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O primeiro percurso necessário para o entendimento da imagem desenhada caminha pela sua natureza artística. Afinal, quando pensamos em “desenho” é inevitável associá-lo à expressividade artística, tendo em vista que a sociedade considera a habilidade de desenhar um “dom” vinculado à arte31

. Além deste consenso quanto à natureza da imagem desenhada, muitas das abordagens filosóficas sobre a imagem enfatizaram o aspecto da sensibilidade quanto à habilidade de representar com um aspecto de linguagem visual e, portanto, formal e material. A semiótica nos trouxe da dimensão do pensamento para a dimensão da materialidade. Do abstrato conceitual para o abstrato-formal. A afirmação de Frange (1995, p. 76-77) ratifica este aspecto de perceber a imagem desenhada – as histórias em quadrinhos – como uma expressão essencialmente artística:

A obra de arte é uma construção que se utiliza de todas as potencialidades da forma e da cor, não de uma maneira óbvia, pois a construção mais efetiva deve ser oculta. É composta de formas aparentemente fortuitas – formas relacionadas de algum modo, e que na realidade estão combinadas com muita precisão.

Da mesma forma, a criação artística está associada ao processo de concepção de imagens provocantes que se comuniquem com os apreciadores, de modo a se tornar um veículo do artista para fluir suas ideias e visões de mundo. Considerando isso, fazer arte é construir imagens:

[...] desenho é um fenômeno; são inter-relações de imagens; são

experiências individuais e sociais relacionadas a manifestações de arte e design. Propõe especial atenção a noções de representação, questões sobre o

imaginário; [...] Desenho é arte, desenho é desenvolvimento, desenho é habilidade, aprender a desenhar é aprender desenho-e-sobre-desenho.

31 Não compartilho desta perspectiva. Considero a habilidade de desenhar uma técnica que pode ser apreendida

por qualquer indivíduo sem distinção. É simplesmente isso: uma habilidade que se desenvolve pelo treino e com aspectos que são norteados pelas relações de linguagem entre os sinais que são traçados e sua percepção pelo público a partir de um “acordo” com base em consensos imagéticos.

Desenho é pensamento visual, é dinâmico, é individualista-coletivo- contínuo, é forma expressiva. (FRANGE, 1995, p.212-213, grifo meu)

E esta construção por sua vez está associada à criatividade dos elementos de concepção visual. Um dos principais motivos que configuram uma imagem como Arte, é sua autoria ou a percepção dela, para ser mais exato. Das críticas aristotélicas, platônicas e nietzschianas sobre a estética da arte, passando pelas críticas da reprodutibilidade técnica da Escola de Frankfurt, e em todas estas vertentes de análise critica da produção artística, existe um nível de concordância: a unicidade da arte é essencial para o reconhecimento de seu próprio caráter artístico. Encontra-se, no entanto, uma grande diferença entre “imagem” e “arte”. Não é mais uma representação do “belo” visualizado como alertaram os filósofos supracitados, mas a construção de uma “imagem” que pode nem ser visualizada, apenas sentida ou percebida.

A filosofia da imagem de Wolf (2005) critica a dissociação entre Imagem e Arte sobre três pontos: (1) o início e fim da perspectiva e das leis de representação clássica a partir de Cézanne e do surgimento do cubismo; (2) a realidade real advinda do surgimento da fotografia; e, (3) o nascimento da abstração com Kandisky, Modrian e Malevitch. Sabe-se bem que estes fatores fizeram com que a Arte deixasse de ser representativa da realidade visual e passasse a representar a realidade vivida ou imaginada. Estes fatores também mostram como se aproximar da percepção dos quadrinhos como Arte.

