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Mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha proporcionara a seus jovens uma

educação patriótica e de caráter militarista. Exemplo disso foi a formação dos batalhões de

estudantes voluntários da Primeira Guerra Mundial. Os jovens fracassaram, mas o que subsistiu

foi o sentimento e a imagem de uma juventude corajosa, obediente, dedicada à pátria e disposta

a matar ou morrer por um ideal.

O Partido Nacional-Socialista fazia-se presente em todos os setores, direcionado à

conquista de diferentes segmentos sociais, que foram divididos por sexo, faixa etária e

categorias sócioprofissionais. Com o propósito de conquistar as massas e doutriná-las para o

combate, o Partido Nacional-Socialista criou algumas organizações para crianças e jovens: a

Hitlerjugend (Juventude Hitlerista), que chegou a contar com sete milhões de jovens entre 15 e 18 anos; o Pimpf, para meninos entre seis e dez anos; a Jungvolk, para meninos entre dez e 14

anos, a Jungmaedel, para meninas de até 14 anos; a Bund Deutscher Maedel (Liga das Moças

Alemãs) para moças entre 14 e 21 anos. A partir de 1936 a incorporação dos jovens entre dez e

18 anos ao movimento passou a ser obrigatória.

Gregor Athalwin Ziemer (1899-1982) foi um educador, correspondente e escritor americano que viveu na Alemanha entre 1928 e 1939, trabalhando como diretor da “Escola Americana em Berlim”. Intrigado com a forma como seus alunos – estrangeiros e judeus – eram maltratados pelas crianças alemãs, Ziemer convenceu o Estado a deixar-lhe pesquisar seu sistema de educação neste período: “Eu não poderia compreender o poder exercido sobre a criança nazista se me limitasse à leitura de teorias em livros e folhetos”. Suas anotações mais

tarde foram publicadas no livro “Educação para morte: aspectos da educação nazista”, com

tradução de Ana Maurício de Medeiros (ZIEMER, 1942, p.10).

Quando questionado sobre a forma violenta como os meninos nazistas tratavam os alunos

da Escola Americana, o Reitor da Escola Pública alemã respondeu a Ziemer que os mestres os

aconselhavam a serem firmes em seus princípios, pois todos eles – judeus, estrangeiros etc –

eram inimigos da Alemanha, e a lutar e morrer pelo Führer, caso necessário. Disse ainda que

as pedradas e os ataques contra os estrangeiros eram apenas um pequeno treino.

Em sua obra, Ziemer descreve de forma apurada os procedimentos utilizados pelo Partido

Nacional-Socialista na formação de uma massa de jovens preparada para guerra e educada a odiar os inimigos predeterminados. “A Escola Alemã, conforme pude verificar, era auxiliar do

exército e seus métodos eram guardados como se fossem segredos militares” (Ibid., p.10).

O fanatismo político e ideológico entendido, a partir da obra de Ziemer, como uma

conduta aprendida, era incitado desde a tenra idade, mesmo nas jovens mães que, ainda

grávidas, faziam seus juramentos de compromisso com o Partido Nacional-Socialista. Em troca da lealdade, o Estado oferecia ao cidadão “ariano” a esperança de um futuro renovado.

A pedagogia nazista preparava os jovens para a morte. O juramento feito nos rituais de passagem selava o compromisso de sacrificar a vida pela causa. Com o início da guerra, os esforços educacionais se voltaram para a formação do futuro soldado. Nas escolas eram realizados trabalhos práticos em contato com a natureza; estudava-se a química dos explosivos, a geografia aplicada à estratégia de combate e exercícios de orientação no terreno; a história focalizava os feitos de arma e os heróis guerreiros (CAPELATO, 1995).

De acordo com a doutrina de Hitler, as crianças lhe pertenciam e seriam educadas para

serem soldados e mães de futuros soldados. Sendo assim, toda disciplina (”disciplina é

poder”44) passava por este crivo maior: o ideal de toda formação alemã tinha fins bélicos, não

importando o tipo de frieza necessária para se alcançar esse objetivo. Meninos e meninas se

familiarizavam com a ideia de que pertenciam ao Führer desde a idade pré-escolar. “A

ideologia é o que importa. Os professores nazistas devem ser seus propagadores e os estudantes, ouvintes disciplinados da palavra de Hitler” (ZIEMER, 1942, p.25).

O Partido começava a se interessar pela criança alemã mesmo antes de ser gerada,

orientando as mães a procriarem mais e mais, dentro ou fora do casamento, com o intuito de aumentar o contingente de raça “ariana”. As mães alemãs dedicavam seus filhos a Hitler mesmo antes de seu nascimento. Aos seis anos de idade, a criança assumia pela primeira vez o

compromisso de dar sua vida pelo Führer; esse compromisso era renovado mais tarde aos dez

e aos 14 anos de idade.

O sistema controlava a conduta desde seu nascimento até o momento em que a escola se

encarregasse dela e concluísse seu trabalho. As mães de crianças em idade pré-escolar eram

visitadas para se verificar se a doutrina nazista estava sendo ensinada nos lares, pelos pais. Para

aquelas crianças cujos pais necessitavam trabalhar o dia todo, o Partido se encarregava delas

através de creches onde eram fornecidos alimentação, brinquedos, gravuras e uniformes

especiais, mesmo para bebês de seis meses.

As crianças cuidadas pelas creches do Partido Nacional-Socialista eram ensinadas a amar

o Führer, a considerá-lo o salvador da Alemanha e a odiar todos os outros que não apoiavam Hitler: “Nós seremos soldados – acrescentou um lourinho, cujos olhos reluziam como botões. Quero matar um francês”. A máxima do pensamento nazista com relação à criança pequena

pode ser expressa no slogan das instituições pré-escolares: “Dai a Hitler a criança desde que

comece a falar e pensar, pois ela lhe pertence!” (ZIEMER, 1942, p. 53).

