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FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO

CAPITULO 1 TRILHANDO OS CAMINHOS DA PESQUISA

3. Desenvolvimento da pesquisa

Foi com base numa concepção do conhecimento enquanto ação criadora e permanente que planejamos nossa pesquisa de forma a não ficarmos limitada à descrição ou à avaliação do objeto pesquisado, pois entendemos que, no contexto da construção ou reconstrução do ensino, esses dois elementos não bastam para

contribuir, de maneira efetiva, para uma possível mudança desse processo que, historicamente, tem sido individualista e excludente.

Pela problemática, especificidade e escassez de pesquisas realizadas em nosso Estado na área estudada, decidimos conduzir um estudo de caso, utilizando, como recurso metodológico, a pesquisa participante, que permite o envolvimento cooperativo ou participativo, entre a pesquisadora e pesquisados – educandos, educadores e pais, ao mesmo tempo em que contribui para o alcance dos objetivos teóricos da pesquisa, no contato com as situações abertas ao diálogo entre aqueles que fazem parte da mesma.

Durante este processo desenvolvemos a forma de raciocínio projetivo que, conforme Thiollent (1998), é um método que nos permite utilizar conhecimentos prévios, de acordo com regras ou critérios a serem concretizados na discussão com as pessoas envolvidas na investigação. Nesta visão, o discurso dessas pessoas é valorizado como fonte privilegiada de informações sobre o objeto pesquisado, através de estratégias e procedimentos que permitem considerar, como critérios de validade e legitimidade, as experiências dos informantes frente à realidade.

Assim, na interrelação com o objeto de estudo, buscamos produzir efeitos no campo da investigação através da informação/formação e ações didáticas específicas junto à criança investigada, seus professores e demais alunos da classe que, ao nosso parecer, contribuíram para consolidar e ampliar a prática educacional da inclusão da mesma no sistema regular de ensino.

Para tanto, revestimo-nos da possibilidade que a pesquisa participante oferece de agir sobre o objeto de estudo através da proposição de ações que correspondesse às exigências da situação investigada que, por sua vez, pode ser

reconhecida através do desenvolvimento da observação participante ou ativa que se constitui numa “técnica através da qual se toma conhecimento da vida de um grupo a partir do interior dele mesmo” (GIL, 1999, p. 113), da análise da situação e por meio de uma avaliação das possibilidades de realização das ações propostas, em conjunto com os diferentes interlocutores envolvidos na pesquisa.

Essas ações, todas elas perpassadas dos saberes por nós construídos, ao longo dos anos, na área do ensino para o deficiente visual, foram enriquecidas com diferentes procedimentos didáticos: planejamento, delineamento de objetivos e atividades, estudos e discussões coletivas, utilização de suportes materiais característicos, adaptados ou não, suscetíveis de favorecer a aprendizagem e a socialização do aluno cego no contexto escolar, e de permitir atingir os objetivos pretendidos na investigação.

Nesta visão reconstrutiva, a concepção das atividades pedagógicas e educacionais não é vista, simplesmente, como transmissão ou aplicação de informação, mas como ação conscientizadora, porque investiga a disposição em conhecer e agir, de modo racional, frente ao objeto investigado.

Os resultados são prontamente divulgados e discutidos buscando, assim, gerar e preparar mudanças coletivas nas representações, comportamentos e formas de ação, isto porque gera, como afirma Thiollent (1998, p. 76) “questionamentos a partir dos quais são levantados e discutidos os vários aspectos da realidade, dos objetivos e dos critérios de transformação”.

Para obtenção dos dados da pesquisa, utilizamos, também, outros procedimentos básicos, tais como a pesquisa bibliográfica, denominada por Lakatos

(1996) de pesquisa de fontes secundárias, e a pesquisa documental, cuja única diferença em relação à anterior, está na natureza das fontes (GIL, 1999).

Por meio destas, procuramos selecionar, no acervo da literatura existente: livros, revistas, teses, artigos, documentos oficiais (resoluções, projetos, programas) e documentos legais (leis, decretos), documentários, filmes, dados bibliográficos e estatísticos acessados na Internet, os elementos que nos subsidiassem com informações pertinentes e atuais sobre a deficiência visual, a inclusão e, mais especificamente, sobreestratégias de ensino plausíveis de favorecer aos alunos cegos a apreensão, organização e sistematização dos conhecimentos escolares.

