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3.1 O Desenho como Reprodução do “Social”

3.1.1 A Editora Marvel Comics e sua prática de Reprodução do “Social”

universo da editora Marvel Comics foi estruturado para manter-se integrado com os acontecimentos sociais contemporâneos. Foi este um dos meios que efetivou sua continuidade entre os leitores. Estes quadrinhos mudam e se adaptam conforme os valores sociais preponderantes e servem como um meio de se aproximar da realidade do leitor. Mas como se desenvolveu esta prática na Marvel?

A editora de histórias e quadrinhos Marvel Comics apareceu em meados de 1930 com o nome de Timely Publications55. Em 1929 o gênero heroico havia aparecido depois de décadas de tiras-em-quadrinhos com histórias infantis, animais falantes e enredos envolvendo o protagonismo feminino e as peripécias familiares. Os quadrinhos de Tarzan não apenas inauguravam um novo gênero (o heroico) como plantaram a semente do realismo imagético nas HQs. Já havia produções de realismo, mas sempre relacionadas ao humor ou a tragédia. Com o herói das selvas o realismo se mescla com a fantasia e cria um novo segmento que levará, dez anos depois, ao aparecimento do gênero dos Super-heróis, isto é, heróis que suplantam o heroico humano por possuírem dons, poderes e habilidades sobre-humanas, advindas da mística esotérica, de incursões pela ciência experimental ou de fontes alienígenas56. Cada explicação será relacionada a um momento da história humana onde estes ambientes estiveram ou ocuparam a mídia. A editora inicia suas atividades com Ka-Zar (uma cópia de Tarzan) e outros quadrinhos inspirados nos contos de ficção científica que faziam sucesso na época (Marvel Science Stories e Marvel Tales), findando, em 1939, com o lançamento de Marvel Comics n.1, que na época já publicava histórias de personagens como as do soldado Capitão América e do androide Tocha Humana e o guerreiro submarino Namor,

55

Em 1951 passa a se chamar "Atlas" e, em 1957, “Marvel Comics”.

56 Segundo Ducan e Smith (2009) se caracterizam, além dos poderes sobre-humanos, ainda por mais duas

entre diversos outros títulos sobre guerras, romances e histórias infantis. (HOWE, 2013; SANDERSON, 2008).

A grande mudança ocorre na década de 1960 quando uma série de alterações editoriais criam personagens e enredos (entre eles, o Quarteto Fantástico e o Homem-Aranha) que levarão a editora ao sucesso comercial e à liderança de mercado, envolvendo, particularmente, o na época roteirista/letrista e, posteriormente, editor e publisher, Stan Lee, conhecido como o grande criador destes personagens famosos e do “Método Marvel” de fazer quadrinhos.

O “Método Marvel” consiste em uma apropriação muito ampla da noção de reprodução. Esta apropriação seguiu, concomitantemente, duas frentes: uma de ordem mais abstrata, relacionada às situações histórico-sociais da vida contemporânea57 imediata com forte apelo midiático e, circunscrito, na descrição das histórias, personagens e enredos; e, outra, formal e imagética, relacionada à reprodução crescente de traços da realidade visual, amparada nos desenhos. A seguir, apresento estas duas ambientações nesta ordem. Esta exposição tem o objetivo de explorar como se desenvolveu a rede sociotécnicas entre as HQs, leitores e produtores e o ambiente social (conforme a lógica da ANT exposta por Law [2006]).

A editora de quadrinhos Marvel Comics a partir da década de 1960, começou a implementar uma política de criação de personagens que privilegiava elementos do “social” coetâneo em suas produções. O “Método Marvel”, como ficou conhecido, consistia em mesclar elementos de ficção e fantasia a partir dos temas sociais relevantes na opinião pública, sempre com um discurso mediador repleto de subterfúgios. A personalidade traumática, insegura e melodramática dos personagens, aliadas às reproduções de formações sociais coetâneas levariam as histórias a uma noção de realismo que, aliada ao crescente investimento na mudança de estrutura dos desenhos destes personagens, tornariam suas produções inovadoras, conquistando jovens leitores e aumentando as vendas.