Dos seis aos dez anos de idade os meninos integravam o Pimpf. O Pimpf era o primeiro

passo para o ingresso nas atividades da Juventude Hitlerista. Ao ingressar, eles recebiam uma

carteira onde eram inscritas suas notas, seu desenvolvimento físico, suas proezas militares e

seus progressos ideológicos. Sua atividade em casa era vigiada e devidamente registrada pelo

Partido Nacional-Socialista.

Aos dez anos os meninos eram submetidos a um rigoroso teste para verificar seus

conhecimentos acerca do manual de instruções do Pimpf e, então, ter o direito de ser

promovidos à Jungvolk. Aqueles que fracassavam eram rejeitados e humilhados perante os

demais. Nesse estágio as crianças já tinham em suas mentes a ideia clara e segura de que deviam estar prontos a morrer pela Alemanha. “O menino sabia o que isso significava. Se ele não fosse promovido à Jungvolk, nunca poderia ser da Juventude Hitlerista, nem S.A. Sem S.A. não teria posição, nem emprego, nem classe, nem coisa alguma” (Ibid., p.77).

Nos rituais de passagem de cada estágio da formação nazista, as crianças e jovens faziam

juramentos de matar e morrer pelo Führer e pela Alemanha:

Perante esta bandeira de sangue, que representa o nosso Führer, juro dedicar todas as minhas energias e toda minha força ao salvador de nossa Pátria. Adolf Hitler. Estou

pronto e ansioso por dar minha vida por ele, assim queira Deus. Um povo, uma Nação, um Fürher (ZIEMER, 1942, p.61).

A Jungvolk era constituída pelos rapazes de dez a 14 anos e precedia o ingresso na

Juventude Hitlerista. Os rapazes eram submetidos a testes espartanos, realizavam longas

marchas, períodos de jejum mais frequentes (para se acostumarem a ficar sem comida numa

situação de guerra) e as atividades físicas eram mais intensas.

“Hitler e seus instrutores conhecem a psicologia infantil. Desse modo, procuram dirigir todos os seus impulsos naturais, todas as suas emoções apenas despertadas, no sentido que lhes

convêm e que ficará eternamente gravado em suas almas” (Ibid., p. 107).

Para as meninas era requerido que fossem fortes e saudáveis e se tornassem mães de

futuros soldados, assim que a maturidade de seu corpo o permitisse. Até os 14 anos as meninas

nazistas integravam o Jungmaedel. Além de outros conhecimentos, elas tomavam consciência

de sua missão no III Reich: serem produtoras de filhos sadios e doá-los ao Estado. Sendo assim,

a educação sexual era iniciada desde muito cedo e de modo realístico.

“O estado se interessa principalmente pela sua saúde física. As Jungmaedel devem ser fortes de corpo, estoicas de espírito e inabaláveis em sua convicção de que Adolf Hitler é o salvador da Alemanha” (Ibid., p.85).

Toda a estrutura curricular oferecida a essas meninas girava em torno da educação nazista

e de seus interesses. A maior parte do currículo era dedicada ao estudo da ciência doméstica,

eugenia e educação física. As aulas de Alemão eram destinadas à familiarização das meninas

com a literatura nazista. As aulas de História e Geografia tinham como objetivo esclarecer e reafirmar a superioridade da raça “ariana” e as aulas de canto eram destinadas ao aprendizado de cânticos nazistas.

De acordo com os professores, a estrutura curricular era um mero detalhe. Em todas as

aulas as meninas eram ensinadas sobre Hitler, o que ele dizia e pensava. Aprendiam também

como serem boas mães e donas de casa. Todos os assuntos eram subordinados a esse tema,

levando as meninas ao pensamento de que não poderiam ser outra coisa senão futuras mães

alemãs.

Outra estratégia do Partido Nacional-Socialista na formação de suas crianças e jovens era

instigar o ódio em seus alunos. Os professores utilizavam boa parte das aulas contando como

checos, poloneses, franceses, ingleses e americanos odiavam a Alemanha e como eles deveriam ser igualmente odiados: “As meninas pareciam fascinadas. Elas ardiam de ódio contra os poloneses, quando a classe debandou” (ZIEMER, 1942, p. 95).

As jovens de 14 a 21 anos posteriormente integravam o Bund Deutscher Maedel, em que se preparavam para sua grande missão: ter filhos para servirem como soldados de Hitler. “Ela sentia-se realmente orgulhosa de levar no seio um filho sem a benção matrimonial. Haviam-lhe ensinado que esse era o seu dever”. Aquelas que não se alistavam eram consideradas inimigas do Estado (Ibid., p.131).

Já os rapazes entre 14 e 18 anos pertenciam à Juventude Hitlerista. Constituíam o segundo

exército de Hitler. A educação nazista estendia-se até o nível superior, nos diferentes cursos

oferecidos.

Primo Levi (2004) é bastante assertivo ao encontrar a origem da frieza e brutalidade dos soldados nazistas em sua educação: “tinham sido educados para a violência, [ela] corria em suas veias, era normal, óbvia. Transbordava de seus rostos, de seus gestos, de sua linguagem.

[...] Simplesmente tinham sido submetidos por alguns anos a uma escola em que a moral corrente era invertida”. O autor continua dizendo que aqueles que foram capazes de tais atos não eram monstros, eram seres humanos mediados, comuns, mas mal educados (p. 105; 175).