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A educação de pessoas com deficiência Visual no Brasil

CEGUERA Y DEFICIENCIA VISUAL EN EL MUNDO

CAPÍTULO 3 CEGUEIRA: CONCEPÇÕES E RELAÇÕES EDUCACIONAIS REVELADAS NO DECORRER DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE.

1.1 A educação de pessoas com deficiência Visual no Brasil

O Brasil foi o primeiro país da América Latina a reconhecer o Sistema Braille como instrumento de universalização da leitura e escrita para pessoas cegas; até então, não havia uma proposta para a educação de cegos, em nosso país.

A chegada do Braille ao Brasil, em 1850, deu-se através de José Álvares de Azevedo (1834-1854)30, cego, instrutor do sistema Braille e idealizador da primeira escola destinada a alunos cegos, no Brasil e na América Latina, tendo por modelo a instituição onde havia estudado na França.

Através do Barão do Rio Bonito e do Dr. Xavier Sigaud, médico francês, que esteve a serviço da corte imperial brasileira e pai de uma moça cega, Adélia Sigaud, o método foi apresentado ao Imperador D. Pedro II, conseguindo despertar seu interesse para a possibilidade de educar os cegos, fazendo uma demonstração de como uma pessoa cega podia escrever e ler corretamente, pelo Sistema Braille. O Imperador D. Pedro II mostrou-se interessado e sensibilizado com tal demonstração, proferindo a célebre frase histórica: “a cegueira já quase não é uma desgraça”.

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José Álvares de Azevedo é considerado o Patrono da Educação dos Cegos no Brasil. Foi o primeiro a exercer, particularmente, na cidade do Rio de Janeiro, a função de professor cego, após ter tido a oportunidade de se educar em uma escola para cegos, na França.

Com a devida autorização do Imperador, deu-se início ao processo para construção da escola, sendo fundado, em 17 de setembro de 1854, pelo Decreto Imperial nº 11.428, o Imperial Instituto para Meninos Cegos no Rio de Janeiro. Com a instauração da República, a escola passou a chamar-se Instituto Benjamin Constant – IBC. Hoje, ainda se constitui num dos maiores centros de educação de pessoas deficientes visuais do país e da América Latina.

O Instituto Benjamin Constant foi a única instituição encarregada de cuidar da educação de cegos no Brasil, até 1926. Em 2 de setembro desse mesmo ano, foi fundada a segunda escola especializada - o Instituto São Rafael, em Belo Horizonte e, a terceira surgiu em 1927, em São Paulo - o "Instituto Padre Chico". Esses dois institutos foram reconhecidos de utilidade pública estadual e federal em 1960 e 1968, respectivamente.

Conforme Belarmino (1997), através do decreto nº 16.392, foi criado, no Brasil, o primeiro curso de especialização de professores para o ensino de deficientes visuais, no ano de 1945, e, em 1946, foi criada a Fundação para o Livro do Cego no Brasil, com a finalidade de imprimir livros em Braille. Em 1947, o Instituto Benjamin Constant e a Fundação Getúlio Vargas realizaram, em regime de parceria, um curso intensivo que se destinava à especialização de professores para atuarem na área do ensino para deficientes visuais.

De forma experimental, foi criada em 1950 a primeira classe de Braille de São Paulo, que foi oficializada pela lei nº 2.287, em agosto de 1956. Em 1953, a Comissão de Legislação do Conselho Nacional de Educação autorizou um aluno cego a inscrever- se no exame de habilitação para cursar a Licenciatura em Geografia, frisando que “deixá-lo mergulhado, sem sombras de esperanças no ceticismo próprio dessa grande

desgraça que é a cegueira, não seria humano” (BELARMINO,1997, p. 41). Nessa mesma década, admitiu-se, também, a entrada de estudantes cegos na Faculdade de Filosofia de São Paulo.

Tal atitude deixa claro que a permissão ao requerente da matrícula para ingressar no curso não foi por acreditar em sua capacidade de discernimento e aprendizagem, nem em fazer valer um direito concernente a todo cidadão, mas, sim, por permear no imaginário dos membros do Conselho, sentimentos de compaixão, piedade e caridade para com as pessoas cegas.

Em 1955, foi autorizado um curso de especialização de um ano, na área do ensino para cegos, realizado no Instituto de Educação Caetano de Campos, na cidade de São Paulo. Dezessete anos depois, os cursos de especialização foram extintos.

