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9. A Mundialização da Cultura

9.3. A Educação e os Media

A propósito da relação escola, media e educação, começo a apresentação da problemática com um diálogo entre o Professor Tradicionalista e o Professor Comunicólogo e Tecnólogo que escrevi54.

Professor Tradicionalista – Estamos perdidos, a televisão está a baralhar a cabeça dos nossos alunos.

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Não é bem assim, temos é que ensiná-los a ser selectivos. E isso pode-se fazer na escola.

Professor Tradicionalista – Está bem, lá vens tu com as tuas modernices. Mas como seleccionar no meio de tanta violência?

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Bom, violência... Para já é difícil definir com rigor absoluto o conceito de violência na TV. Perguntei a um rapaz de 15 anos qual o

54Diálogo inspirado num outro escrito por Dan Speber (1992: 17) entre o crítico e o ortodoxo a discutirem

programa mais violento que ele conhecia e ele respondeu-me: o Big Show Sic. Ele acha o programa uma violência por ser um insulto à sua própria inteligência.

Professor Tradicionalista – Está bem, mas, para outros, possivelmente para uns milhões de pessoas, o Big Show Sic é muito divertido e nem lhes passa pela cabeça que alguém lhe chame violento.

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Bem, ambos os pontos de vista têm o seu fundo de verdade... Também se pode afirmar que muitas peças de Shakespeare estão imbuídas de violência física e verbal. Mas isso é necessariamente tornar o teatro, e aquela peça em concreto, violentos?

Professor Tradicionalista – Bem, lá vais tu outra vez por essa via. Mas queres comparar isso com a violência que alguns filmes transmitem? Os filmes de guerra, por exemplo, só transmitem violência.

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Há violência em todo o lado... Tu queres educar os teus alunos para uma sociedade que não existe? Os filmes de aventuras também têm violência, a violência está nas ruas, nas frases que tantas vezes tu próprio usas, nas relações sociais em geral...

Professor Tradicionalista – Então e não te parece que, por isso mesmo, deveríamos desaconselhar os alunos os pais, os nossos filhos a não verem cenas violentas? Que televisão queres então usar na escola para a educação para a não-violência?

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – O assunto não pode ser visto em termos de causa-efeito. A transmissão da violência não é linear. A violência reveste-se de imensas formas e é muito difícil hoje qual ou quais os efeitos negativos sobre as crianças e as pessoas em geral.

Professor Tradicionalista – Então, se não se conhecem os efeitos, o melhor mesmo é procurarmos que a escola apresente alguns cuidados a ter... talvez ensinar a saber criticar os programas televisivos?!

Professor Comunicólogo e Tecnólogo – Isso talvez... Por aí estou de acordo. Educar para o sentido crítico, saber ver, saber ler e pensar a televisão. Não passar a ser um homo videns passivo e acomodado no sofá. Por outro lado, repara que os palhaços do circo não

seriam divertidos se não andassem à chapada. Também o cinema de animação não teria público se não tivesse alguma violência, mesmo o caso do Bambi...

Professor Tradicionalista – Por isso te estou sempre a dizer que isso deve competir à família. A família é que deve educar. Nós temos que primar pela transmissão da cultura científica... Temos que ensiná-los a ler, não é a ver televisão. Temos que ensiná-los a pensar.

O diálogo poderia continuar por aí fora.

Deixemos, contudo, aqui, a última palavra ao tradicionalista, ao ortodoxo. O crítico, o professor Comunicólogo terá a palavra mais vezes à frente e, quiçá, na discussão que ocorrerá no seminário.

