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5. Percursos e opções editoriais

5.2. As fases da Edição

5.2.3. Distribuição e canais de Vendas

Tratamos por fim da distribuição que as editoras fazem dos trabalhos editados, ou seja, a forma como fazem com que essas obras cheguem ao público para consumo, nomeadamente por canais de venda próprios ou intermediários. Analisaremos no subcapítulo seguinte o papel de distribuidoras e lojas digitais; importa-nos por agora perceber como funcionam os canais de venda das edições físicas.

Antes de mais, existe uma tendência para a distribuição por via de canais informais, que é mais clara quando se trata de editoras não formalizadas, não se resumindo porém a estas. Desde logo, é dado como comum na maior parte das entrevistas a cedência de uma parte das cópias da obra ao artista que, assim, fica com a possibilidade de as vender, principalmente em concertos.

Para além deste modelo de cedência de parte da edição às bandas, as editoras usam também canais próprios de vendas, nomeadamente pela venda em concertos e pela recepção de encomendas, maximizadas pelo contacto online e, mais uma vez, pelos contatos de rede.

“Ao início, durante uns tempos, era pelos concertos que eu chegava ao pessoal. Eu sabia quem vinha comprar, via a cara deles. Agora com a internet [passei a fazer mais encomendas].” E13, Editora, Masculino, 27 anos, 9º ano de escolaridade, Porto

“Eu não tenho tudo comercial, muito menos meter à venda em lojas discográficas, o que seja; e eu gosto do contacto interpessoal com as pessoas, gosto de estar ali com a banquinha e vender as coisas, quem quiser comprar compra (…) tirando a banca e o contacto interpessoal e as trocas, quando vou a concertos, quando estou aí no continente, volta e meia, muito raramente, faço distribuição por correio.” E1

Na última citação observamos uma declaração anti-comercial que não é comum: embora a maior parte dos entrevistados assuma uma posição, de facto, despreocupada e descomprometido com o lucro, vêem também na venda em lojas uma forma de

aumentar o alcance das suas publicações. No caso da colocação de álbuns em lojas, verificámos que estas são muitas vezes feitas diretamente entre editora e loja, sem passar por intermediários (ou seja, distribuidoras), nomeadamente no que diz respeito a pequenas lojas locais. Isto sucede pelo facto de existirem poucas pequenas lojas, e os seus responsáveis fazerem também parte das redes dos editores e ambos beneficiarem do contato direto. Por outro lado, a referência à relação com distribuidoras nacionais surge essencialmente da parte de representantes de editoras já extintas.

“[Consigo fazer os discos chegar às lojas], mas só em coisas que eu conheço. São sempre as mesmas, na verdade. (…) essas 3 ou 4 lojas, do Porto sobretudo, portanto... e depois as lojas do Porto, se calhar já têm uma sucursal em Lisboa, portanto, a coisa funciona assim.” E12, Editora, Masculino, 29 anos, Licenciatura, Porto

“Nós tentámos chegar a lojas, não foi no sentido do institucionalizar: O dizer «estamos aqui» foi mais numa das pessoas... de haver mais pontos de venda, de ser mais fácil o acesso (…) eles também eram altamente, não se importavam, tipo, sempre que lançava qualquer coisa metia sempre lá, e na loja também, bastava por na net «estão lá, na loja e na loja», é mais fácil para as pessoas irem lá.” E13, Editora, Masculino, 27 anos, 9º ano de escolaridade, Porto

“Eu mandava para os sítios certos, para as distribuidoras todas. A maior parte nem sequer existe agora, não é? Mas, na altura, mandava para os sítios certos.” E10, Editora extinta Masculino, 28 anos, Mestrado, Coimbra

“Quando chegava o momento do disco sair do nosso armazém para as lojas, normalmente lidávamos com um intermediário que era o distribuidor. Lidámos com vários distribuidores ao longo dos anos, que eram as empresas que basicamente pegavam nos nossos discos e os colocavam nas lojas.“ E6, Editora Extinta, Masculino, 44 anos, Frequência Universitária, Lisboa

Mais uma vez, no contacto direto entre editoras e pequenas lojas – especialmente por parte de editoras não formalizadas –, é possível refletir sobre o caráter informal que essas relações podem assumir. Embora nunca seja explicitado nas entrevistas, é possível que muitas destas obras sejam vendidas como economia paralela, sem taxa de IVA. Acima de tudo, importa talvez questionar se, perante o cenário que temos vindo a apresentar – ou seja, de edições de pequena dimensão com pouco retorno financeiro -, a aplicação do imposto sobre o valor acrescentado tornaria inviável o funcionamento destas editoras. Embora se trate de um exercício especulativo, e nos esquivemos a tecer reflexões de ordem política, parece-nos ser um ponto de ressalva.