Embora o acesso à educação tenha sido facilitado pela criação de várias instituições, as pessoas cegas não viviam plenamente sua cidadania. Para conquistar a emancipação política tiveram que lutar contra leis, como a de 1956, que dava o direito ao cego de votar só através da escrita cursiva, segundo registra Belarmino (1997, p. 390):

a lei que rege as eleições de 1934, 1935 exigiu que os cegos assinassem em Braille somente no ato da qualificação do título eleitoral. Para o procedimento da votação, o presidente da mesa assinava as folhas eleitorais a rogo do eleitor cego que trazia de casa as chapas prontas. O decreto-lei 7586 de 28 de maio de 1956, em seu texto legal, diz que o eleitor cego teria que votar como os demais eleitores. Assim, o direito ao voto só foi concedido àqueles que escreviam pelo alfabeto comum.

Tempos depois - não se tem registro exato sobre a data – foi assegurado, por via da lei, o direito de voto aos deficientes visuais, tanto em Braille quanto em letra cursiva.

Para o ingresso na escola comum, também foi preciso lutar e vencer preconceitos. Muitos, quando aceitos, o eram por compaixão e não por serem vistos como cidadãos com direito à educação, como qualquer outra pessoa. Sobre isso depõe Belarmino (1997, p. 40), quando relata o pedido de matrícula feito por uma pessoa cega, em uma escola comum, em 1932, em Curitiba/PR, e que teve o seguinte parecer da Comissão de Ensino Secundário do Conselho Nacional de Educação:

o professor Cesário de Andrade mostra que não é possível ministrar em conjunto, o ensino de classes de alunos cegos que se valem de sistemas especiais e ainda deficientes, e de alunos videntes que seguem métodos pedagógicos comuns". Finalizando com a justificativa do parecer favorável ao ingresso do aluno: "seria realmente, profundamente doloroso que além do cárcere das trevas, privássemos o requerente desse bálsamo espiritual que o ajudará a quebrar o ceticismo tão próprio dessa grande desgraça que é a cegueira.

Nesse parecer fica clara a necessidade de classes especiais separadas dos alunos videntes, pela incapacidade de o professor atender às especificidades dos alunos, bem como a percepção existente em torno da pessoa cega, como alguém destituído de sua cidadania, de seu potencial criador e criativo, assim como de direitos. Criaram-se, então, as classes especiais, dentro da escola comum, para atender às pessoas cegas, consideradas incapazes de aprender junto às videntes.

Não defendemos a ideia de classes especiais, mas entendemos os procedimentos de educadores em uma época em que a concepção teórica que embasava as ações pedagógicas privilegiava a homogeneidade entre os seres, considerados inacabados e depositários do conhecimento acumulado pela humanidade. No século atual, embora percebamos que essa concepção ainda se faça fortemente presente nas ações pedagógicas de muitos educadores, não podemos desconsiderar os avanços em todas as áreas do conhecimento e nem aceitar a apatia e/ou negação existente por parte dos mesmos, das possibilidades de minimização da força que o estigma de ser deficiente, ainda possui.

Conforme dados estatísticos publicados pelo Ministério de Educação, em 1999, no Brasil, eram atendidas cerca de 18.629 (dezoito mil seiscentos e vinte e nove) pessoas cegas e com visão reduzida, nos diversos níveis e modalidades de ensino e atendimento, a saber: creche (770), Pré-escola (1404), Ensino Fundamental (11.924), Ensino Médio (876), Educação de Jovens e Adultos (751) e Outros31 (2.904). Em 2000, conforme dados de Censo/IBGE, a matrícula escolar geral em relação a população deficiente visual era de 1,13%.

O atendimento educacional às pessoas cegas e com visão reduzida também tem ocorrido em: sala de estimulação essencial32, oficina pedagógica33,

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Não especificada pela Secretaria de Educação Especial, mas entendemos que sejam as matrículas em: Escola especializada que prestam atendimento psicopedagógico, de Orientação e Mobilidade, de Atividades de Vida Diária, Classe Especial e no Ensino Itinerante.

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Sala destinada a atender crianças na faixa etária entre zero a três anos, cujo diagnóstico indique cegueira ou visão reduzida. A estimulação essencial ou precoce, constitui-se num conjunto de estímulos e de treinamentos adequados oferecidos nos primeiros anos de vida a crianças já identificadas como deficientes, com atraso no desenvolvimento e àquelas consideradas de risco.

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Local onde são desenvolvidas atividades que possibilitam o desenvolvimento de habilidades e aptidões que habilitam os deficientes visuais para o mercado de trabalho.

classe hospitalar e em classe comum com, ou sem apoio educacional em sala de recursos, e/ou com apoio de professor itinerante, como é o caso aqui em Natal/RN da Escola Estadual Padre Miguelinho, pioneira na inclusão de pessoas cegas em salas de aula comum, a partir da 5ª série e, posteriormente, o Instituto Educacional Casa Escola, nosso campo de pesquisa, na qual estão matriculadas e frequentando, uma criança cega no Ensino Fundamental e uma criança com visão reduzida na Educação Infantil.

