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FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO ESTUDO

CAPITULO 1 TRILHANDO OS CAMINHOS DA PESQUISA

4. Refazendo caminhos

Coerente com a nossa opção teórico-metodológica, reiniciamos a pesquisa de campo, utilizando os mesmos caminhos trilhados na escola anterior. Ou seja, iniciamos com a apresentação de nosso propósito à diretora e à coordenadora pedagógica da escola, novo campo de pesquisa, que nos acolheram com alegria, dando-nos informações iniciais sobre a criança cega e o caminho percorrido no

processo de inclusão com todas as demais crianças matriculadas que apresentam necessidades educacionais especiais. Também colocaram à nossa disposição registros e relatórios da própria criança e da equipe pedagógica, dados de matrícula e nos apresentaram a professora do aluno cego, que se mostrou receptiva e disposta a colaborar na pesquisa a ser empreendida.

A diretora e a coordenadora expuseram, em linhas gerais, o processo de inclusão até então vivido com e pela criança cega, sua situação em termos de aprendizagem, a relação com a cegueira e como se estabelecia à relação entre a escola e a sua família. A partir dessa conversa inicial e informal pudemos identificar as expectativas e estabelecer uma avaliação inicial da situação, características da população a ser investigada (número de professores, nível educacional), problemas prioritários e ações efetivadas, tais como: apoios, resistências, convergências e divergências, posições otimistas e céticas frente ao processo de inclusão, aprendizagem e desenvolvimento do aluno cego matriculado.

Em razão do calendário de atividades da escola, não tivemos a oportunidade de aplicar, a essa altura do calendário escolar, o seminário para examinar, discutir e tomar decisões acerca do processo da investigação pretendida, junto a todo o corpo docente da escola. Visando a consecução dos mesmos objetivos, esta tarefa foi substituída, posteriormente, por uma palestra (Figura 1), durante a Semana Pedagógica9, para todos os professores, sobre os procedimentos didáticos e relacionais possíveis de serem efetivados no processo de ensino e aprendizagem de uma criança cega, visto que, no ano seguinte, o aluno mudaria de turma, turno e professora.

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FIGURA 1: Momento da palestra: “Adaptações de materiais para o ensino com crianças cegas”,

por Luzia Guacira dos Santos Silva. IECE/NATAL/16/06/2003.

Neste momento, aproveitamos a oportunidade para seguir os passos indicados por Thiollent (1998): apresentamos nosso projeto – tema, objetivos, metodologia e dados da avaliação inicial e propusemos a constituição de um grupo de estudo com o objetivo de estar intervindo nas interpretações, buscando soluções, definindo diretrizes de ação, acompanhando-as e avaliando-as no processo.

O grupo de estudos foi posteriormente formado, com a participação da diretora, da psicóloga e das quatro coordenadoras pedagógicas (correspondentes às modalidades de ensino desenvolvidas na instituição – Educação Infantil (Jardim e Alfabetização), Educação Fundamental I e II) da escola, campo de pesquisa.

Iniciamos no dia 26 de agosto o período de observação participante que, de acordo com as ponderações do antropólogo Florence Kluckhon (apud MARTIN,1996, p. 103 -108):

facilita o rápido acesso a dados sobre situações habituais em que os membros das comunidades se encontram envolvidos; possibilita o acesso a dados que a comunidade ou grupo considera de domínio privado e possibilita captar as palavras de esclarecimento que acompanham o comportamento dos observados.

A observação participante nos favoreceu o conhecimento de alguns dos mecanismos utilizados pela criança cega na aquisição dos conhecimentos e, também, dos procedimentos utilizados pela comunidade escolar a favor da inclusão, pois como reforça Lakatos (1992, p.107): a “observação utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade. Não consiste apenas em ver e ouvir, mas também em examinar fatos ou fenômenos que se deseja estudar”.