Ao trazer esta discussão para os quadrinhos, encontra-se certa similitude entre opiniões divergentes, pois a questão da imagem e da arte nos quadrinhos vem chamando a atenção dos críticos e analistas desta expressão artística há décadas, e parece indispensável, ao tratar de sua criação, um retrospecto estrutural de como foi percebida teoricamente. Cagnin (1975), em um dos primeiros ensaios sobre a temática no Brasil, descerra: “A imagem é entendida como representação imitativo-figurativa, como cópia de alguma coisa. A possibilidade de formar um código lhe dá o estatuto de signo (...)” (p. 32) e ainda: “A imagem dos quadrinhos é o desenho manual. A elaboração manual revela a intencionalidade do desenhista na emissão do ato sêmico e transforma o desenho em mensagem icônica, carregando em si, além das idéias, a arte, o estilo do emissor.” (CAGNIN, 1975, p. 33). Opinião compartilhada em outros níveis mais relacionados à arte: “o artista fixa [na criação da imagem] não só o que aprendeu, mas o que ele quer revelar no espectador, bem como a si mesmo” (RAHDE, 2000, p. 21) e este estilo da produção de quadrinhos que se pretende investigar: “um estilo geralmente designa detalhes superficiais como a qualidade da linha, a maneira de desenhar (...)” (McCLOUD, 2006, p. 212).

Todos os elementos do fazer artístico estão enquadrados na produção da imagem desenhada: a criação de imagens com o uso de pigmentos secos através de riscos e traços que captam sentidos na percepção visual e se transformam em imagens significadas pelo leitor usam pigmentos líquidos e pastosos para agregar cores às imagens e, no fim, detém as mesmas técnicas consagradas nas artes plásticas. Museus importantes tanto nos EUA quanto na Europa reservam espaços para exposições dos originais de produção destas imagens, enfatizando ainda mais seus status de obra de arte (o que ainda não tem ocorrido no Brasil). O problema é que elas não são apenas obras de arte. Elas são mais alguma coisa. São um tipo de arte composta ou um tipo de expressão que se utiliza dos bens artísticos. Algumas de suas produções ganharam status de obra de arte, tanto pelo seu público consumidor, quanto por grupos externos (quando ganharam os espaços dos museus e das galerias de arte, por exemplo). E esta composição múltipla de sua natureza e finalidade são extremamente importantes para compreender seus vínculos sociais. Antes de esclarecer esta natureza composta, me deterei, neste tópico, no aspecto artístico. Ao mesmo tempo em que retomo a trajetória da sociologia da arte faço pequenas inferências que identificam quais são as abordagens que dialogam melhor com o entendimento da imagem desenhada.

Os sentidos estéticos e a percepção do gosto são esferas que impactam a natureza da arte. As imagens desenhadas não se propõem a inferir sobre o “social” qualquer elemento desta natureza. Os desenhistas não se consideram artistas, no sentido stricto do termo – muito mais relacionado aos artistas plásticos, cujas obras possuem um discurso estético particular ou uma crítica social ou política e que visam, sobretudo, causar um impacto (estético) na percepção do apreciador (ou do público leigo). Ainda assim, o público que consome estas imagens desenhadas desenvolveu uma noção particular de obra de arte e a aplica a estas produções, chamando os desenhistas de “mestres” e tratando suas produções como obras de arte. Esta natureza que transforma as produções em obra de arte ocorre por dois caminhos. O primeiro é pela revolução do enredo. A obra ocasionou uma mudança na perspectiva do personagem/revista, levando o personagem para uma dimensão inimaginável por parte do leitor (o álbum Cavaleiro das Trevas de Frank Miller fez isso). Podemos tratar esta dimensão como uma perspectiva de conteúdo (mudança de sentido na história). O segundo é formal e estético. É a qualidade do desenho que impacta os leitores. Eles tratam o desenho como obra de arte por deter qualidades incontestes quanto à capacidade do desenho (a partir de regras de perspectiva, complexidade de ângulos e enquadramento de cenários) e proximidades com uma concepção visual ultrarrealista. Os desenhistas são tratados como virtuoses ou artífices do desenho. E, suas produções, tratadas como obras de arte, delegando às reproduções, tanto as

revistas, pôsteres e páginas (mesmo sendo cópias), quanto aos originais, um status também artístico. Este status artístico não recai na linguagem que desenvolveram (pois não criam escolas, como nas artes visuais), mas nas revistas, desenhos e pôsteres da obra em si. Cada uma das revistas é tratada como obra de arte, guardada com sentido de preservação e inviolabilidade. A “arte”, neste aspecto, não está na obra propriamente, mas nos sentidos que os leitores lhe atribuem. Em outros termos: a natureza das HQs processa uma noção de “obra artística” completamente diferente. A “arte”, neste caso, é dissociada da unicidade, pois suas cópias e reproduções possuem o mesmo status que os originais (com uma pequena variação de preço de vendagem entre uma e outra), pelo menos em apreciação por parte do público (Fig. 2.01 a 2.04).

