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4. Trajetórias, afinidades e concretizações na música

4.4 Amadorismo vs Profissionalismo

Para compreender a dinâmica de trabalho e recursos humanos das editoras é indispensável compreender em que plano os entrevistados se situam ao nível da profissionalização. Adiantamos que, se por um lado a editora é tida como um hobby, como algo que ocupa os tempos livres, por outro também é encarada como uma profissão, em regime part-time, conciliada com outro(s) trabalho(s). No primeiro caso, estamos perante um regime que afeta o próprio planeamento estratégico da editora, uma vez que o trabalho de edição é condicionado pelo tempo livre disponível, assim como pelos recursos financeiros. Os entrevistados nesta situação referem que o facto de ser uma atividade realizada “por gosto” compensa o facto de ser um hobby que exige algum trabalho, mas também reconhecem as dificuldades em conciliar o hobby com as atividades profissionais.

“É um trabalho que faço por gosto, mas que faço consoante a disponibilidade quando quero, quando posso, e quando tenho condições monetárias para isso, não é?” E1

“Às vezes tenho pena... no fundo, o hobby tem de ficar para o fim, não é? Porque o que me alimenta praticamente são as outras coisas, de maneira que às vezes tenho pena de dizer "não, agora não posso tratar disso" e se calhar a vontade era de tratar mesmo daquele assunto relacionado à editora, e às vezes as coisas de esperar que haja tempo para isso. Isso sim é um bocado chato porque há coisas que não gosto que esperem, não é? Mas eu acho que as pessoas que trabalham comigo sabem, no fundo, como é uma editora independente e que tem de funcionar desta forma. Eles também têm consciência que as coisas são assim.” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa

Ao mesmo tempo, encontrámos testemunhos onde a falta de tempo livre para a editora e para a música levou os entrevistados a considerar a saída do seu emprego principal, e também um testemunho em que a obtenção de um emprego fez com que o processo de trabalho na editora se modificasse, tornando-se mais informal e mais ligado a uma dimensão de lazer.

“Entretanto, também saí da empresa onde estava, também um bocado por falta de tempo pessoal, não só para gerir a editora, mas também para trabalhar pessoalmente... como eu disse anteriormente, eu também faço música, portanto também senti alguma falta de ter o release criativo.” E7, Netlabel, Masculino, 34 anos, Mestrado

“Eu chegava à editora e, eu lembro-me de fazer negócios todo cego, tipo em ganzas e bêbedo e chegar a casa e "vou gravar merdas", e comprava cassetes para uma edição, e chegava a cena e afinal a edição era de 50 minutos e as cassetes só tinham 30 - estás a ver? Merdas assim... (…) quando eu era, acho, mais profissional - estás a ver? - mais atento ao detalhe, e aos pormenores, não trabalhava em nada e tinha a editora como hobby... nem era um hobby, era a minha única ocupação, e, quando comecei a trabalhar "hey, caguei, afinal eu faço estas merdas na boa sem ter de me chatear muito e rock, rock, rock, copos e fazer negócios bêbedo", é mesmo assim!” E13, Editora, Masculino, 27 anos, 9.º ano de escolaridade, Porto

O facto de ser uma atividade realizada durante o tempo livre implica ainda a conciliação com a gestão de relações pessoais e familiares. Importa entender que a atividade de edição não implica um ritmo nem um processo certos: diferentes editoras têm diferentes volumes de edições e usam diferentes processos e estratégias de edição (por exemplo, uma editora pode não colaborar com os artistas nos momentos de gravação e masterização, pode não investir em divulgação, uma edição digital não implica o trabalho e custo de duplicação dos CD e/ou vinis, etc.), o que faz variar o tempo exigido para proceder a uma edição.

Por outro lado, os entrevistados que entendem o trabalho editorial como parte da sua vida profissional agregam essa atividade com outros trabalhos, quer no âmbito de atuação da editora (no caso das editoras que também se associam a trabalhos de

management, promoção de eventos ou agenciamento), outras tarefas dentro da música,

como a produção ou programação, ou ainda outros trabalhos em part-time não relacionados. Neste caso, o facto do trabalho relacionado com a editora restringir a ocupação de uma profissão a tempo inteiro acaba por tornar a situação profissional do entrevistado e a sua remuneração mais instáveis e precárias.

“Tenho semanas em que não durmo nada e semanas em que posso dormir à vontade, se bem que está a ficar mais apertado, conforme se vão aproximando agora os próximos concertos. Eu fazendo outras coisas, eu faço webdesign, faço design também (…) eu faço também tradução, que é uma coisa que me permite estar em casa a fazer e ser relativamente flexível. O problema de ter um trabalho das nove às cinco, com a editora é que depois é complicadissimo porque tenho concertos, tenho de ir para fora, tenho de ir para o Porto, tenho de ir para não-sei- onde, e acaba por ser complicado estar a gerir as coisas. Portanto, eu vou fazendo coisas que me permitem ter alguma flexibilidade para se for preciso, "okay, agora vou ter de ir para o Porto, vou três dias para o Porto" (…) e nós ganhamos mais ou ganhamos menos, pronto, mas eu conheço tanta gente que está nessa situação, também... já não me faz muita confusão.)” E3, Editora, Feminino, 32 anos, Mestrado, Lisboa

No entanto, em termos de identidade profissional, importa referir que, nos três casos em que o assumir do trabalho de edição como parte do posicionamento profissional do entrevistado em conciliação com outros trabalhos em part-time, a profissão “editor” surge como sendo a profissão principal, apesar de ser reconhecido que não é profissão que mais contribui para o rendimento mensal. Este facto – apesar de poder ser enviesado pelo contexto da entrevista – demonstra, mais uma vez, uma marca identitária muito forte dos entrevistados na sua relação com a música e edição.

“Eu tenho o meu trabalho também noutros... sou programador dos concertos no bar e toda a gente que trabalha comigo tem outros trabalhos porque neste momento é absolutamente impossível a editora ser o ganha-pão de alguém. Agora, a única questão é a tua motivação... o meu trabalho é aquele! Eu sei que, por exemplo, o Diogo que trabalha comigo, que dá aulas, se lhe perguntares qual é o trabalho dele, ele diz-te que é a editora, apesar de não ser o que lhe põe comida na mesa, não é?” E9, Editora, Masculino, 30 anos, Bacharelato, Barcelos/Porto

Se confirmamos assim uma tendência dual das editoras com poucos recursos humanos a funcionar num modelo de hobby e de editoras de organização de recursos humanos mais complexas a funcionar de forma mais profissionalizada, encontramos também um twist no facto de as estruturas mais profissionais acabarem por representar a postura mais economicamente desinteressada: se, por um lado, o retorno financeiro da atividade será superior, por outro o risco e incapacidade de trabalhar na editora a tempo inteiro representam um grau superior de precariedade.