Este tipo de observação não se constitui em uma tarefa fácil, pois requer um grande dispêndio de tempo por parte do pesquisador para uma efetiva aproximação com todos os componentes da base investigada, porémé também um dos métodos, conforme destaca May (1999, p. 27):

que mais recompensa, produzindo fascinantes discernimentos (insights) nas vidas e nas relações sociais das pessoas e, muitas vezes, contribui para preencher as lacunas entre a compreensão das pessoas sobre estilos alternativos de vida e os preconceitos que a diferença e a diversidade encontra.

Para tanto, preparamos uma ficha (ANEXO A), para registro das atividades desenvolvidas em sala de aula e fora dela e, uma outra ficha (ANEXO B), de

acompanhamento bimestral com pontos a serem observados, especificamente, sobre o desenvolvimento psíquico, motor, afetivo e cognitivo do aluno cego.

As observações nos permitiram um contato direto, em classe, com a professora e os alunos e vivenciar atividades sistemáticas. A princípio, a curiosidade das crianças em torno da nossa pessoa e do que estávamos fazendo ali, foi resolvida quando a professora nos apresentou ao grupo e falamos sobre o trabalho que estávamos querendo desenvolver.

Aos poucos, fomos adquirindo a confiança do grupo e, também, adquirindo o status de professora auxiliar, a quem todas as crianças recorriam quando sentiam alguma dificuldade, ou para pedir opinião sobre algo que estavam fazendo.

Ao todo foram realizadas 10 sessões de observação direta em classe, com duração média de 3 horas cada, três vezes por semana, num período de dois meses, devidamente anotadas nas fichas de registro das atividades desenvolvidas. Privilegiamos as aulas da professora titular, após as quais conversávamos e lhes dávamos algumas sugestões. Todavia, observamos também aulas dos professores de Inglês, Educação Física, Informática e Artes, a fim de registrarmos como se processava a relação da criança cega com os demais professores destas áreas e as estratégias de ensino utilizadas por eles no desenvolvimento dos conteúdos propostos. Alguns limites foram percebidos durante o período de observação, ocasionado pela impossibilidade em acompanhar todas as situações de aprendizagem ocorridas e, também, por ter sido um período de muitas atividades: aplicação de avaliações, ensaios, semana da poesia, jogos internos. Sentindo a necessidade de mais elementos para o enriquecimento da análise posteriormente desenvolvida, recorremos, neste mesmo período, à expressão verbal e direta dos professores,

alunos e funcionários do turno vespertino, a fim de ampliarmos as informações recolhidas durante a observação em sala de aula, as quais se constituíram em fontes de coletas complementares às observações.

Desta forma, paralelamente às observações, realizamos durante o intervalo de aulas, as entrevistas estruturadas de tipo aberta (ANEXO C), orientada por um roteiro comum, para cada segmento do conjunto da população escolar do então campo de pesquisa, do turno vespertino: diretora, orientadora educacional, professores, alunos.

Porém, antes de aplicarmos as entrevistas, realizamos um pré-teste com professores da mesma escola, do turno matutino, para poder validar o instrumento inicial de coleta dos dados, analisando-o quanto à sua compreensão, pertinência, ao tempo gasto e à fidedignidade das respostas dadas pelos entrevistados.

Optamos pela entrevista por acreditarmos, de acordo com Gil (1991, p. 114), que esse instrumento, em razão de sua flexibilidade, pelo fornecimento de informações mais completas e pelo contato direto com o entrevistado,

possibilita a obtenção de maior número de respostas [...] oferece maior flexibilidade, posto que o entrevistador pode esclarecer o significado das perguntas e adaptar-se mais facilmente às pessoas e às circunstâncias em que se desenvolve a entrevista [...].

Outro aspecto a ser destacado é que este instrumento é muito adequado para a obtenção de informações “acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a respeito das coisas precedentes” (GIL, 1991, p.117).

As questões propostas buscam a compreensão da percepção dos sujeitos investigados acerca do processo de inclusão; sobre a implantação deste (providências tomadas em relação a materiais, informações, adaptações curriculares, atividades, avaliação, aceitação da criança cega e a relação, desta, com as demais); sobre o acesso da criança cega à instituição (quando, como, quais reações foram suscitadas entre pais, alunos e profissionais da escola); sobre as estratégias usadas para que a criança cega organize e sistematize os conhecimentos científicos10 trabalhados na escola; das dificuldades de compreensão ou de expressão frente ao desenvolvimento de ações pedagógicas inclusivas e sobre a percepção da criança cega sobre o seu desenvolvimento na escola.