Fig. 2.01 e 2.02 – Imagens do Comics Museum - Kaja Saudek em Praga. O museu funciona como uma

galeria de arte que vende originais de quadrinhos. Na Europa e nos EUA as páginas de quadrinhos são tratadas como “obras de arte” e comercializadas como tal. Esta proposição faz com que os leitores, aficionados e colecionadores, tratem as reproduções das páginas nas revistas também como expressões artísticas.

Fig. 2.03 e 2.04 – Os originiais de Tintin, para a capa de “Tintin na América” de 1932, clássico dos

quadrinhos (BDs) belgas, depois de exposto no museu, foram leiloados em 2012 por 1,3 milhões de euros. Em 2014, uma página dupla interna de Tintin (segunda imagem), de 1937, foi vendida por mais de 2,5 milhões de euros, depois de 15 minutos de um leilão acirrado. Estes são apenas dois dos materiais que foram vendidos nos útlimos anos em que os origniais dos desenhos utilizados para os quadrinhos ganharam status semelhante a de obra de arte.

Nas primeiras décadas do século XX32 já haviam estudos preocupados em entender a relação entre arte e sociedade, identificando uma força que ora mostra que há influências da sociedade sobre o fazer artístico, ora as influências do fazer artístico sobre o “social”, ao mesmo tempo em que se analisa a arte enquanto espaço social independente e próprio (BASTIDE, 1967).

Nos estudos clássicos a arte ou a expressão artística é vista como um produto histórico e socialmente determinado e tratada como veículo. Em Marx, por exemplo, avaliava-se como instrumento de transmissão de ideias e valores dominantes. A arte é vista como meio de expressão da força de trabalho e como tal, é pelas vias das instituições sociais que se deve analisá-la. Viana (2007) ao estabelecer suas teses para uma teoria da esfera artística, numa abordagem marxista, define a obra de arte como:

[...] uma expressão figurativa da realidade, ou seja, ela exprime as concepções, valores, sentimentos e inconsciente daqueles que realizam a expressão [...]. A arte opera a transformação de determinada perspectiva pautada em concepções, valores, sentimentos etc. em uma obra que torna isso comunicável, apesar de nem sempre inteligível, aos demais seres humanos, através do ato de figuração, isto é, transmitir esta mensagem enviada pela obra através do processo de dar forma a imagens, desenhos e objetos, exprimir sob a forma de ficção, encenação, sons, etc. (VIANA, 2007, p.71-72).

Neste momento, a arte é considerada como resultante direta da força de trabalho e de uma esfera econômica que lhe atribui uma dimensão eminentemente social. Numa perspectiva de “produção, distribuição e recepção da obra de arte” (MORAIS, SOARES, 2000, p. 04), que busca a despersonalização individualista da obra de arte, são as condições sociais (configurados nas estruturas) os elementos mais importantes para a contextualização sociológica de um objeto artístico, ao mesmo tempo em que percebem que há inferências – individuais – que permitem ao produtor modificar o objeto. Ainda assim, se analisa os objetos artísticos a partir de suas dimensões externas, conforme o levantamento de Morais e Soares (2000, p. 07): analisando “1) o processo de recrutamento e treinamento dos artistas; 2) sistemas de patronagem; 3) o papel dos mediadores (editores, críticos, donos e diretores de galerias etc.).” Na visão marxista mais tradicional, a obra de arte é profundamente influenciada por sua dimensão externa e está alicerceada, sociologicamente, numa perspectiva de identificação de seus valores e vínculos ideológicos ou em questões mais amplas como aponta Viana (2007), ao analisar que os apontamentos de Marx sobre arte debatem a desigualdade ou contradição entre a produção material e a artística no desenvolvimento

histórico das sociedades e o papel da arte na sociedade capitalista. Em outros termos: que o desenvolvimento social e o artístico não caminham necessariamente juntos, podendo existir sociedades não desenvolvidas que produzam uma expressão artística avançada; e, que o reconhecimento da arte no capitalismo perpassa não apenas pela ideia estética, mas pelo princípio do lucro (mercantilização).