A estratégia era incluir tudo que estivesse na pauta das conversas dos jovens no momento. O roteirista chefe da editora revelou, em depoimentos e entrevistas (HOWE, 2013; STAN..., 2002), que diversas vezes participava de eventos nas universidades que serviam para divulgar as revistas e ouvir o que interessava aos jovens universitários no momento: das novelas de ficção científica, passando por aulas de mitologia, teorias científicas oriundas da

57 Ao qual, para diferenciar do contemporâneo temporalmente distante, chamo de coetâneo, que se refere,

física até sucessos dos best-sellers literários58. Havia uma política pelo qual a editoração da produção deveria seguir parâmetros de modernidade indicados pela inserção de elementos cotidianos. Não se tratava de uma criação individual, por parte dos artistas, mas uma política editorial implementada por Stan Lee de modernização com base na reprodução do ethos coetâneo:

Mas não tardou para o próprio [Stan] Lee começar a pedir para suavizar Peter Parker [o Homem-Aranha]: cabelo mais comprido, ser menos quadradão, jeans, botas, gatinhas de minissaia na [em] volta. Ele começou a largar exemplares de Women´s Wear Daily na prancha de Romita [o desenhista], dando instruções para ele incorporar a última moda. (HOWE, 2013, p. 91-92).

[Bob] Layton também fazia a arte-final da série [O Homem de Ferro], dando atenção especial ao brilho do metal e ao reluzir de garrafas de vinho e móveis cromados; ele [o desenhista] folheava a GQ [revista masculina], a Playboy e revistas de eletrônica para ficar a par das tendências de consumo, atualizando os super-heróis Marvel para a era Gigolô americano [Filme de 1980 com Richard Gere]. (HOWE, 2013, p. 237).

Fig. 3.01 e 02 – Páginas de Marvel Graphic Novel n. 12 [1984], focada na personagem Cristal (Dazzler)

e The Sensational She-Hulk [1989]. Na primeira imagem, Cristal usa um vestido retirado direto dos catálogos de revista feminina, inclusive, a posição da personagem é semelhante às das modelos nestas publicações, incluindo seus acessórios. Nesta edição a personagem chaga a usar 23 modelos diferentes de roupa, todas relacionadas ao mundo fashion. Na segunda imagem, a Mulher-Hulk também usa um vestido de catálogo e troca sete vezes de roupa na mesma edição. Estas ambientações são muito frequentes entre os personagens femininos da editora. Fonte: Women..., 2010, p. 556 e 870.

58 Segundo Howe (2013), estas incursões criativas da equipe liderada por Stan Lee, incluíam a literatura de

massa de livros como “O despertar dos Mágicos”, best-seller que explicava o desenvolvimento das sociedades a partir de vistas de alienígenas do passado. Não demorou para que o tema fosse incorporado nas HQs, de forma que, no fim da década de 1960, boa parte dos títulos das HQs já apresentava interação com grupos alienígenas.

Ao utilizar uma revista sobre moda feminina e masculina, de grande circulação e sucesso comercial, os roteiristas buscavam uma certeza: que as roupas desenhadas reproduzissem aquilo que as mulheres e homens estavam sendo bombardeados como moda do momento (Fig. 3.01, 3.02). A incorporação das vestimentas por via de uma revista de moda/consumo propiciava, assim, uma atualidade das personagens dos quadrinhos que não apenas reforçava o ideal de moda/consumo defendida pela revista, mas ocasionava nos leitores uma percepção de atualidade e realidade factível buscada pela editora. A partir deste cenário percebo como os objetos circulantes são necessários para compreender a aparência e formato dos desenhos nas HQs de super-heróis, conforme a lógica da ANT (LAW, 2006). As revistas de moda, design ou decoração são elementos de uma rede ampla de actantes que agem sobre os produtores de quadrinhos e que, ao impregnar suas produções destas referências, criam uma rede de nós agenciais que continuam seu processo actante. No exemplo, a noção de moda, oriunda das revistas de moda utilizadas como referências, terminam se convencionando como uma prática frequente de usar objetos referenciais do cotidiano.

Havia uma política, portanto, de Zeitgeist por parte desta editora:.

A moda é um reflexo do tempo em que é criada, vestida e usada. Corresponde a tudo o que é moderno, ou seja, ao espírito do tempo ou do Zeitgeist. Um número grande de indivíduos escolhe entre estilos que competem e aqueles que se conectam com o Zeitgeist a ser considerado em suas bases teóricas, motivo para entender o processo metodológico de projeto em moda. [...] relativamente à prática, essa seleção coletiva é responsável pela formação do feedback loop entre a indústria da moda e o consumidor, moderado pelas tendências estéticas e processos psicossociais. (WAGNER, 2014, p. 22-23).