Nas entrevistas com os professores, diretora e coordenadora pedagógica buscamos captar a percepção individual de como encaram o processo de inclusão dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em particular da criança cega, no contexto da escola, as vantagens e desvantagens, bem como a percepção pessoal sobre a criança em questão e sobre si mesmos enquanto educadores, frente ao processo de inclusão escolar desses educandos que, na realidade da instituição campo de pesquisa, se configura como irreversível.

Com as crianças que eram colegas de turma do aluno cego e inclusive com o próprio aluno, tentamos apreender como se sentem na relação que estabelecem uns com os outros, como se percebem no contexto escolar, se se sentem valorizados e respeitados, qual importância que dão à escola e ao convívio entre os mesmos.

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Quando falamos conhecimentos científicos estamos nos referindo àqueles construídos e sistematizados historicamente pela humanidade.

Junto à mãeda criança cega, o roteiro da entrevista converteu-se em questionário devido à dificuldade de encontrá-la pessoalmente. Nas questões propostas, buscamos captar: a sua percepção sobre o filho e quais as expectativas que tem para o seu futuro; a relação que estabelece com o mesmo; a patologia e fisiologia que ocasionou o problema visual; quais os tipos de atendimento especializado que a criança recebeu, bem como quando, onde e por quê os recebeu; qual a razão de tê-lo matriculado numa escola que promove a inclusão; quais as barreiras que teve de enfrentar junto à comunidade escolar; o que, em sua opinião, a criança acha do ambiente escolar, dos colegas e professores; quais os avanços e dificuldades essa criança tem sentido nesse contexto e o que a escola poderia estar fazendo para aprimorar o trabalho que vem desenvolvendo.

Antes da realização das entrevistas, colocamos cada um dos entrevistados a par: do objetivo da pesquisa; de como ela se processaria; da necessidade de registrarmos – com a permissão dos mesmos - a fala, por meio de gravação para, depois, transcrevê-la na íntegra; da certeza do anonimato, frente às informações, se assim o desejassem; da importância de sua colaboração para a escola e, consequentemente, para a comunidade de modo geral, pois acreditamos que, certamente, essa se beneficiará com os resultados da pesquisa.

Todas as entrevistas com os informantes já citados foram realizadas na própria escola, com a resistência de apenas duas professoras, que sempre encontravam uma desculpa para não concedê-la.

Outra técnica utilizada foi àdiscussão de textos com a equipe técnica e administrativa da escola, e, em especial, com a professora do aluno cego,sobre temas específicos na área de ensino para a criança com deficiência visual, procedimentos

didáticos e desenvolvimento de atividades. Todos esses procedimentos foram utilizados porque entendemos que a sua diversidade propiciaria a análise interpretativa dos dados obtidos de forma a superar a linearidade (extensão) chegando à intensidade, à essência do objeto pesquisado.

Os estudos em grupo e com a professora do aluno, sujeito principal da pesquisa, e o registro das mesmas, favoreceram o momento da análise dos dados, a reflexão sobre os resultados obtidos, bem como o encaminhamento de ações que foram efetivadas no decorrer da pesquisa.

O tratamento dado às informações obtidas através das observações, entrevistas, reuniões de estudo e documentos exigiu a articulação com os aspectos teóricos, de forma permanente, para que pudéssemos explicitar o pensamento dos interlocutores sobre a relação estabelecida entre o grupo e com o processo de inclusão e, também, explicitar os fundamentos teóricos que embasam as estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas para favorecer a aprendizagem dos conhecimentos científicos pela criança cega inserida no grupo. Para tanto, vimos a possibilidade de não nos atermos a um único procedimento de análise, pois acreditamos ser possível construí-la por várias vertentes.