Viana (2007, p.28-29) esclarece que, na perspectiva marxista, a durabilidade da apreciação de uma determinada linguagem artística na sociedade está relacionada às questões das necessidades sociais atuais: “Não se trata, pois, de nenhum ‘encanto eterno’, e sim de possibilidade de uso (que pode provocar sua deformação) de acordo com as necessidades atuais. [...] são as necessidades da época que valorizam a obra de arte”. Esta lógica permite- nos inferir que a durabilidade do consumo estético de uma expressão artística qualquer deve se apoiar em dois aspectos: na produção de lucro e em uma determinada necessidade. Apesar de não seguir totalmente a visão marxista que condiciona à arte uma visão de reflexo e reprodução da realidade “social”, unicamente, a perspectiva não pode ser descartada de todo, pois ela será importante para compreender sua dimensão agencial, como mostrarei posteriormente. Antes disso, são os aspectos do fetichismo da mercadoria e das noções de valor de uso e valor de troca que me interessam.

A ilusão do fetiche da mercadoria é completamente direcionada às obras artísticas. As relações sociais são orientadas pelas coisas num processo de mediação pelo valor que estas possuem nas relações de troca que passam, portanto, a se estabelecerem como mercadorias, isto é, como uma expressão monetária. A mercadoria enquanto valor de uso vincula-se, exclusivamente, às necessidades de seu uso ao qual são atribuídos valores monetários relativos à troca da força de trabalho necessária para produzi-las. Entretanto, no valor de troca, os mesmo valores não correspondem à produção, mas um processo mais abstrato que é impactado por qualidades e características que são atribuídas à mercadoria, tornando-a mais valiosa e, por conseguinte, mais cara (MARX, 1974). As atribuições destas noções são tergiversais ao pensamento Marxista. Marx não se referia à arte, propriamente, mas podemos replicá-la ao mundo artístico. Isso tanto é válido no mundo das artes plásticas, ao qual boa parte dos autores se refere, como ao mundo das imagens desenhadas do tipo que são analisadas neste trabalho.

Podemos perceber que as imagens desenhadas se tornam arte (ou algumas de suas produções são consumidas ou comercializadas como objetos artísticos) por lhes atribuírem valor de troca. Passam a ser colecionáveis e comercializadas entre os leitores (numa segunda vendagem) a partir desta fetichização (Fig. 2.05 e 2.06). Isso nos aponta uma direção na busca

pela compreensão de como a produção de uma expressão visual consegue se manter no mercado por tantas décadas fidelizando um público consumidor. Qual seria esta necessidade? Nos próximos capítulos pretendo demostrar quais as necessidades e quais são seus efeitos na produção das imagens desenhadas e as suas consequências para a sociedade; consequências não vinculadas a um ideal determinista, mas à lógica performática das HQs.

Fig. 2.05 – Imagem da coleção de quadrinhos

do ator Nicolas Cage que foi leiloado depois de dois dias de exibição. Cada edição custou no mínimo US$250.000,00. O comércio de HQs ocupa espaços dos mais diversos além dos de banca e livraria e as edições se tornam valiosas por conterem primeiras aparições e mudanças na vida dos personagens.

Fig. 2.06 – Revistas em Sebo. Nem todos as edições de

quadrinhos se tornam tão valiosas, mas devido ao grande número de tiragem, muitas das edições são disponibilizadas em sebos e lojas especializadas por valores que sofrem muita variação: da qualidade da revista, passando pelas particuaridades da história contida até a disponibilidade da revista no mercado. É assim que adquirem a propriedade de objetos circulantes.

Como as imagens desenhadas são obras visuais (figuras), precisaria, inicialmente, me aproximar das abordagens sociológicas que se detiveram sobre este aspecto. A dimensão estética, isto é, da aparência dos objetos, sempre esteve em um campo limítrofe da análise sociológica, mesmo aquela devotada à obra de arte – que sempre se interessou pela dimensão histórico-social, privilegiando-a. Na sociologia33, é em Adorno que a preocupação sociológica pela estética dos objetos artísticos torna-se importante para a inferência sociológica, não per si, mas em comunhão com a dimensão histórico-social; ou por outro caminho, na gama de interpretações sobre os valores destas produções e seu viés ideológico.

