e pardas na zona urbana do município. De uma população total de 19.203 habitantes, 3.825 se declaram negras, 10.798 pardas, correspondendo os dois grupos juntos a 76,1% da população total do bairro (dados do Censo Demográfico de 2010) (para o manuseio dos dados do SIDRA contei com a ajuda do pesquisador Daniel Portela, a quem agradeço).

239 É o que foi relatado no Relatório Técnico Parcial apresentado à FAPESB pela IEPS (2010, p. 6-7), a partir de reuniões de pré-incubação desenvolvidas pela equipe.

240 O prazo original era de 24 meses. A prorrogação foi deferida pela FAPESB, estendendo-se o limite final do projeto para dezembro de 2010.

mencionadas dificuldades com “a pouca participação ou participação irregular dos cooperados” (IEPS-UEFS, 2010) e com a própria “definição de seus rumos”:

[...] já não mais seria possível estudar a possibilidade de instalação de um restaurante tendo em vista que alguns dos cooperados que possuíam experiência na área já não estavam participando dos encontros do Grupo. Ainda assim, os cooperados que permaneceram no Grupo, no período de junho a setembro, experimentaram outras possibilidades, a exemplo da venda de salgados no bairro no qual está situada sua sede e venda de pratos típicos (feijoada, etc.) nos finais de semana – também na sua sede. De acordo com o Grupo, estas atividades foram interrompidas porque trouxeram prejuízo financeiro (IEPS-UEFS, 2010).

A pesquisa documental do acervo da Incubadora revelou que, em janeiro de 2009, três integrantes da equipe da IEPS participaram de um curso de extensão sobre estudo de viabilidade

econômica de empreendimentos associativos241 e, como parte das atividades exigidas pelo

curso, foram realizados cinco encontros com os/as trabalhadores/as da Copermasol. Constatava-se, já ali, a participação irregular dos/as integrantes e a provável inviabilidade do Restaurante. Durante 2009 e 2010 aconteceram cerca de uma dezena de reuniões entre a equipe da IEPS e o grupo, com a participação muito variável de trabalhadores/as (mas que não excedeu a presença de oito pessoas) e sem maiores avanços no sentido da organização de uma atividade econômica estável. O tema da “formalização”, no entanto, já se fazia presente. Em registros de uma reunião de formação com a equipe da Incubadora, realizada em 13.10.2009, Antonieta dos Santos Santana, uma das integrantes da Copermasol, relata que entre as “dificuldades” do grupo estava a “formalização no papel” e, entre os “desafios”, “a regularização jurídica” e a “carência de advogado”. O tema da formalização jurídica aparece igualmente em atividade realizada em 15.12.2009, como se observa nos registros que aparecem nas fotografias a seguir:

241 O curso de Extensão em Viabilidade Econômica e Gestão Democrática de Empreendimentos Associativos foi realizado pelo Núcleo de Estudos do Trabalho da Universidade Católica do Salvador e coordenado pelo professor Gabriel Kraychete, um dos principais teóricos da metodologia.

Figura 6 –Atividade formativa realizada na sede da Copermasol pela equipe da IEPS-UEFS (15.12.2009)

Fonte: Acervo IEPS-UEFS (2009)

Como mencionei anteriormente, conheci a Incubadora e comecei a participar de suas atividades em outubro de 2010, quando a Copermasol tentava se reinventar, diante das dificuldades de manter o grupo unido. A falta de recursos, de um bom “ponto” para comercialização dos alimentos, os desentendimentos entre suas componentes eram elementos que se evidenciavam em especial. Dos/as 24 integrantes iniciais, os relatos das atividades desenvolvidas durante 2010 indicava a presença de apenas sete ou oito pessoas (sendo apenas um homem, que depois se afastou definitivamente). Mesmo com os equipamentos adquiridos através dos recursos do Projeto FAPESB (utensílios e maquinário de pequeno porte para fabricação de alimentos) o grupo não encontrava espaço e oportunidades de comercialização, o que também dificultava a própria sinergia necessária para o trabalho coletivo.