No Estado do Rio Grande do Norte, conforme dados do IBGE/Censo de 2000, a incidência demográfica de pessoas com deficiência visual era de 13.884, de uma população estimada em 2.776.782.

Em 2001, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte matriculou duas pessoas cegas e uma com visão reduzida aprovadas nos cursos de Administração, Filosofia e Ciências Sociais, respectivamente.

Para atender às necessidades educacionais de educandos cegos e com visão reduzida, além dos currículos e programas definidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96), deverão ser incluídos na grade curricular dos cursos, os conteúdos programáticos específicos relativos a: Orientação e Mobilidade, Atividades de Vida Diária (AVD) e aprendizagem da Escrita Cursiva, sobre os quais nos deteremos a seguir.

2 Em busca da autonomia e independência desejadas.

Para que se possa realizar um movimento com estabilidade e proporção, será necessário que haja uma orientação apropriada para o relacionamento com o espaço onde a ação será executada. Quando isto é alcançado, a mobilidade poderá acontecer de forma segura e eficaz. Daí inferir-se que, no movimento de uma pessoa através do espaço, a orientação vem em primeiro lugar e a mobilidade em segundo.

Amiralian (1997) considera a restrição na mobilidade uma consequência inerente à ausência de estímulo visual. Podemos confirmar isso quando levamos em consideração que a busca de objetos é uma condição fundamental para que a criança comece a engatinhar, o que será retardado devido à ausência dos estímulos visuais externos.

Fraiberg e Freedman (apud AMIRALIAN, 1997, p. 62) afirmam que a dificuldade no desenvolvimento da locomoção, induzida pela cegueira, interfere na descoberta do mundo pela criança cega, pois essa

depende intensamente da locomoção para fazer distinções cruciais entre o self e o mundo externo e construir o mundo objetal, mas, por outro lado, a ausência da visão impede o estabelecimento da mobilidade.

A criança cega tem pouca evidência da estrutura do espaço que a rodeia. Até poder movimentar-se no sentido de descobrir essa evidência, aumenta a necessidade de mobilidade para adquirir informações, porém, há uma ausência de motivação que,

normalmente, é proporcionada pela visão. As reações naturais à imprevisibilidade, o retraimento, o medo e a desconfiança, que geralmente a criança cega demonstra, são fatores que retardam a mobilidade e o comportamento exploratório.

Portanto, é de suma importância que a criança cega seja, o mais cedo possível, incentivada a descobrir os objetos, a adquirir informações e a encontrar soluções adaptativas e criativas que lhe proporcionem uma relação saudável com o mundo externo.

Partindo desse princípio, recorremos à definição de Orientação e Mobilidade para pessoas cegas ou com deficiência visual, conferida por Rhein (apud BRUNO, 1993, p,13):

Orientação - habilidade do indivíduo para perceber o ambiente que o cerca, estabelecendo as relações corporais, espaciais e temporais com esse ambiente, através dos sentidos remanescentes. A orientação do deficiente visual é alcançada através da utilização da audição, aparelho vestibular, tato, consciência cinestésica, olfato e visão residual, nos casos de pessoas portadoras de baixa visão.

Mobilidade - capacidade ou estado inato do indivíduo de se mover reagindo a estímulos internos e externos, em equilíbrio estático ou dinâmico. A mobilidade do deficiente visual é alcançada através de um processo ensino-aprendizagem e de um método de treinamento que envolve a utilização de recursos mecânicos, ópticos, eletrônicos, animal (cão-guia) em vivências contextualizadas, favorecendo o desenvolvimento das habilidades e capacidades perceptivo-motoras do indivíduo (idem).

Um programa de Orientação e Mobilidade é individualizado e deverá levar em consideração, na sua elaboração, os aspectos biopsicosociais, as condições sensório-

motoras, as experiências de vida, necessidades e interesses da pessoa cega ou com visão reduzida.

Como pontos básicos para o desenvolvimento do programa, são apontados por Bruno (1993): o conhecimento do esquema corporal; o treinamento dos sentidos remanescentes; o desenvolvimento da linguagem; a postura; o equilíbrio; a correção no andar; o desenvolvimento de técnicas específicas de mobilidade, como o uso da bengala longa. Este trabalho deve ser orientado, conforme a autora, por um profissional especializado, tal podemos ver na figura 16:

FIGURA 16. Aula de Orientação e Mobilidade.