Sentimos a necessidade, também, de recorrer a Centros Especializados na área da deficiência da visão, como o Instituto de Educação e Reabilitação de Cegos do Rio Grande do Norte - IERC –, a fim de obtermos informações mais precisas no âmbito psicossocial, visto não ser frequente ainda em escolas comuns, em Natal/RN, a presença da criança cega. Salientamos que a nossa experiência de formação profissional em um desses centros especializados - o Instituto Benjamin Constant /RJ – IBC, em muito contribuiu para as intervenções realizadas no contexto da escola escolhida como campo de pesquisa.

A princípio, a investigação de campo foi realizada no segundo semestre do ano 2001 em uma escola da rede pública sediada na zona Leste da cidade do Natal/RN. Dizemos a princípio, porque elegemos inicialmente para a realização da pesquisa a única escola da rede municipal que recebera, naquele ano, um aluno parcialmente cego (cego de um olho e com visão reduzida no outro) matriculado na primeira fase do Ensino Fundamental.

Na instituição referida, iniciamos a aplicação de alguns procedimentos a que nos propuséramos pôr em prática, tais como: observação, realização de entrevistas (com pais, professores, gestores, alunos, técnicos, funcionários), seminário de apresentação da pesquisa aos educadores e estudos pontuais sobre a importância das relações interpessoais na escola, e sobre a deficiência visual e suas implicações pedagógicas.

Também elaboramos e orientamos a professora do aluno investigado na aplicação de um sociograma, baseado, principalmente em Vayer (1989). O sociograma é um elemento essencial do método sociométrico utilizado para o estudo das relações interpessoais de afinidade nos pequenos grupos, constituindo-se numa técnica que consiste em representar graficamente as relações interpessoais num grupo de indivíduos, mediante um conjunto de pontos (os indivíduos) conectados por uma ou várias linhas (as relações interindividuais).

Embora todas as ações, então descritas, tenham sido efetivadas, não nos foi possível avançar rumo à concretização dos objetivos da investigação devido a vários intervenientes externos e internos da instituição.

A turma em questão era atípica, ou seja, fora organizada com 20 (vinte) crianças há três anos repetentes e que, paralelamente a sérios problemas de aprendizagem e comportamentais e de ordem social, também era desassistida do ponto de vista didático-pedagógico. Em outras palavras, nessa escola fora formada uma Classe Especial, nos moldes da década de 70, quando se propagava, aqui no Brasil a Teoria da Normalização, o que fere, como é sabido, os princípios atuais da Inclusão escolar. Dentre estas crianças, encontravam-se uma com deficiência mental e outra com deficiência visual. Esta última, pouco comparecia à aula e quando ia negava-

se a fazer as atividades propostas pela professora. Com a autoestima muito baixa, sentia-se ‘abandonada’ e ‘excluída’ pelos colegas de turma e pela própria professora. Geralmente, estava, na maioria das vezes, sozinha pelos cantos ou tentando chamar a atenção da professora de forma bastante agressiva.

Esse comportamento reflete a realidade de uma escola que, por mais que alhures a educação tenha realizado indiscutíveis avanços, não consegue atender as reais necessidades dos alunos, por encontrar-se pautada em princípios e em métodos de ensino que repassam as culturas superficialmente envernizadas, distantes, confusas e inúteis, negligenciando os saberes da experiência e as possibilidades de cada um.

Escola, cujo teor nos faz reportar às existentes nos séculos XVI e XVII, consideradas por Comenius (1997, p. 105) como verdadeiros “espantalhos para crianças e tortura para a mente” e, que, por assim se constituírem, forçavam muitos alunos a abandonarem-na, preferindo ocupar-se de algum ofício artesanal ou de outras atividades.

Na atualidade, estão claros aos olhos de quem quer enxergar, os resultados de uma escola que baseia suas ações em concepções que negam o saber e as possibilidades de cada um, que não consegue seduzir os seus alunos para os estudos, que não respeita a maneira como cada um aprende.

Muitos buscam, assim como o aluno do campo de pesquisa, chamar a atenção de todos, de forma agressiva ou distante, ou ainda, abandonam a escola substituindo-a por alguma atividade da economia informal, quando a sobrevivência exige, ou simplesmente, vagueiam pelas ruas entregues a outras ocupações, tais

como: flanelinhas, limpadores de pára-brisas, vendedores de balas nos sinais, cheirando cola para matar a fome ou para impingir-lhes coragem para roubar.

