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5. Percursos e opções editoriais

5.2. As fases da Edição

5.2.2. Promoção e público-alvo

Analisaremos aqui os discursos das práticas relativas à promoção da obra editada. Esta consiste em anunciar a obra publicada ao público por via da imprensa, generalista e especializada, assim como blogs, ou pelos próprios canais de promoção da editora: assume assim um duplo papel ao fazer parte do processo de produção da obra, mas também pode assumir-se como uma instância de legitimação, como um selo de qualidade.

Se, como vimos, as editoras procuram garantir a qualidade das suas edições mais do que aumentar o seu catálogo, esperam também que essa qualidade seja reconhecida pelo seu público (mesmo se trate de um público-alvo de nicho) e demais instituições artísticas. Isto permite também que a editora varie de alguma forma o seu catálogo e tenha resposta positiva por parte de público que não seria à partida o público-alvo de um determinado (sub)género(s).

“Eu lembro-me que comprava discos só por ser da editora x, sem conhecer as bandas, esse desporto de «estes gajos estão a editar esta banda que eu nunca ouvi falar», pá, eu gosto de acreditar que nós também temos esse selo (…), pá, [atualmente] antes de comprares o disco em questão, já ouviste no Bandcamp ou no Youtube, não é? Mas mesmo assim, há uma construção e acredito que uma editora ainda consegue ter um selo de qualidade e gosto de acreditar que nós o temos. Se não acreditasse também não valia a pena... (…) obviamente que sei... não vou acreditar que todas as pessoas compram os nossos discos, vão ser fãs do catálogo completo, não é? É impossível pensar nisso, mas vamos convencendo as pessoas que há registos diferentes que valem a pena serem consumidos, isso é ótimo. Também não estou à espera que um fã de [banda] provavelmente vá comprar o disco de [banda], mas pode acontecer, e se acontecer é mais uma vitória, uma pequena vitória mas que sabe bastante bem.” E9, Editora, Masculino, 30 anos, Bacharelato, Porto/Barcelos

“Por acaso há um público bastante fiel e que coleciona as coisas todas e é assim, no fundo, há aquelas pessoas que só gostam de um género, outras que só gostam de outro, mas realmente, há um núcleo bastante fiel de pessoas que compram tudo e que... por exemplo, o ano passado, editei um primeiro disco de jazz, dentro da editora (...) e, para minha grande surpresa, houve uma data de pessoas que aderiram àquilo, mesmo as que gostavam das outras coisas.” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa

Na verdade, encontrámos testemunhos que apontam para o desenvolvimento de prestígio e de público da editora baseado na promoção por canais próprios dentro de um círculo artístico específico, enquanto que a promoção por via do envio de cópias promocionais para reviewers é residual ou feita de forma não sistemática. Estes casos estão normalmente associados, por um lado, à desacreditação da imprensa, por estar comprometida com interesses/lobbys e/ou tendências estéticas fraturantes e, por outro, com a falta de recursos humanos com competência nesta função. Assim, esta é também

uma forma de reforçar a identidade específica de uma cena alicerçada numa rede ao dotá-la de uma certa exclusividade.

“A editora não é um exemplo para nada neste aspeto. Em termos de divulgação passa um bocadinho por aquilo que eu possa fazer sozinho - não é? - em nome próprio: posso dizer que tenho uma editora, e que agora editei este gajo, às vezes se calhar até chego a mais pessoas, do que propriamente a editora funcionar a partir de dentro e tentar difundir. Porque, ninguém conhece a editora (…), não há uma estrutura mediática estabilizada, de vez em quando metemos no blog, de vez em quando mandámos um mail... portanto, não há um método nisto, portanto, divulgação, somo... como editora, somos mesmo incompetentes, mas se calhar, a nível pessoal, conseguimos compensar.” E12, Editora, Masculino, 29 anos, Licenciatura, Porto

“Nós nunca apostámos em publicidade, isso aí tipo... volta e meia lá tínhamos um bannerzito e mandávamos umas coisas na internet a dizer que tínhamos umas coisas novas, mas nunca apostamos muito em publicidade. (…) Nunca mais me vou meter nesses filmes de mandar promos para revistas e para jornalistas, tipo, acabou-se, não funciona mais assim. Quem quer vai atrás e compra e procura saber e compra as merdas das bandas, não precisa de ler na revista tal que aquilo é fixe.” E13, Editora, Masculino, 27 anos, 9º ano de escolaridade, Porto

Esta posição parece sustentar-se em valores e crenças semelhantes nos discursos que valorizam o papel dos blogs que, neste caso, são tidos como partes independentes, interessadas, e interessadas na divulgação de música, nomeadamente de géneros que não têm destaque noutros meios. A generalização do acesso à internet é vista como um fator de desvalorização dos críticos e da imprensa, por possibilitar formas alternativas de consagração e difusão de objetos, assim como um contacto mais direto entre artistas, editoras e o seu público: aqui, é referida a importância dos artistas usarem as redes sociais para se promoverem. É também relevada a importância da rádio, pelo menos em programas específicos que possam ter como público o público-alvo da editora.