A grande maioria absoluta de estudos que se envolveram com o universo Marvel, fizeram referência a uma “ideologia” dos quadrinhos (Vide Apêndice A). Uma necessidade de dominação mediada pela questão econômica. Sem querer desacreditar completamente as afirmações daqueles estudos (realmente alguns dos produtos podem apresentar tal ambientação), aponto para outra perspectiva de análise. O que se têm, sem que os estudos tenham conseguido perceber ou declarar, é que este movimento de se apropriar do discurso do momento é um efeito de outro processo condutor. Uma necessidade destes materiais se integrarem ao contexto social. Se eles chegavam a ter uma “ideologia”, esta é a do senso comum. A da opinião pública. Estes momentos são contingenciais. Em uma mesma revista e com o mesmo personagem é possível encontrar situações onde há uma crítica ao contexto político e, depois, uma afirmação politicamente conservadora. As posições dos personagens e

enredos das revistas sofrem vicissitudes conforme tal posição afetava as vendas e se manifestava nas sessões de carta. É o que atesta uma passagem da biografia da editora, relativa à participação dos super-heróis na guerra do Vietnã:

[...] as cartas que chegavam eram quase igualmente divididas entre o apoio e repúdio à Guerra do Vietnã. Comercialmente, era recomendável à Marvel ficar em cima do muro, mas havia críticas fortes quando as histórias evitavam questões sociais. [...] Ele [Stan Lee] ficava feliz em pregar tolerância, mas não ia ser visto pregando uma postura impopular. [...] [Lee] passara anos como mestre do meio-termo, no ofício de criar histórias tão ambíguas nas entrelinhas políticas, que a Marvel era aceita tanto pela extrema-esquerda quanto pela extrema-direita. Um editorial do New Guard, o diário da organização conservadora Young Americans for Freedom, elogiava a Marvel porque os “heróis chegam a ser capitalistas como fabricantes de armamento (Tony Stark, cujo alter ego é o Homem de Ferro), enquanto os vilões são muitas vezes comunistas (e assim rotulados claramente em termos pouco corteses)”. (HOWE, 2013, p.103-104).

Isso foi cada vez mais se transformando numa fórmula de sucesso comercial. O lançamento do primeiro super-herói negro da editora foi no mesmo ano em que diversas matérias do New York Times que versavam sobre uma organização de afro-americanos que lutava pelos direitos civis (Fig. 3.03, 3.04). As matérias vinham acompanhadas da logo da organização: uma pantera negra. Não demorou para que o grupo ficasse conhecido como o partido dos “Pantera-Negra” e o termo fosse aproveitado para nominar o super-herói homônimo da editora59. Da mesma forma, os personagens negros de destaque só foram inseridos com base nas pressões sociais60 e demoraram muito para ganhar títulos próprios. O efeito “opinião pública” também afetou a inserção de personagens femininos de destaque, oriundas da propagação midiática de ideais feministas com base nos movimentos que ocorreram durante a década de 1970 e os destaques que músicas, filmes e literaturas feministas ganhavam nos jornais. (Retomo em especial este debate no capítulo 4).

59 Há algumas controvérsias envolvendo o fato. Howe (2013, p.95) em sua biografia sobre a editora defende que

o personagem foi nominado posteriormente ao fato da propagação do partido. Inclusive, mostra que seu aparecimento, realmente, como defende Stan Lee em diversos documentários, ocorreram meses antes dos eventos envolvendo o partido. Com o tempo e a repercussão negativa das ações do grupo, o herói chegou a mudar de nome, passando a se chamar “Tigre de Carvão”. O certo é que ambos foram influenciados pelos eventos das matérias dos jornais: “Pode ter havido alguma agitação interna quanto ao Pantera-Negra. A primeira versão da capa mostrava a pele negra do Pantera; a versão publicada não. As prévias em outros títulos daquele mês sugeriam que a Marvel não decidia quanto dele queria mostrar – ou como o caracterizar. ‘Não perca o misterioso vilão deste mês! ’ diziam as chamadas que se sobrepunham à arte da capa. (Assim que a Marvel se comprometeu com as diretrizes de representatividade de personagens negros, contudo, a mudança foi rápida. Já no mês seguinte, a capa do gibi romântico Modeling with Millie apresentava ao elenco uma modelo britânica negra chamada Jill Jerold.)”.