Retomando a questão da distribuição per se, importa referir o papel da FNAC, tida como uma megastore que domina o mercado de venda de discos, com preços demasiado competitivos para permitir a emergência de mais pequenas lojas de especialidade e que, ao mesmo tempo, é uma cadeia de lojas que tem vindo a registar menos vendas de obras, e decorrentemente a reduzir a compra de obras às editoras que temos tratado.

“É muito diferente quando fazer uma edição de mil CDs e teres logo uma instituição tipo esta [FNAC] a comprar-te dois terços (…). A FNAC cada vez tem menos interesse em vender rock e, se tu fores aqui abaixo, a uma zona que era gigantesca de música, hoje em dia está reduzido a um cantinho... (…) mas a nível de venda e distribuição em Portugal

é péssimo e está cada vez pior. Muitas lojas fecharam, também devido a este esquema de FNAC megastore, não é? Eles podem fazer preços diferentes que as lojas pequeninas não podem fazer, e então acabaram por fechar uma data de lojas pequeninas e agora estes também vão acabar por fechar e vão acabar por não haver nenhumas lojas, mais cedo ou mais tarde.” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa

“Uma editora em Portugal que esteja para venda de discos, só tem uma loja em Portugal, que é a FNAC. Tens mais alguma depois da FNAC? Depois tens umas lojas em segunda mão, quê, no Porto e em Lisboa... mas isso é um mercado? Não é um mercado, percebes?” E19, Editora, Masculino

Deste modo, a perceção do mercado de venda de obras musicais em Portugal é de que se trata um mercado essencialmente limitado e com pouco alcance. O pouco alcance deste mercado é atribuído, por um lado, à perda de poder de compra por parte dos consumidores, ao impacto da internet na diminuição de vendas, e também ao facto de Portugal ser um país geograficamente pequeno; por outro lado, a emergência da internet e das plataformas digitais, potencia a exportação de obras. A venda para fora do país é apresentada como uma alternativa que contrabalança a falta de vendas em solo nacional.

“É assim, a internet é um veículo muito importante para vender discos, para vender discos de vinil. (…) É claro que, aqui, no mercado português, não dá, porque as pessoas estão um bocado mal, mas acontece, é importante a informação começar pela internet. Depois daí, está tudo feito. É importante. A venda dos discos... é de outra forma, é feita online, loja online.” E11, Editora extinta e editora, Masculino

“Com a internet consigo alcançar colecionadores do mundo inteiro, ou seja, consigo vender uma edição especial para o Chile ou para a Rússia, ou para a China ou para o Japão, com muito mais facilidade (…). A minha situação atual, de 10 discos que eu vendo, nove são para o estrangeiro via internet.” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa

“Isso é fundamental, é a única coisa que consegues fazer atualmente, da forma como está o mercado, que, as vendas decresceram brutalmente, - não é? -, a tua única safa é teres uma boa rede de distribuição, uma boa rede de contactos, de promoção, para conseguires pores os discos seja onde for, tanto na China como na Austrália como na Etiópia, - estás a ver? -, ires vendendo, apanhares os nichos que existem por aí pelo mundo todo. Não podemos estar presos aqui a este retângulo, isso aqui esgota-se em dois tempos, não é?, é muito pequenino pá, é irrisório este mercado.” E4, Editora, Masculino, 40 anos, Mestrado, Lisboa

Ao lidar com um mercado internacionalizado, apesar de plataformas como o Bandcamp permitirem uma maior exposição da editora, dos artistas, e da obra, torna-se de novo relevante o uso de intermediários que permitam às editoras chegar a mais lojas, em mais países, algo que não pode ser conseguido da mesma forma que a colocação em lojas locais. Este é, no entanto, um objetivo apenas conseguido pelas poucas editoras que trabalham muito especificamente para o mercado internacional.

