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5. Percursos e opções editoriais

5.4. A editora associada a outras funções

Como referimos na secção anterior, a redução de vendas de CD no mercado nacional levou algumas editoras a apostar na exportação, sendo esse um cenário ideal para a maioria das editoras, mas mais difícil e complexo operacionalizar, pelo que algumas editoras se resignam à participação num mercado limitado. Porém, em quatro casos, encontrámos modelos de edição que estão associados a outras funções na música, como o agenciamento, o management, ou a promoção de eventos.

A ideia base é simples: rentabilizar o investimento na edição com as receitas provenientes dos concertos e/ou festivais organizados, ou das comissões de agenciamento ou management.

Tal como no caso da exportação, este é um cenário idealizado pela maior parte das editoras, que acabam por assumir, a espaços, o cumprimento destas funções: uma das práticas mais correntes é a organização de concertos de lançamento das obras, visto como um espetáculo promocional que serve de “cerimónia” para o lançamento público da edição, e onde geralmente o álbum é vendido num preço combinado com a entrada no evento, numa tentativa de vender o maior número de exemplares possíveis logo que a obra é lançada, permitindo abater de imediato parte, ou a totalidade, dos custos de edição. Porém, quando nos referimos à identificação de quatro editoras que usam um modelo de interligação destas funções, referimo-nos a editoras onde estas funções são centrais ao seu funcionamento, e recebem tanta atenção quanto o trabalho de edições em si. Como vimos também anteriormente, estas são as editoras que dispõem de mais recursos humanos, e são também as mais profissionalizadas.

“Se te queres profissionalizar e se queres fazer uma editora capaz de ser auto suficiente e não um projeto que tu tenhas com amigos, é um modelo para o qual muitas se estão a virar porque tu, como editora, tu queres lançar música e queres mostrar o trabalho de artistas, mas como é que vais ter um retorno sobre isso, se já não se vende música? Vais ter de criar alguma relação mais profunda com o artista para além disso, por isso é que muitas editoras estão a partir para um modelo de representação através principalmente do agenciamento, ou seja, permite desenvolver um trabalho muito mais profundo com o artista e ter um retorno direto da atividade do artista, não é? Porque de facto é aí que se faz dinheiro, é um reconhecimento da realidade do mercado agora. (…) Claro que há muitos artistas que podem não se sentir confortáveis com contratos de exclusividade, mas é muito complicado que as coisas se façam de outra forma, neste preciso momento.” E5, Netlabel e editora, Masculino

“Termos uma pessoa focada na parte do booking [agenciamento], e acho que neste momento, a venda de discos é tão residual que, os concertos são para promover o disco, mas o disco também é para potenciar o concerto...” E9, Editora, Masculino, 30 anos, Bacharelato, Porto/Barcelos

Assim, para além da necessidade de mais pessoas a trabalhar na/para a editora, existe também uma maior proximidade entre a editora e as bandas com que trabalha, assim como um maior comprometimento entre as duas partes.

“Acho que acabas, para já, por ter uma relação muito mais próxima com a banda. Porque não é só editar e distribuir e acabou e não é preciso mais nada. (...) portanto, nós preferimos ter tudo assim, e assim, também, o que acontece, é que a banda e o artista não está a pagar a uma editora, uma distribuidora, uma promotora, uma manager, um agente, ou alguém que faz merchandise, que é o que eu vejo acontecer com muitas bandas, ou seja, quantas mais pessoas tu tens, menos dinheiro acabas por receber por concerto, e isto é uma coisa que bandas descobrem, muitas vezes, quando vão para editoras grandes: têm de pagar este, e aquele, e não sei quê e etc., e depois saem de um concerto com 5 euros no bolso. Pronto, isto também é propositado, isto é feito de propósito.” E3, Editora, Feminino, 32 anos, Mestrado, Lisboa