A restrição do desenvolvimento desses aspectos pode acarretar problemas de depressão, tédio e falta de espontaneidade, além de movimentos rítmicos e repetitivos do corpo, tais como movimento da cabeça para um lado e para o outro, hábito de apertar os olhos ou de bater com as mãos na cabeça, denominados de maneirismo ou ceguismos, frequentemente observados entre os cegos. Para Amiralian (1997), estes movimentos servem como substitutos de uma atividade muscular normal e como descarga do impulso agressivo.

O maior problema causado pela manifestação desses comportamentos pelos cegos parece ser o impacto que causa nas outras pessoas. São, portanto, atitudes consideradas negativas porque prejudicam as relações sociais entre a criança cega e as crianças videntes.

O outro conteúdo a ser considerado na grade curricular, conforme já citado, são as Atividades de Vida Diária – AVDs (Figuras 17 e 18), que se constituem em atividades desempenhadas rotineiramente pela própria pessoa, em casa ou fora dela. O treinamento dessas atividades, tal como afirma Bruno (1993), envolve o desenvolvimento de habilidades físicas, mentais e sociais que proporcionam o máximo de independência e autonomia ao indivíduo, frente às necessidades do cotidiano.

FIGURA 17: Aula de AVD - crianças cegas alimentando-se.

Fonte: Internet – Site: http://www.laramara.org.br– Acesso em 23/08/2003.

O programa de Atividades da Vida Diária constitui-se, basicamente, no treinamento de habilidades referente à: alimentação; higiene pessoal (vide figura 19) e ao vestuário; aparência pessoal; higiene e arrumação da casa; administração do lar; comunicação pelo telefone; verificação de horas; enfermagem caseira, boas maneiras, entre outras.

FIGURA 18: Aula de AVD - Criança lavando as mãos.

O terceiro conteúdo a ser considerado no ensino da pessoa cega é a Escrita Cursiva que se configura no aprendizado desta, para que possa assinar seu nome, de próprio punho. Para tanto, precisa que se trabalhe as suas habilidades psicomotoras, levando-a a captar, inicialmente, a configuração das letras cursivas em alto relevo.

Em relação aos recursos que poderão ser utilizados por alunos cegos ou de visão reduzida, nos sistemas de ensino, os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (1999, p.45) sugerem:

a) Materiais desportivos adaptados: bola de guizo e outros;

b) Sistema alternativo de comunicação adaptado às possibilidades do aluno: Sistema Braille, tipos escritos ampliados;

c) Textos escritos com outros elementos (ilustrações táteis), para melhorar a compreensão;

d) Posicionamento do aluno na sala de aula de modo que favoreça sua possibilidade de ouvir o professor;

e) Deslocamento do aluno na sala de aula para obter materiais ou informações, facilitado pela disposição do mobiliário;

f) Máquina Braille, Reglete, Punção, Sorobã, bengala longa, livro falado; CCTV34; lupas, computador com sintetizador de voz e sistema Dosvox; impressora Braille; recursos ópticos;

g) Material didático e de avaliação ampliados para os alunos com baixa visão e em Braille para os cegos;

h) Apoios físicos, verbais e instrucionais para viabilizar a orientação e mobilidade, visando à locomoção independente do aluno.

Existem, atualmente, outros recursos disponíveis no mercado, como scanners que decodificam textos comuns, permitindo a leitura sonora pelo cego; canetas ópticas

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CCTV é um equipamento portátil para leitura de textos. Pode ser conectado a uma televisão normal pelo canal de VCR (Vídeo). O CCTV aumenta 20x o tamanho da letra em um monitor de 13 polegadas,

30x em um monitor de 20 polegadas e assim sucessivamente.

Transmite imagens com cor total, preto e branco ou com 24 cores selecionáveis (Frente e fundo da imagem). Pode ser conectado a um monitor de TV (NTSC ou PALM) ou monitor de TV sistema S-vídeo ou ainda a um monitor de SVGA ou VGA, incorpora sistema de comutação de imagem intercalada ou não. Ampliação de 4 à 40x - Alimentação 110/220VAC. (http://bengalabranca.org.br)

que, ao serem passadas em texto com luz, transmitem o som através de um alto falante; impressora que imprime textos em Braille; softwares; calculadoras, agendas e relógios sonoros e em Braille.

Embora de uso ainda muito restrito, por serem de custo elevado, esses avanços tecnológicos, sem dúvida, trouxeram grandes benefícios para as pessoas cegas, alargando as perspectivas de comunicação e de trabalho.

Podemos afirmar, enfim, que o caminho percorrido até aqui pelas pessoas cegas, nos proporcionou ver e, de certa forma, participar dos progressos de uma luta histórica pela conquista de ter os seus direitos reconhecidos e respeitados legal e socialmente.