De facto, há sempre vantagens e desvantagens que se podem encontrar, dependendo também da maneira como se vêem os programas. Como nos lembra Eduardo Cintra Torres, “a influência da televisão na vida das crianças e o tipo de conhecimentos e vivências que lhes transmite deveriam estar estudados de forma a permitir aos educadores e professores atender à relação dos mais novos com o ecrã. Para começar, deve conhecer-se quais os programas que os mais novos vêem.” (Torres, 1998: 145). “Em suma, as crianças não vêem exclusivamente programas infantis e vêem em primeiro lugar programas normalmente definidos como de adultos. Tendo em conta a vivência normal das famílias, conclui-se que as crianças vêem programas como as novelas e Big Show SIC na companhia dos pais […]. A TV dá-lhes a «cultura do trivial», da mesma forma que a escola lhes dá ou deveria dar a cultura geral. Com a televisão que os pais lhes deixam ver, as crianças aprendem depressa as manhas do amor e comportamentos da vida social nos empregos, na rua, nas festas, nos lares. Com a televisão, as crianças crescem mais depressa mesmo que não contactem com a vida real. Nesse sentido, a televisão poderá ser uma «ladra do tempo» de cultura, mas é ao mesmo tempo uma aceleradora do tempo de aprendizagem das regras da selva humana, a sociedade” (Torres, 1998: 146).

É indiscutível o peso da televisão na construção do repertório enciclopédico e comunicativo das crianças e jovens. Há como que uma concorrência da televisão com a escola: há uma ideologia universalista que tende a uniformizar e normativizar discursos, comportamentos, atitudes..., mas a TV prepara para esta uniformização com modelos e

formas sociais de relação com o mundo e a linguagem nem sempre coincidentes com os da escola. Os universos da escola e da televisão opõem-se pelas normas que os regem: À facilidade, a simplificação e imediatismo da TV, a escola contrapõe a complexidade do raciocínio, o esforço continuado e a reflexão crítica.

No campo da oralidade, a TV representa os modelos orais não valorizados ou mesmo ignorados pela norma escolar, o reforço e a legitimação de situações conversacionais diversas.

Como instrumento social, a TV parece ganhar à escola pela precocidade de intervenção. A crítica à televisão

Durante muitos anos os intelectuais não tomaram a televisão como objecto de estudo ou mesmo de crítica.

Mas, a pouco e pouco, muitos quiseram proibir o que não gostaram. A Caixinha mágica trouxe coisas para que a moral pública não estava preparada. Também os intelectuais começaram a ver entrar pelas suas casas dentro mundos e submundos culturais até então desconhecidos ou afastados para o mundo das margens. Muitos desligaram os televisores. Outros tornaram-se críticos embora continuassem a ver o que queriam proibir aos outros. Edgar Morin foi das excepções: “não sou apocalíptico, não sou dos que dizem que a TV destrói os valores e a cultura”.

Entre os mais críticos da televisão posicionou-se Karl Popper (1902-1994). No final da sua vida virou-se muito para a crítica à televisão. O seu pensamento tornou-se algo utópico e autoritário. “Popper achava que havia seres inferiores sem “maturidade” para estabelecer a distinção entre a realidade e a ficção. Chegou a defender a censura, embora mais tarde evoluísse para a proposta de criação de uma “licença” individual, atribuída por uma Ordem, a cada pessoa que trabalhasse em televisão. Popper considerava que “não pode haver democracia se não submetermos a televisão a um controlo, que a democracia não pode subsistir de uma forma duradoura enquanto o poder da televisão não for totalmente esclarecido” (Torres, 1998: 200)

Contrariamente, Edgar Morin refere que há muitas coisas medíocres na televisão, acrescentando que isso também ocorre na literatura e na política, mas, o facto

fundamental é que a televisão constitui um elemento importantíssimo de afirmação da democracia.

De facto “é a televisão que leva ideias novas a países ditatoriais, a sociedades fechadas que tentam impedi-las proibindo as parabólicas e através da censura. Em Portugal, foi a televisão que contribuiu para divulgar o debate político e alargar horizontes (mesmo que sofríveis) a quem não tinha nenhuns.” (Torres, 1998: 201).

A televisão tem muitos defeitos mas, um que não se deverá apontar hoje é o de ser um perigo para a democracia.

“ […] A televisão, que pretende ser um instrumento de registo, torna-se um instrumento de criação de realidade. Encaminhamo-nos cada vez mais para o inverso em que o mundo social é descrito pela televisão em que esta se transforma no árbitro do acesso à existência social e política” (Bourdieu, 1997: 15).