“Era impossível a editora existir, e estes artistas todos, se não fosse a internet... estarmos sempre dependentes dos críticos e dos distribuidores e montes de coisas que nós não podemos controlar... pá, era impossível (…) a internet faz um link direto entre os artistas e o público, sem precisar que saiam críticas nos jornais... as pessoas são livres de procurar na internet tudo o que quiserem, e isso é uma democratização muito importante da música e que faz exatamente esse link direto entre o artista e o público, e também diminui o tempo em que o artista é reconhecido.” E2, Editora, Masculino, 44 anos, 12º ano de escolaridade, Lisboa

“Nós na editora estamos a promover isto digitalmente em várias plataformas ao mesmo tempo, mas os artistas não podem também achar que depois de darem à editora magicamente vão estar reconhecidos em todo o lado.” E7,

Netlabel, Masculino, 34 anos, Mestrado, Porto/Helsínquia

“O Nuno Calado, fenomenal, mas a hora de impacto da tarde... não passa (...) é fenomenal, fenomenal! Mas por exemplo, imagina, o Nuno Calado... quantos funcionários ou radiologistas falam? Nuno Calado surgiu-me agora, existe mais, percebes? Isso é difícil, continua a ser uma coisa oposta à norma, e depois existe jornais... os jornalistas, 90%, são gajos que escrevem o que o diretor manda, não podem escrever o que gostam.” E8, Editora, Masculino, 40 anos, Licenciatura, Porto

“Rádio, rádio, rádio é muito importante... passar muito na rádio é muito importante. Nós conseguimos com que o disco fosse disco da Antena 3 e isso deu-lhes um boost que não teria tido se não fosse...” E3, Editora, Feminino, 32 anos, Mestrado, Lisboa

Esta relativização da importância da imprensa generalista e o alargamento do número de críticos não implicam que esta imprensa tenha sido destronada. Os entrevistados parecem acreditar que existe um grande público que continua a sentir as tendências de instituições com mais alcance, mas que, ao mesmo tempo, podem neste

momento, sem chegar a essas instituições, promover os seus trabalhos junto a um público que acreditam ser mais interessado e “curioso”, no sentido de que é capaz de usar a internet para conhecer bandas/artistas e editoras que tenham menos exposição.

Embora não gostem de falar de um público-alvo, ou de o definir (talvez pela conotação empresarial que a palavra pode assumir), os entrevistados entendem que o seu público só poderá ser composto por pessoas de gosto independente. A tendência pode ser para, quanto menor for o público da editora, mais a editora o valorizar. Talvez possamos, então, falar de uma compensação de um insucesso numérico por um sentimento de distinção partilhado com um público reduzido, o que vai na linha da ideologia do rock tal como é apresentada por Simon Frith (1978), onde existe uma negação do consumo em massa do rock e da produção de música com fim mercantil: baseava-se antes na autenticidade da produção artística (ou seja, no facto do artista expressar sentimentos e ideias que realmente tem). Aqui, podemos generalizar essa ideologia para outros géneros musicais onde, nesse sentido, o pouco público ou pouco sucesso comercial não são fatores de insucesso editorial.

“Oh pá, eu acho que a tendência é, ou as pessoas continuam burras e continuam a ir pelos canais normais e a receber a informação que os nossos meios de comunicação divulgam sobre a cultura, ou então têm esse bichinho de procurar e de querer saber e de procurar caminhos alternativos. Há de haver de tudo.” E2, Editora, Masculino, 44 anos, 12º ano de escolaridade, Lisboa

“Eu vou fazer uma distinção, porque há dois tipos de pessoas, há pessoas que querem descobrir música nova e há pessoas que esperam que a música vá ter com eles.” E7, Netlabel, Masculino, 34 anos, Mestrado, Porto/Helsínquia “Nâo sei pá, não sei qual é que é o público alvo, são pessoas que essencialmente gostam muito de música e que são, à priori, seletivas naquilo que gostam de ouvir.” E4, Editora, Masculino, 40 anos, Mestrado, Lisboa

Por outro lado, este discurso também é em parte desmistificado pelos entrevistados que assumem a vontade de conseguir aumentar o seu público, por crença que as suas obras tem valor suficiente para serem apreciadas por um público mais abrangente.

“Quer dizer, eu por mim, ficava contente se toda a gente gostasse de ouvir as coisas, só que eu sei que estou principalmente a trabalhar para essas pessoas, para as pessoas que dão valor e ouvem esse tipo de música.” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa

“Portanto, eu acho que o caminho é desmistificar essa coisa do alternativo porque o alternativo apenas existe porque os jornais, as rádios e as televisões não estão interessadas em divulgar estilos de música que não são tão... que não fazem tantos discos, que não vendem tantos concertos, que não chamam tanta gente, mas isto ás tantas é... pá, da minha experiência na música, eu não acredito nada que a música seja mais difícil ou mais fácil (…) Isto é tudo um enredo montado para ser tudo canalizado para as coisas das massas... é como os festivais de rock... e, hoje em dia, as empresas... não há dinheiro, mas as empresas estão interessadas apenas em patrocinar coisas que já têm público: coisas para 50 mil pessoas, 20 mil pessoas, e não para 100 pessoas ou 50 pessoas, por isso, isto é muito difícil...” E2, Editora, Masculino, 44 anos, 12º ano de escolaridade, Lisboa

Este tipo de discursos acaba por colocar em causa a ideia de um subcampo de produção restrito, por não assentarem numa lógica de produção para um público

também produtor e por almejarem não só as posições dominantes no campo musical, mas também no campo social. Torna-se assim relativamente dúbio que se possa falar de um subcampo específico, ou se esse subcampo é uma projeção para fortalecer posições dominadas dentro do campo musical. Nesse caso, a illusio do subcampo seria colocada em causa sempre que um dos participantes abdicasse dos princípios de orientação do subcampo para subir o seu posicionamento no campo. Para aferir esta hipótese seria necessária uma análise em profundidade ao funcionamento da mobilidade dentro do campo musical português e aos subcampos nele projetados ao longo da sua história.