Entretanto, é em Francastel que esta dimensão encontrará seu maior defensor34. Francastel (1973) ao criticar os estudos de sociologia da arte menciona a necessidade de

33 Marcel Mauss foi um dos primeiros a trazer esta dimensão para a etnografia. 34

Karl Mannheim (1986), em sua Sociologia do Conhecimento, também propõe uma análise de imagens que privilegia a esfera da estética. Ele propõe um método documentário para tratar as imagens. Este método, segundo seus comentadores (BOHNSACK, 2007; MARTINEZ, 2002; 2006; WELLER, 2002; 2005), será adotado por Panofsky na história da arte, gerando um dos métodos mais utilizados de análise de imagem. Mannheim já previa que todas as imagens da cultura visual seriam passíveis de uso na sociologia. Esclarece que a análise de imagens passa por três momentos: a imanência, a expressividade e o documentário. A imanência refere-se ao sentido objetivo da imagem em seu aspecto formal e estético. O expressivo surge quando se analisa o contexto da

identificação dos “laços mais ou menos duráveis que unem os diferentes elementos do corpo social em ação” (apud MORAIS, SOARES, 2000, p.16) seriam esses laços aos quais ele se refere os mesmos mecanismos de associação com o “social” ao qual Latour se refere ao falar dos objetos? Acredito que sim, pois “[...] um objecto artístico não é nunca apenas um fenômeno estético. Está incrustado na realidade humana e social, através de uma rede complexa de relações” (FRANCASTEL, 1998, p.25). Porém, é preciso esclarecer que em Francastel os objetos e as associações estão impregnados de intencionalidades. (Deter-me-ei, mais demoradamente, ainda neste capítulo, sobre esta problemática). Francastel reconhece que a compreensão social de uma expressão artística perpassa por sua natureza formal e imagética, por isso, em um tipo de rede de associações. Em suas palavras:

Para compreender a forma, é preciso entender, não apenas a totalidade, mas também os elementos, e ainda a relação que estes estabelecem, tanto com os que se encontram associados à forma quanto com os que estão implicados no conjunto das experiências comuns a artista e aos espectadores. (FRANCASTEL, 1998, p.28).

Outro ponto importante que aparece na sociologia da arte de Francastel é o papel dos valores sócio-psicológicos do espaço-tempo na compreensão sociológica sobre qualquer percepção figurativa da obra de arte. A leitura e a interpretação de uma obra de arte devem considerar sua trajetória espacial e temporal como instrumentos que alteram a percepção e a compreensão do objeto figurativo.

Em seus termos:

[...] somos completamente incapazes de reconhecer um tema que não esteja referenciado em função de critérios ligados, não à nossa sensibilidade, mas a nossa cultura. Perdemo-nos em conjecturas diante de qualquer objecto oriundo de uma civilização não previamente conhecida. Só vemos aquilo que conhecemos ou, pelo menos, aquilo que podemos integrar num sistema coerente e, por conseguinte, enquadrado no tempo das representações significativas. [Além disso] [...] a tomada de contacto com o espaço não é significativa sem o tempo. Quanto ao mais, é abusivo atribuir aos homens do passado o conhecimento e formas de pensar idênticos aos nossos. [...] a partir do momento que a visão está integrada no tempo, nenhuma imagem se formassem a participação da memória coletiva. (FRANCASTEL, 1998, p.99).

Uma das abordagens que Francastel propõe é que o esclarecimento de sua sociologia da arte perpassa uma sociologia dos objetos figurativos e de seus meios de expressão. Para

imagem e o documentário ocorre nas reconstruções de sentido das concepções de mundo dos produtores identificadas pelo pesquisador. Sua proposta estabelece uma relação entre o contexto e as dimensões estéticas da imagem. Isto é, a análise das imagens começa na estrutura formal da imagem, passando pelo contexto até a reflexão.

ele, arte e estética estão interligados. A dimensão estética é circunscrita não na perspectiva filosófica (da ideia de beleza, gosto e apreciação), mas da figuração (referindo-se à forma figurativa e plástica que a imagem artística assume), que se constitui na prática como um objeto figurativo. Francastel retoma o conceito dos estudos etnográficos35 que enfatizaram a importância dos objetos de civilização para a compreensão da dinâmica social. Como “objeto