“Para mim é fundamental ter os discos na Downtown Music Gallery em Nova Iorque, por exemplo, não é?, porque eu sei que é uma loja de alta referência onde se vendem só géneros de música que têm a ver com o que nós editamos, lá não entra palha, só entra xixa.” E4, Editora, Masculino, 40 anos, Mestrado, Lisboa

Aqui coloca-se também a questão da música ser um produto localmente produzido, que poderia não ter sucesso fora do país por choques culturais e, desde logo, linguísticos. No entanto, mesmo a esse nível, existe já a relativização, no discurso de alguns entrevistados, destes potenciais obstáculos, com referência ao sucesso da

exportação de obras cantadas em português, embora existam em número semelhante discursos que apontam para o maior potencial de música instrumental em termos de internacionalização:

“É que, nem sequer precisa de ser em inglês, porque há os casos que temos é de músicos portugueses que até se dão muito melhor no estrangeiro do que músicos a cantar em inglês, e acho que para estar a cantar em inglês, para ter sucesso no estrangeiro, teria de ser algo que não fosse aquilo que eu estava a dizer há bocado de uma imitação de alguma coisa que se passa lá fora.” E14, Editora, Masculino, 22 anos, 12º ano de escolaridade, Caldas da Rainha “Editámos música instrumental que não estava limitada pela língua e que, portanto, podia ser tanto vendida em Portugal como noutro país qualquer. Só que, na altura em que nós existíamos, ainda não existia o Bandcamp, ainda não existiam as redes sociais, ainda não existia o Facebook, ainda não existia o Youtube, não existia nada disso, e portanto, não tínhamos esse tipo de ferramentas ao nosso dispor” E6, Editora Extinta, Masculino, 44 anos, Frequência Universitária, Lisboa

“A música que eu edito considero que é universal. Uma das boas coisas da música é que ela pode ser universal sem qualquer problema, e nós como editamos quase 100% música instrumental, isso mais nos ajuda, não é?” E4, Editora, Masculino, 40 anos, Mestrado, Lisboa

Importa, por fim, referir-nos ao tipo de acordos realizados entre editora e banda, no que diz respeito à distribuição das receitas provenientes das vendas das obras. Se por um lado, como já adiantámos, começa a emergir um modelo em que os artistas ficam com parte da edição para venda, na maior parte dos casos registámos a aplicação do modelo da Rough Trade, em que, a partir do momento em que os custos de edição são cobertos, as receitas são divididas de forma igualitária entre banda e editora. Porém, os entrevistados referem ainda que, embora esse seja o acordo base, podem existir alterações “caso a caso”, que terão a ver com situações como o tipo de investimento que é exigido à editora, ou – especulamos nós – eventualmente com o poder negocial do artista em causa. Mais uma vez, notámos alguma informalidade nos processos com a referência a acordos informais, não assinados (contrariamente ao que está previsto na lei da edição), ou simplificados, com a afirmação ou reiteração de que se tratam de relações de confiança e proximidade entre as partes, demonstrando mais uma vez a importância que as convenções assumem neste Art World, que funciona a partir de processos aparentemente desregulados para olhares exteriores mas que se estabelecem e naturalizam na interação entre as partes.

“Para já, acho que nós só assinamos papéis com uma banda, a maior parte dos nossos acordos eram orais e como te digo, trabalhávamos sobretudo com amigos e, portanto, esses problemas nunca se colocaram.” E6, Editora Extinta, Masculino, 44 anos, Frequência Universitária, Lisboa

“Nós optámos por não ter contratos nenhuns com ninguém, acreditamos que a palavra basta e que o diálogo basta. (…) Eu, com as nossas bandas, eu acredito que tenho um contrato muito mais forte do que qualquer contrato escrito. É um contrato feito ao longo do tempo, as alíneas vão sendo acrescentadas ao longo do tempo.” E9, Editora, Masculino, 30 anos, Bacharelato, Barcelos/Porto

“Faço acordos, faço acordos... os acordos por escrito. Nem sempre são tipo contratos, mesmo contrato com um notário e não sei quê. Faço acordos por escrito, toda a gente sabe o que está lá escrito, alguns cumprem, outros não

cumprem, mas é assim, como eu faço isto para me divertir, eu não me posso estar a chatear com isso...” E15, Editora, Masculino, 49 anos, Curso Médio, Lisboa