Simultaneamente, a Incubadora também amadurecia a ideia de fazer dos espaços de alimentação do campus da UEFS ambientes para desenvolver processos de incubação de grupos populares. Já em abril de 2009, José Raimundo Lima, professor integrante da equipe da Incubadora, à época na chefia da Unidade de Organização e Desenvolvimento Comunitário-

UNDEC da UEFS242, intermediou a presença, na cantina situada no módulo VII da UEFS, de

um grupo popular do povoado de Santa Inês (zona rural de Feira de Santana), organizado a partir de uma associação comunitária local (a Associação Comunitária dos Moradores da Vila Santa Inês e Adjacência-ACOMVISA). Após um processo licitatório sem interessados (o local era menosprezado para fins comerciais, em razão do pouco afluxo de pessoas à época243), e

diante da necessidade de um espaço de alimentação no local, a Administração Universitária acabou por firmar um contrato emergencial com o grupo (no formato de concessão remunerada de uso244). A experiência, no entanto, não foi à frente, em especial devido às dificuldades que,

de fato, existiam para comercializar no local. A proposta não previa, além disso, um acompanhamento sistemático do grupo pela Incubadora, muito embora tenha servido como um embrião inspirador para os passos seguintes.

242 Unidade administrativa da estrutura organizacional da UEFS, ligada diretamente à Reitoria, a quem incumbia “desenvolver e implementar políticas, programas e ações de integração e valorização dos servidores/as técnico- administrativos, professores/as e estudantes, através de uma equipe de profissionais multidisciplinar, com vistas a melhoria da qualidade de vida da Comunidade Universitária” (UEFS, [20--]). Em 2014 a UNDEC ganhou o status de pró-reitora, com a criação, pela Resolução CONSAD n. 065/2013, da Pró-Reitoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis – PROPAAE – que, tanto quanto a extinta UNDEC, tem entre suas atribuições as questões relacionadas à alimentação no campus da UEFS.

243 O campus da UEFS possui 7 “módulos”, construções enfileiradas ao longo de uma avenida com cerca de um quilômetro de extensão. Há quatro cantinas, situadas nos módulos ímpares (vide Figura 7) O “módulo VII” foi o último a ser construído e se situa a uma distância considerável do acesso central da Universidade. Com a construção de novas salas e instalação dos colegiados de cursos mais recentes na Universidade (como o de Filosofia e Psicologia, iniciados em 2011 e 2012 respectivamente) o espaço passou a contar com um maior fluxo de pessoas, sobretudo a partir de meados desta década. Até então as licitações para exploração comercial do espaço não despertavam interesse.

244 Isto é, no mesmo formato jurídico adotado nos demais espaços de alimentação da Universidade, explorados para fins comerciais.

Figura 7 – Planta baixa do campus central da UEFS com localização das cantinas

Fonte: Adaptado pela autora a partir do acervo IEPS-UEFS [20--?].

Já em maio de 2009, ainda José Raimundo, em nome da UNDEC, formulou consulta formal à Procuradoria Jurídica da UEFS, questionando-lhe “quais os procedimentos para que a Universidade possa fazer a cessão do uso [de uma cantina] para entidades, associações, cooperativas ou incubadoras populares”245. Diversos pareceres jurídicos foram produzidos

através de consultas específicas à Instrutoria Jurídica do Centro Público Estadual de Economia Solidária246 e da Procuradoria Geral do Estado. Concluía-se, em suma, pela possibilidade legal

de realizar a disponibilização do espaço público através de permissão de uso gratuita247,

efetuando-se a seleção do grupo através de chamada pública (dispensava-se, assim, a realização de licitação, procedimento mais complexo e formal). Servia de inspiração processo semelhante

245 A reconstituição deste histórico foi possível através do levantamento documental realizado durante esta pesquisa. O trecho transcrito, em específico, foi retirado da Comunicação Interna n. 139/2009, de 25.05.2009, entre a UNDEC e a Procuradoria Jurídica da UEFS, que dava início a um processo administrativo formado pela documentação aqui mencionada (inclusive pareceres jurídicos).

