Em Terezín, assim como no gueto de Varsóvia78 e em Auschwitz-Birkenau79, houve um
programa clandestino de ensino para crianças. Esse ensino incluía as disciplinas formais das
escolas checas e, em especial, havia lugar para o teatro, a música, a poesia e as artes visuais.
Para os representantes da resistência checo-judaica, o mais importante era preservar e proteger a liberdade intelectual. De acordo com Souza (2013), “a educação organizada clandestinamente foi um dos mais importantes cenários para a resistência individual e comunitária judaica” (p. 76).
Pelo fato de muitos artistas, cientistas, professores, escritores e outros intelectuais estarem
aprisionados em Terezín, as crianças podiam ter uma educação de qualidade, apesar de
clandestina. Às pessoas recém-chegadas ao campo, dependendo de sua qualificação e
experiência pedagógica, era solicitada a entrega do currículo. Depois, elas eram selecionadas
para trabalhar como professores ou cuidadores em um dos abrigos.
Aulas regulares para as crianças eram oficialmente proibidas pela administração alemã.
Apesar da natureza improvisada e clandestina, o ensino atingiu um nível elevado. As crianças
sobreviventes que retornaram para a Checoslováquia relatam que tiveram pouca dificuldade em
acompanhar (e em alguns casos excederam) seus colegas de sala.
Theresienstadt transbordava com uma quantidade de pessoas muitos inteligentes que trouxeram consigo ideias e ideologias da Europa e lá continuaram a discuti-las. Professores primários e universitários se alegravam quando reuniam em torno de si
78 É possível perceber muitas semelhanças entre a situação das crianças em Terezín e no gueto de Varsóvia.
Nesses dois contextos, a educação funcionou como forma de resistência e sobrevivência espiritual. Para mais informações sobre o programa clandestino de ensino do gueto de Varsóvia consultar SOUZA, Nanci Nascimento de. Gueto de Varsóvia: Educação clandestina e resistência. 2013. 177 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
79 Quando deportado para Auschwitz-Birkenau, Fredy Hirsch desenvolveu um programa de ensino clandestino
com o auxílio de outros prisioneiros vindos de Terezín. Uma de suas ajudantes foi Dita Polachová-Kraus, uma das crianças cujos desenhos são analisados na tese e cujo testemunho foi utilizado como fonte de pesquisa. Para mais informações consultar ITURBE, Antonio G. A bibliotecária de Auschwitz: um romance baseado numa história
um grupo de crianças às quais podiam transmitir algo belo sobre a cultura europeia. Mas quando se anunciava uma inspeção alemã, aquelas poucas folhas de papel impresso desapareciam, e algumas vezes, quando os soldados uniformizados apareciam inesperadamente, corríamos a toda velocidade para nos dispersar e sempre o fizemos a tempo. E, no entanto, tratava-se apenas de uma das “aulas” irregulares nas quais um adulto nos contava alguma coisa ou mantinha uma conversa conosco (KLÜGER, 2005, p. 91).
A partir de 1943 foram estruturadas aulas de Hebraico, Checo e Russo em cada bloco.
Depois foram instituídas classes de História, Geografia, Matemática e as crianças também
podiam estudar instrumentos musicais. As aulas eram ministradas à noite, depois do trabalho e
aos domingos. De acordo com Brenner, as aulas ocorriam diariamente (2014, p. 114).
Apesar da proibição, os jovens cuidadores e os professores desenvolveram métodos de
ensino que buscavam contornar esta situação. As classes eram mantidas secretamente nos
sótãos, longe da presença dos guardas. Entretanto, os professores tinham de ser criativos porque
não havia quadros negros e o papel disponível era escasso. Os mestres escreviam o que se
lembravam sobre um determinado assunto e também compartilhavam com as crianças os livros
que haviam trazido na bagagem. Sempre que os alunos escrevessem seus nomes em pequenos
pedaços de papel eles deveriam ser destruídos mais tarde.
[Spulka]: [...] Eu me lembro que, nos sótãos dos alojamentos, havia palestras. […] [Pajík]: O que eu me lembro sobre Terezín é que no prédio L417, onde nós vivíamos, todos estavam expostos ao aprendizado e à instrução. Era um assunto altamente organizado. Nós tínhamos uma instrução de primeira-classe com professores de primeira-classe. [...] Você podia ter aulas particulares. Eu tinha aulas de piano e aulas de inglês e também francês. [...] Por um pedaço de pão você poderia conseguir instrução (GRUENBAUM, 2004, p. 62; 96, tradução nossa).
Ocasionalmente, havia escritos à mão mimeografados, usados como lições, mas isso era
raro. A maioria das aulas era feita através de conversação e repetição, sendo assim, as lições
eram aprendidas oralmente. Por conta da falta de auxílios visuais e papel, era muito difícil para
O ensino era frequentemente feito de forma inovadora. Por exemplo, para ensinar
Geografia e Ortografia, o professor nomeava uma cidade e perguntava às crianças o nome do
país, ou dava a primeira letra da cidade e perguntava quais eram as últimas letras. História
poderia ser ensinada jogando-se o jogo do “homem famoso”. Música era usada no ensino
também; professores ensinavam músicas hebraicas que eram baseadas em poemas. Eles
também ensinavam às crianças poesia e literatura dessa maneira. Por meio de músicas em
checo, alemão e hebraico, as crianças aprendiam línguas estrangeiras. Outro ponto importante
é o fato de os professores mudarem constantemente, por conta das deportações.
As classes educativas eram chamadas de “programa”, como um meio de disfarçar o que de fato elas eram. Pajík escreveu em seu diário sobre sua educação em Terezín:
[Maio de 1944]: Na primeira hora nós temos Eisinger para Checo. Aprendemos sobre poesia e isto me interessa muito. [...] A segunda aula é de Zwicker, com Geografia da Escandinávia e Noruega. Ele é sempre bom. Em seguida, os iniciantes têm inglês. [...] Logo, há uma aula que é Hebraico. No dia seguinte, a primeira aula é de Inglês. Na segunda hora é Judaísmo. Temos a terceira aula no sótão e é de Matemática, com o Professor Kohn. Ele é, como sempre, muito interessante. A quarta aula é História, e nós aprendemos sobre a colonização de aldeias e sobre Jan Luxemburg (GRUENBAUM, 2004, p. 21-22, tradução nossa).