Agenciamento e management são funções que, por natureza, se encontram relacionadas. Se o agenciamento – atividade recente em Portugal – está ligado estritamente à marcação de concertos para a banda, o que exige da parte do agente um forte conhecimento das promotoras e seus responsáveis e de todos os aspetos relacionados com a organização de concertos na sua área de influência, o management assenta de forma mais abrangente numa gestão estratégica da carreira dos artistas que

passa ainda pela “articulação entre as várias partes, procedência de redes e conexões para o artista, consulting do artista, mediação entre o artista e o mercado e angariação de capitais” (Guerra, 2010:532-533), na prática, as funções de agenciamento, ainda para mais quando associadas já a uma estrutura editorial, estão também enquadradas numa visão estratégica de promoção da banda. A ideia de associar estas funções à edição não é nova, mas estava geralmente associada a editoras maiores. A grande novidade, porém, é a inversão da lógica de interligação entre funções, já que, a marcação de concertos deixou de ser um investimento para promover as obras editadas (Frith, 2007), passando as últimas a servir de promoção para a realização de espetáculos. Ainda dentro do

management, registámos uma associação a um papel de versatilidade no atendimento

das necessidades dos artistas geridos, e uma função igualmente ligada ao aspeto da promoção (que assim se estende da obra editada especificamente para o artista e os seus espetáculos).

“É alguém que mantenha a banda na ordem, que diga exatamente à banda o que ela precisa de saber, a que horas é que precisa de estar, o que é que é preciso levar, coordenar riders e etc., se é preciso mais uma garrafa de vodka para o camarim, há alguém que vai buscar a garrafa de vodka, portanto, tem de ser alguém que não tenha quaisqueres... que não tenha vergonha, que tenha uma lata incrível, e que consiga vender a banda e dar a cara pela banda, e isso também passa exatamente por promover, e com promoção, o agenciamento torna-se muito mais fácil.” E3, Editora, Feminino, 32 anos, Mestrado, Lisboa

Em termos das receitas provenientes destas atividades, embora seja afirmado o princípio de que elas compensam os custos do investimento feito na edição, a maior parte dos entrevistados não detalhou os acordos realizados. Registámos, porém, uma explicação detalhada do modo de funcionamento de uma das editoras consideradas:

“Ficamos com 20% da percentagem de agenciamento. Pronto, e estes 20% incluem o agenciamento, incluem o

management, incluem o road management, incluem essas coisas todas. O que nós achamos que seja bastante justo

porque, geralmente, um artista que esteja a pagar separadamente a um agente e a um manager e a um road manager, acaba por ficar sem 30 a 40% do cachet. Portanto, nós achamos que 20% até é bastante simpático. Claro que, o que nos interessa, é que os cachets sejam altos também, obviamente, mas, estamos totalmente preparados a abdicar da nossa parte se acharmos que o concerto é extremamente importante, relativamente a onde é, relativamente a quantas pessoas é que tem, se for a abrir para alguém que nós sabemos que vai ter muito publico, portanto, nós não estamos agarrados a este dinheiro, - percebes? -, e funcionamos com percentagem, não é... há agentes e há managers que têm eles próprios cachets que têm de ser cobertos independentemente do que o música receber, nós não, nós é percentual. E já houve imensos concertos em que nós não recebemos, porque achamos que não faz sentido estar a receber porque a banda já está a receber pouco. Portanto, isto também é caso a caso.” E3, Editora, Feminino, 32 anos, Mestrado, Lisboa

Os princípios da promoção de eventos são semelhantes, diferenciando-se pelo facto da editora promover os seus próprios eventos com os seus artistas, sem depender diretamente de outros organizadores. É desta forma que uma editora pode assumir um papel central na dinamização de uma cena específica local, já que passa a assumir basicamente todo o papel de seleção e consagração de artistas, promovendo-os em

bloco, ao mesmo tempo que promovem a própria identidade da editora, em eventos chave que vão ganhando o seu próprio prestígio. Isto proporciona também que a editora dinamize uma cena que não está ligada a (sub)géneros musicais específicos, associando bandas de diferentes (sub)géneros nos mesmos espetáculos e contribuindo assim para a formação de novos públicos, assim como para a aproximação de (sub)géneros que até então não estavam associados.