246 Entre os documentos constantes do processo administrativo iniciado com a mencionada Comunicação Interna encontram-se comunicações e pareceres produzidos no âmbito da Secretaria da Superintendência de Economia Solidária da Secretaria Estadual do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte-SETRE, que igualmente pretendia ceder sua cantina a um grupo popular de economia solidária.

247 Como a denominação sugere, a permissão de uso é um ato administrativo que enseja a utilização de coisas públicas por particulares (tanto quanto a cessão, a concessão, a locação). Pode implicar na obrigação de pagamento de prestação em dinheiro pelo permissionário (forma onerosa) ou, de outro modo, dar-se de forma gratuita. Tem como características distintivas o fato de ser “unilateral, precário e discricionário quanto à decisão da outorga” (MELLO, 1999, p. 625).

vivenciado no prédio da Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte-SETRE, em Salvador, onde também se instalara uma cantina. O Termo de Referência utilizado pela SETRE para a chamada pública dirigia-se a “empreendimentos econômico solidários”, sem exigência de formalização, e vinculava-se às atividades de uma incubadora pública ligada à SETRE, que acompanharia o grupo com atividades formativas. No termo de referência exigia-se apenas dos concorrentes:

a) Cópia dos documentos pessoais do responsável (RG, CPF, comprovante de residência);

b) Documentação de registro do empreendimento (se houver), incluindo Estatuto, ata de eleição e posse da atual diretoria

c) Ata assinada por todos os membros do grupo aprovando a participação no processo seletivo, apresentando o empreendimento com ênfase nos critérios de pontuação [...] e, no caso de grupos não formalizados, indicando o representante do Empreendimento (destaque do original) (2018).

Em abril de 2011, a Comissão de Licitação da UEFS comunicou à UNDEC a possibilidade da realização de chamada pública para seleção de um grupo popular para ocupar a cantina do módulo VII, a título de permissão de uso gratuita. A equipe da Incubadora (que eu já integrava, a esta altura) trabalhou intensamente na elaboração do termo de referência para este fim, que serviu de base para a Chamada Pública 001/2011, cujo objeto foi:

Permissão de uso gratuita do espaço físico correspondente à Cantina do módulo VII do campus central da UEFS a Empreendimento Econômico Solidário (EES), sob a forma de Cooperativa ou Associação, com atuação no segmento de alimentação, com o fim de fornecimento de alimentação à comunidade universitária (2011).

O tipo de estrutura jurídica dos grupos foi, à época, questão das mais polêmicas nas discussões que antecederam a Chamada Pública. Muito embora o termo de referência da SETRE, como acima visto, não tenha circunscrito a sua chamada a grupos formalizados, pesou como contraponto a experiência quase simultânea que vinha sendo desenvolvida no campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia-UFRB em Cruz das Almas, também sob a influência de sua INCUBA - Incubadora de Empreendimentos Solidários. Lá, a Procuradoria Jurídica havia restringido a possibilidade de participação tão somente a sociedades cooperativas (Chamada Pública UFRB n. 01/2010) – evidenciando-se desde aí o fetiche que a forma cooperativa assumiu para a Economia Solidária no Brasil248.

248 E “para a política social de nossos governos” na América Latina, como acentua Orlando Fals Borda em reflexões a que retornarei mais adiante (1971, p. 102).

As discussões que se desenvolveram em torno da questão chegaram a ser apresentadas por mim em um artigo, que veio a ser publicado em 2013249. Ao contrário do entendimento

predominante na assessoria jurídica da Administração Universitária, que pretendia seguir a opção da UFRB, tentávamos demostrar que o perfil dos grupos populares conflitava com as exigências burocráticas da formalização, defendendo a possibilidade do uso do bem público por grupos formais ou informais:

O regime jurídico e a prática vigentes, no âmbito das contratações públicas, devem, então, ser repensados, especialmente considerando que uma via importante para estímulo de grupos dentro das características da economia solidária pode ser incluí-los, de maneira privilegiada, entre os fornecedores de serviços e bens ao Estado.