Assim, para as informações obtidas nas entrevistas com os professores, utilizamos a técnica da Análise Proposicional do Discurso, considerada como um dos mais rigorosos e fidedignos métodos de análise de discursos, e com ampla aplicabilidade na pesquisa em Ciências Sociais, Humanas, e nas Ciências da Educação. Esta técnica foi formulada por Rodolphe Ghiglione e seus colaboradores, em Paris VIII, França.

Esta opção também ocorreu devido a uma certa familiaridade com a técnica, por nós utilizada, anteriormente, em nossa pesquisa de mestrado, e por entendermos que ela nos conduziria a uma melhor compreensão, através da interdiscursividade proposicional, das concepções que embasam a percepção da cegueira, a relação estabelecida com o aluno cego, bem como os meios que se utilizam para propiciar um processo de ensino e aprendizagem que lhe seja significativo.

Isto porque a APD está delineada por um rigor metodológico que não é comum em outros modelos de análise, além de nos permitir, em conformidade com Pires (1995, p. 28), “evitar a subjetividade de codificação, uma vez que não entram os aspectos paraverbale não verbal na apreensão dos significados do discurso”, ou seja, a análise envolve o que é escrito ou falado por quem discursa, desconsiderando aspectos como, por exemplo, silêncios, hesitações, gestos, cuja interpretação envolve maior grau de subjetividade do pesquisador.

O processo de desenvolvimento da Análise Proposicional do Discurso, em síntese, inicia-se com a divisão ordenada do texto das falas dos entrevistados, em proposições (orações). Em seguida, identificam-se os Núcleos de Referência (termos em torno dos quais se estruturam as diferentes ideias que aparecem no discurso) e as Modulações Discursivas (nucleadas em torno das categorias verbais – verbos factivos, declarativos e estáticos; expressões adverbiais e os tempos: verbais – presente, pretérito e futuro; Modais – indicativo, subjuntivo, imperativo e infinitivo; e a Polaridade Proposicional – positiva, negativa ou neutra).

Em sequência, realiza-se a Reestruturação, ou Delinearização do texto de forma numérica (registro quantitativo das proposições e dos núcleos de referência), através da elaboração dos Modelos Argumentativos que são a codificação da estrutura

das proposições. Passa-se, então, à interpretação onde são questionados os dados obtidos, em função dos objetivos específicos da pesquisa. Analisam-se as formas de interação (entrevistador X entrevistado), a natureza das modalizações, os tipos e formas verbais, sua polaridade, as relações dos modelos argumentativos, numa perspectiva macro (considerando o contexto social, político, econômico no qual o discurso está inserido) e micro (perspectiva contextual do discurso).

Dividimos a análise de nossa pesquisa em duas partes. Apresentamos, inicialmente, os dados sobre o grupo familiar e os aspectos gerais sobre a escolaridade dos alunos, pensando em dar uma visão geral do contexto em que vivem as crianças e o perfil do grupo. Essa preocupação justifica-se pela necessidade de verificar quais as marcas que os sujeitos imprimem ao grupo, à criança cega, e ao processo de inclusão vivido pela escola, campo de pesquisa. Assim, tratamos, especificamente, das informações obtidas nas entrevistas e junto à secretaria da escola, dos aspectos referentes ao nível de instrução, profissão e dados referentes à idade, sexo e escolaridade.

A sistematização dos dados deu-se em interface com os aspectos teóricos e categoriais representativos dos elementos constituidores do pensamento sobre o grupo, sobre o processo de inclusão e sobre as estratégias de ensino aplicadas para favorecer a aprendizagem do aluno cego. Compreendemos que os sujeitos da nossa pesquisa são seres sociais que se produzem nas relações que estabelecem uns com os outros e que só esta relação, através de uma mediação consciente, poderá favorecer a aceitação do diferente, respeitando suas limitações, com elas convivendo e aprendendo.

Portanto, em nossa pesquisa, procuramos não só apreender a dinâmica e organização das estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas, mas também as relações estabelecidas com o aluno que, em nosso entender, é ponto fundamental para que a aprendizagem venha a tornar-se significativa, também, para a criança que apresenta necessidades educacionais especiais.