60 “Quando o East Village Other publicou um artigo lamentando a falta de personagens negros nas publicações

Marvel e DC, Lee mandou um editor-assistente escrever uma carta destacando os exemplos que tinha, num misto delicado de recuo e compra de mídia...” (HOWE, 2013, p.107). Até então a editora contava com sete personagens: um super-herói, um vilão e cinco coadjuvantes (veja o Apêndice D). Só depois disso apareceu o Falcão, que foi inserido apenas três meses após a matéria no jornal e como ajudante de Capitão América.

Fig. 3.03 e 04 – Fotografia do New York Times sobre os movimentos de protesto de negros com a aparição da logo

do grupo: uma pantera negra (ao fundo) e capa da primeira edição do primeiro super-herói negro, o Pantera Negra. Não é simples coincidência que ambos apareçam no mesmo ano.

A perspectiva que Stan Lee emplacou na Marvel previa uma leitura dos quadrinhos que acompanhava a mídia. Isto é, um quadrinho que seguia de perto a ideia do que é notícia e fato jornalístico. Como se as histórias ficcionais e fantasiosas destas produções também devessem se guiar pelo mesmo princípio da notícia. É aqui que a noção de signo semiótico (à Peirce) se amplia à de objeto (à Latour), resultando na ideia de “Factish” (LATOUR 1993b), uma sinonímia entre fato e realidade. Entre fato e fetiche. Aquilo que é real e, ao mesmo tempo, produzido. Entre a imagem desenhada e seus sentidos para o público leitor ou para os produtores. Enfim, um produto híbrido. Uma declaração de Stan Lee, em uma convenção de fãs, atesta esta visão:

Meus amigos, vocês pensam os quadrinhos em termos de revistinhas, mas estão enganados. Acho que vocês deviam pensar em termos de guerra, em termos de jornalismo, em termos de vendas, em termos de negócios. E se vocês têm sua opinião sobre drogas, se vocês têm sua opinião sobre guerra, se vocês têm sua opinião sobre economia, acho que podem falar disso de forma mais eficiente em quadrinhos. [...] os quadrinhos são jornalismo. (Stan Lee apud HOWE, 2013, p. 113).

E, mais adiante, o biógrafo complementa: “[...] muitas das grandes sagas faziam aceno às manchetes [de jornal] sem se dar ao trabalho de assumir posicionamento.” (HOWE, 2013, p. 444). As ações da editora, por vias da decisão de seu publisher sempre foram retratadas como “criativas” pelo fato de conseguirem captar o que faz sucesso no momento. Em verdade, segundo os biógrafos da editora, muitas destas escolhas eram a partir desta noção de opinião pública ao qual Stan Lee se associava. Foi o caso da criação do “Mestre do Kung Fu” que adveio do sucesso da série de televisão da ABC chamada “Kung Fu”, que no

início representava aspectos da filosofia oriental relacionada à arte marcial que dá nome à série até a intervenção de Stan Lee, descrita a seguir:

O Stan estava subindo o elevador hoje e ouviu dois caras conversando: Um falou: o que tem de mais quente no cinema hoje? E o outro disse: Filmes de kung fu, e isso porque é violência pura da entrada até a saída. Stan desceu do elevador, foi ate a Marvel Comics e disse: “vamos fazer violência da entrada até a saída.” (HOWE, 2013, p.157-158).

O universo criativo da Marvel Comics, apesar do tamanho e da impossibilidade de gerenciamento completo, por parte dos editores e dos roteiristas, ficava submisso a uma ordenação que se iniciou na casa e migrou para as demais editoras de quadrinhos de super- heróis, estabelecendo um esquema de universo unificado: “uma das marcas do Universo Marvel era ser uma narrativa grande e unificada, onde tudo que acontecia em um título teria impacto potencial em todos os outros” (HOWE, 2013, p.168)61