Dessa forma, são legítimos e mesmo desejáveis processos seletivos públicos, para fornecimento de bens e serviços ao Estado, ou para a exploração de patrimônio público, que se destinem de maneira privilegiada a grupos de economia solidária, constituindo verdadeiras políticas afirmativas que têm o condão de concretizar os objetivos constantes do art. 3º da Constituição Federal.

Considerando as características dos grupos que atuam na economia solidária, contratações de tal ordem podem, e devem, prever a possibilidade de ter como contratados grupos formais, organizados sob a forma de cooperativas e associações, e mesmo grupos informais, sendo muito importante o concomitante acompanhamento educativo e consultivo dos empreendimentos contratados, por meio, por exemplo, de processos de incubação, levados à frente pelo próprio poder público ou por ele estimulados e apoiados (PITA, 2013, p. 101).

O fato é que a Chamada Pública 001/2011 da UEFS250 findou por excluir a participação

dos grupos informais, mas por outro lado não restringiu a chamada às cooperativas. A “vitória” parcial não foi, entretanto, suficiente naquele momento: o processo seletivo, como temíamos, acabou, como se diz no jargão jurídico, “deserto” – nenhum grupo apresentou proposta de participação no prazo do edital (que transcorreu entre dezembro de 2011 e março de 2012). Com o conhecimento que já reuníamos em torno da realidade local, a equipe da Incubadora antecipava, nas discussões de suas reuniões semanais, a ausência, na região, de grupos que pudessem, no tempo disponibilizado pela chamada pública, cumprir os requisitos de regularidade jurídica formal e, em especial, reunir equipamentos e capital de giro necessários para o funcionamento da cantina.

249 O texto foi antes apresentado e defendido como tese perante o XXXVIII Congresso Nacional de Procuradores de Estado, realizado em outubro de 2012, mas sem qualquer repercussão prática direta ou maiores discussões no âmbito local da PGE.

250 É possível consultá-la na íntegra em http://noticias.uefs.br/portal/downloads/editais/abertura-de- inscricao/edital-da-chamada-publica-n-01-2011.pdf.

O insucesso da chamada pública apontava, assim, para uma conclusão que foi se afunilando mais e mais ao longo do tempo: a incompatibilidade entre os grupos de trabalhadores/as populares e as exigências para a adoção da forma de uma “pessoa jurídica”. Já ali ficava claro para nós que o “problema”, no entanto, não estava do lado dos/as trabalhadores/as: o Direito expurgava estas pessoas de seu âmbito de ação, cumprindo à risca o papel que o faz tão importante na dinâmica do capital. Da mesma forma que o fetiche da mercadoria transforma relações entre pessoas em aparentes relações entre “coisas”, o Direito é o fetiche que pinta de “igualdade” e “liberdade” mecanismos que, em sua prática social, legitimam a exclusão.

O insucesso do processo seletivo e a necessidade urgente de viabilizar um espaço de alimentação no módulo VII juntaram-se aos elementos que acabaram tornando possível a primeira edição do Projeto Cantinas Solidárias. Por vias transversas, entre a “luta teórica” e o acaso, acabou sendo possível desenvolver o projeto como entendíamos correto: envolvendo grupo informais, em consonância com a realidade que a lógica do Estado e seu Direito teimam em ignorar.

A proposta foi encaminhada à Administração Superior da Universidade apostando-se em um caminho alternativo: a transformação da Cantina em um espaço pedagógico disponibilizado à Incubadora para tornar viável o primeiro Projeto de Extensão Cantina Solidária (Anexo B), cujo objetivo geral foi assim formulado:

Implantar a incubação de uma iniciativa da economia popular e solidária no espaço da Cantina do Módulo VII, como lócus pedagógico para a realização das atividades de organização, comercialização, formação e capacitação dos envolvidos no processo, possibilitando eventos que fortalecem a relação universidade comunidade, bem como a economia popular e solidária no Município (IEPS-UEFS, 2012)

Nesta primeira edição, no lugar de uma seleção aberta, optou-se pela escolha da