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9. A Mundialização da Cultura

9.5. Do Homo Sapiens ao Homo Videns.

Como será o futuro?

“As pessoas serão empurradas cada uma para o seu canto? Vivendo sozinhas o tempo que estão em casa? Cada um no seu Pcvisor? “ Lutando por escolher a melhor câmara (point of view) para ver os golos do Pauleta no Euro 2004? “Mas como poderemos usar o Pcvisor sentados num sofá? Não é possível, porque as solicitações que ele permite e os estímulos para os quais exige resposta são incompatíveis com o sofá. Tem que ser uma cadeira”. (Torres, 1998: 187).

“Em conclusão, o que nos querem prometer para o futuro é uma sala de estar que já não é sala de estar, com um aparelho que nos obriga a fazer imensas coisas sentados numa cadeira mas que nos permite estar a ver a Bárbara Guimarães pelo canto do olho no televisor enquanto no Pc escrevemos um texto, fazemos a contabilidade familiar ou consultamos um ficheiro na Internet, e que nos factura tudo como se estivéssemos num táxi a subir a Calçada de Carriche às oito e meia da manhã. Isto é o futuro? Se for, é melhor começarmos a mudar o futuro desde já.” (Torres, 1998: 188).

Contem comigo para isso.

O medo da novidade

Gutemberg, a quem se atribui a invenção da tipografia em 1436, encontrou grandes resistências por parte dos copistas que se sentiram em risco de perder os seus empregos. Não é demais dizer que, todavia, a tal invenção se deve o desenvolvimento da civilização da leitura e da escrita.

Contudo, hoje, a televisão impôs-se. Vê-se televisão a todo o tempo e em todo o espaço. Ao chegar a casa acende-se a televisão. Às vezes, adormece-se com ela ainda acesa. De manhã, a caixinha é de novo acesa. Que fazer? E na escola? Qual o risco de ser aqui o espaço e o tempo, eventualmente, da excepção à primazia do telever?

No nosso quotidiano, as conversas são tantas vezes quase exclusivamente sobre o visionado na caixinha mágica. É ela que enche as nossas vidas. Mas, fundamentalmente de imagens. O telever comanda o videoviver e dá à luz a “videocriança”.

O Homem, esse Homo Sapiens produto da cultura escrita, está a transformar-se num Homo Videns. O consumo passivo da televisão inverte o progredir do sensível para o inteligível e transforma-o num regresso ao ver puro e simples. Ao contrário do ler, escrever e pensar, o telever produz imagens e apaga os conceitos. A linguagem conceptual é assim substituída pela linguagem perceptiva. Opinião dos pessimistas, pensarão.

Os optimistas, esses dirão que a educação multimédia é inevitável. Contudo, tal não significa que se aceite de olhos fechados. A poluição atmosférica também era inevitável à luz da modernidade e, apesar disso, hoje combatemo-la.

Qual a alternativa relativamente ao papel da escola e dos professores? No mínimo, ensinar a ler televisão. E dos alunos? No mínimo aprender a ler televisão.

Confrontos cognitivos

A escola, de facto, não tem grande tradição sobre o ensino pela imagem. O telever (ver de longe) está de facto a mudar os mundos culturais. E a escola terá que incorporar esta tecnologia da primazia à imagem, sob pena de se ver afastada do seu papel de preparação dos homens para o futuro. Ainda que o futuro seja cada vez mais um futuro incerto. A questão fundamental, para além das pistas que já levantámos, é que o homo sapiens se está transformar em homo videns (Giovanni Sartori, 2000: 13). Tudo agora é visualizado. A palavra está a ser destronada pela imagem. A primazia da imagem sobre a palavra leva a uma maior ênfase do visível sobre o inteligível e o risco é o da possibilidade da visão sem compreensão.

O Homo sapiens deve o seu desenvolvimento à capacidade de abstracção. As palavras que articulam a linguagem humana são símbolos que evocam representações, que evocam imagens de coisas visíveis que já vimos. Claro que isto só acontece com os nomes próprios e com as palavras”concretas”: casa, cama, automóvel, rádio, cão, etc. Quanto às palavras abstractas, que dão corpo ao nosso vocabulário cognitivo e teorético, essas não remetem para conceitos visíveis: nação, estado, soberania, democracia, etc. São conceitos

abstractos que estão em lugar de entidades construídas pela nossa mente.

Quanto ao telever – o tal ver de longe – há uma inversão do processo: a televisão inverte o progredir do sensível para o inteligível e transforma-o na maior parte das vezes, no simples ver, ou olhar. A televisão ao transmitir imagens apaga os conceitos e, assim, pode atrofiar a nossa capacidade de abstracção e compreensão: “Portanto, aquilo que nós concretamente vemos ou percebemos com os sentidos não produz “ideias”, mas insere-se em ideias (ou conceitos) que o enquadram e “significam”” (Sartori, 2000: 40). A questão última pode ser a da substituição duma linguagem mais rica (nº de palavras e riqueza de significado) por uma linguagem mais perceptica (concreta) e, por isso, mais pobre.

Por isso digo que a escola tem que dar as mãos com os media não só para os ter como instrumentos de facilitação mas, também, para os ter como objecto de estudo, de reflexão de aprendizagem. No caso da televisão, não basta tê-la na sala de aulas para ver o distante ou trazer para dentro o que está lá fora. É preciso que a escola ensine a ler televisão. Que ensine a ler o mundo. Que forme mentes selectivas capazes de dizer sim quando concordam, ou, pelo contrário, capazes de dizer não quando discordam e capazes de apresentar uma argumentação sólida.

Não se trata de fazer atentados contra a cibercultura, contra a idade multimediática. Se critico, em parte, o homo videns não é para parar o inevitável. Mas, de certo modo, para que não usemos tal tecnologia como simples forma de matar o tempo. O tempo não pode ser para matar.

Se pensarmos a televisão comparativamente com a rádio e outros instrumentos de comunicação que a precederam, verificamos que ela destrói mais saber do que aquele que transmite. É esta condição que tem de ser mudada melhorada. E para isso deverá servir também a escola. Se ficarmos unicamente pela condenação da mesma, o feitiço virar-se- á, gradualmente, contra o feiticeiro.