. As inovações nas publicações, mesmo de materiais sem prestígio, seguiam regras de interferência da equipe que determinavam que tipos de personagens devessem ser agrupados e como deveriam seguir as histórias. Os roteiristas descrevem ainda, segundo Howe (2013) que as histórias eram definidas mês a mês, nas mesas de bares e restaurantes, a partir de conversas com os colegas que atuavam na editora em outros títulos e eram produzidas (desenhadas) sem que se soubesse sua continuação ou desfecho. Havia assim, um processo criativo que se utilizava de um instável processo contingencial e cujo papel “ideológico” se fragiliza, pois é muito complexo administrar ideias a partir de uma colcha de retalhos produzida por diversas pessoas ao mesmo tempo. Isto é, não havia intenções profundas nos discursos. O que estes artistas faziam era conduzir suas histórias com base no senso comum e na realidade vivida de cada um, pois não havia tempo para idealizar situações mais complexas. A inspiração não vinha das ideias, mas da vivência de cada um e do que aparecia como notícia na mídia ou na mesa de bar ou dos temas relevantes para a faixa etária destes jovens produtores:

[Depoimento do roteirista Anthony Kraft] “Aí chegava o prazo final do argumento, as pessoas entravam em desespero, dava para ver o branco dos olhos. Aí a gente saía para jantar e começava a trocar ideias”. [...] apareceram mais oportunidades para experimentações. Gerber, Englehart e Starlin [desenhistas] seguiram sem caprichos e coloriam bem fora das linhas,

mixando e remixando ideias avulsas de antigos gibis da Marvel com manchetes atuais e psicologia pop, que se transformavam em mini obras-

primas dadaístas que todos os meses caíam aos pés de adolescentes perplexos. Elas tratavam de política sexual, conduziam os protagonistas a tendências da contracultura e faziam até comentários astutos sobre a própria Marvel Comics. (HOWE, 2013, p.170-171. Grifos meus)

61 A Marvel inaugurou uma prática, hoje comum nas produções de seriados televisivos estadunidenses, de

Percebe-se, nos casos mencionados, como o bar, enquanto espaço de interação e as manchetes de jornal e, provavelmente, as de TV, interferiam no processo criativo destes produtores. Esta interferência não se dá de forma a restringir suas criatividades e vontades, mas de criar uma resistência pelo qual suas vontades e perspectivas precisariam se adequar ou remodelar-se.

As representações físicas das aparências dos personagens estavam também submissas não apenas ao estilo do desenhista, mas às intenções da editora no mundo dos negócios (Fig. 3.05 a 3.07). Quando as negociações para a filmagem do filme dos Vingadores começaram, a equipe de “criação” recebeu a incumbência de escalar e pré-determinar os astros dos filmes pelo traço: “O rosto do Capitão América era baseado em Brad Pitt; o do Homem de Ferro, em Johnny Deep. E Nick Fury, não mais relíquia da Segunda Guerra, foi transformado em duplicata, tanto em termos visuais quanto verbais, do Samuel L. Jackson dos monólogos tarantinescos.” (HOWE, 2013, p. 433).

Fig. 3.05 e 3.06 – Capa e páginas de uma edição especial de Capitão América que foi patrocinada por

uma loja de departamentos chamada Kiehl´s para o lançamento de um creme de rejuvenescimento fácil masculino "Heavy Lifting". O material incluía as feições do ator Brad Pitt como Capitão América e a luta dentro da loja. No período as negociações para a feitura do filme “Os Vingadores” estavam sendo negociadas e circulou um memorando (segundo Howe [2013]) propondo começar a desenhar alguns das personagens com feições de atores famosos como um pré-elenco. Estas ações reforçam a prática da reprodução do “social” coetâneo nestas histórias.

Fig. 3.07 – Detalhe de uma página da revista The Ultimates de 2007 onde os Vingadores aparecem

conversando sobre que atores os interpretariam se houvesse um filme sobre os Vingadores. Nos diálogos são colocados: Brad Pitt como o Capitão América, Johnny Deeep como o Homem de Ferro, Matthew McConnaughey como Gigante, Lucy Lui como Vespa, Steve Buscemi como Bruce Banner, e, finalmente, Samuel L. Jackson como Nick Fury (o único que se concretizou na realidade). O detalhe é que os referidos personagens foram, nesta edição, desenhados com as aparências destes atores.

Seu processo criativo envolvia acessar o senso comum e as representações visuais do “social” para compor os procedimentos e situações das histórias. Havia um processo de reprodução do “social” acessível aos criadores que decorria não de uma visão ideológica ou proposta política ou visão de mundo, mas pelo simples fato da ausência de tempo para