Longe de nós a veleidade de pretender pôr na escola a responsabilidade do total fracasso escolar de seus alunos, nem de suas ‘opções pessoais’ 8

: ela é apenas uma célula do organismo social que, por sua vez, é complexo. Entendemos que ela se constitui na segunda instância de formação do humano e que, portanto, não pode fugir ao compromisso de formar cidadãos conscientes de suas responsabilidades em relação ao mundo e a si próprios, de assumir um ensino mais próximo da realidade de seus alunos; apresentando um mundo que se configure, se represente, se constitua e adquira significado, e que ao significar-se, signifique efetivamente a cada um para que, então, possam agir sobre ele, conscientemente.

Em outras palavras: é função da escola fazer com que os alunos se sintam verdadeiramente incluídos, presentes, respeitados e valorizados, percebendo nela um espaço que oportuniza a tomada de consciência do mundo e, conseqüentemente de si mesmos. Consciência esta, entendida como a forma mais elevada de representação da realidade, constituída através da atividade humana para orientar-se por meio de um processo de troca de valores e de saberes que constituem a herança mínima para o homem se integrar e participar na sociedade (SILVA, 1997, p. 100).

É importante que a escola oportunize a seus alunos a adquirirem consciência política, que, por sua vez, implica na aquisição da consciência histórica, da compreensão da realidade, da aceitação das diferenças e do reconhecimento da importância das mesmas para todos no processo da evolução humana e social. Que instigue os educandos a buscarem soluções para os problemas que surgem na

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tentativa de reformular o que é ideológico e socialmente imposto; conhecer e lutar pela validação dos direitos de todos através da organização e de ações que valorizam a condição de cada um ser e estar no mundo.

Retomando o processo vivenciado na instituição campo de pesquisa, conscientes de que um estudo de campo exige que se obtenha o maior número de informações possíveis, a fim de que se esclareça e compreenda o caso investigado, achamos oportuno conduzir novas investigações em outro campo de pesquisa, que nos possibilitasse obter dados coerentes com os objetivos propostos. Esta decisão foi reforçada após um alerta da então vice-diretora da escola sobre a possível evasão (ainda não confirmada) da criança investigada e de seu possível envolvimento com drogas. Sob parecer favorável de nossa orientadora, passamos, pois, a centrar nosso estudo neste segundo campo de investigação.

Dessa fase inicial do desenvolvimento de nossa investigação científica fica o aprendizado para futuras pesquisas, das possíveis dificuldades e entraves que podem surgir ao se abordar problemáticas dessa ordem, quando no campo de pesquisa escolhido encontram-se confusos, no pensamento e na prática de seus educadores, os princípios reais do processo de inclusão. E que, mesmo sem fugir às expectativas de ver este processo realizado, aposta em estratégias em que a segregação em classes especiais abre, para a sociedade, a possibilidade, menos ‘perigosa’ de se integrar pessoas com dificuldades especiais no contexto escolar e, posteriormente em outros segmentos sociais.

Um outro fator que consideramos relevante para a não consecução de nossos objetivos na instituição investigada foi o fato de sermos vista, pelos membros da escola, mais enquanto técnica da Secretaria de Educação do que enquanto

pesquisadora. Até mesmo pela condição em que chegamos até lá – como técnica, pessoa da Equipe de Educação Especial que, no imaginário dos educadores, seria capaz de resolver o grande problema criado pela escola, a ‘classe especial’, que eles não estavam sabendo como solucionar, e, para tanto,contavam com a intervenção da Secretaria de Educação.

No segundo semestre do ano de 2002, investigamos uma outra realidade - uma escola particular, a única em Natal/RN com um aluno cego nas séries iniciais do Ensino Fundamental e que vem, ao longo de uma década, primando pela aceitação e respeito à diversidade como combustíveis básicos para que todos tenham acesso ao saber e ao exercício da cidadania.

Iniciamos a investigação acreditando que, por ser uma escola que apresenta estrutura, instrumentos, meios, envolvimento familiar, concepção de ensino e aprendizagem voltada para a construção do conhecimento, favoreceria, até por sua própria história, a aquisição das informações necessárias à compreensão do objeto estudado: estratégias de ensino utilizadas com uma criança cega para organização e sistematização dos conhecimentos escolares.