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A Educação Profissional na Primeira República

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3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL

3.3 A Educação Profissional na Primeira República

A mudança no regime político brasileiro em 1889 trouxe à tona novas aspirações ideológicas de transformação da sociedade, defendidas por um grupo denominado liberais, influenciado pelas ideias europeias e pelo positivismo18, em contraposição ao grupo conservador, formado pela oligarquia agrária e escravocata, que lutava contra toda e qualquer mudança do status quo. Na área educacional, os liberais defendiam a escola pública, leiga e gratuita, opondo-se à forte influência da igreja católica no modelo de educação vigente. Eram favoráveis ao ensino das ciências, conforme preceitos positivistas, em superação à tradição acadêmica e humanista do ensino brasileiro.

De alguma forma, as ideias positivistas exerceram influências no início do governo republicano brasileiro, no que concerne à algumas decisões tomadas no campo educacional. A Constituição de 1891 expressou bem essa realidade ao determinar as seguintes medidas: separação da Igreja e do Estado, bem como a desobrigação das

18 O positivismo é uma corrente filosófica que surgiu na França no século XIX, tendo como maior expoente Augusto Comte. Suas ideias repercutiram de maneira expressiva na educação, com a defesa do ensino das ciências, como áreas mais confiáveis para desvelar o mundo em busca de novos conhecimentos, superando os mitos e a metafísica (ARANHA, 1996, p.197).

escolas públicas em ministrar ensino religioso; introdução das ciências naturais e físicas no currículo do ensino primário e secundário.

No entanto, a constituinte ainda manteve um privilégio importante para a elite, à medida que ratificou a descentralização do ensino, definindo como competência da União o ensino superior e secundário e dos Estados, o ensino primário e profissional. Assim assegurava-se à classe dominante o acesso ao ensino secundário, de caráter acadêmico e propedêutico, bem como ao superior. Por outro lado, deixava-se a grande maioria da população com poucas oportunidades de acesso ao ensino primário e técnico, haja vista o desinteresse dos Estados com a escolarização das camadas populares. Essa decisão consolidou o sistema dual de ensino, representado por dois modelos distintos de formação: “educação acadêmica para a elite” e “educação de baixo nível e precária” para os demais grupos sociais. (GOMES, 2013, p.60)

A respeito da trajetória da educação profissional até as primeiras décadas do século XX, Gallindo (2013) destaca uma estrutura

...ainda incipiente, com suas raízes histórico-sociais calcadas no assistencialismo e no utilitarismo direcionado para uma formação prática, ou seja, não humanista, delimitando-se, também, no processo educacional formal brasileiro, a divisão por classes e uma dualidade estrutural, qual seja: o ensino profissional ou educação/trabalho para os pobres, o ensino propedêutico e a formação para os dirigentes ricos (GALLINDO, 2013, p. 55).

O século XX trouxe para o Brasil o desafio do progresso, do crescimento econômico e social, mediatizados principalmente pela expansão da industrialização e urbanização, em contraposição ao modelo agroexportador dependente ainda em vigência, que priorizava a vida na zona rural, em que a maioria da população não desfrutava das condições básicas de sobrevivência. Essa nova realidade interna que se impunha ocorreu como reflexo de acontecimentos mundiais relevantes, que repercutiram sobremaneira no sistema produtivo nacional, exigindo-lhe novas respostas e adaptações. Por conseguinte, a educação ganhou centralidade nas discussões suscitadas por alguns segmentos sociais, como a burguesia urbana e comercial, os intelectuais e os militares, que almejavam mais acesso à escola, por entender seu papel e importância no processo de desenvolvimento do país.

A I Guerra Mundial (1914-1918) ocasionou impactos no processo produtivo de vários países, tanto daqueles que participaram diretamente das batalhas, quanto daqueles que tinham alguma relação com os países envolvidos. Houve um decréscimo na produção mundial, impactando na diminuição do volume das exportações e importações entre as nações. O Brasil, grande exportador de café e importador de produtos industrializados, também sofreu as consequências dessa guerra, com a perda de lucro para aqueles que dependiam dessas transações comerciais. Contudo, essa realidade aparentemente negativa para o país, tornou-se uma oportunidade para avançar no processo de industrialização, fenômeno que contribuiu para promover a nacionalização da economia (ARANHA, 1996).

Essa nova configuração da economia brasileira implicou em mais um papel ao ensino profissional que, de caráter assistencialista voltado aos pobres, passou a ser visto como instrumento de preparação da mão de obra para as indústrias em processo de implantação no país. Porém, a iniciativa que alavancou o processo de expansão dessa modalidade de ensino ocorreu ainda em 1906, com Nilo Peçanha, então presidente do

Estado do Rio de Janeiro, que implantou o ensino técnico19 na região, a partir da criação de 04 escolas profissionais: três para o ensino de ofícios, distribuídas entre as cidades de

Campos, Petrópolis, Niterói; e uma para a aprendizagem agrícola, localizada em Paraíba do Sul.

Em 1909, Nilo Peçanha no exercício do mandato de presidente do Brasil (1909/1910), em razão do falecimento do então presidente Afonso Pena, assinou o Decreto nº 7.566/1909, instituindo 19 Escolas de Aprendizes Artífices em várias capitais do Brasil, voltadas ao ensino industrial, primário e gratuito, com vistas ao atendimento das classes menos favorecidas economicamente. Conforme expressa o próprio Decreto, deveriam atender prioritariamente os filhos dos operários, indivíduos com grande probabilidade de

...cooptação pelo crime, mais propensos à mendicância e ao ócio, o que tornaria necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-lo adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime (MÜLLER, 2013, p.95).

Desse modo, as Escolas de Aprendizes Artífices reforçavam o caráter assistencialista e utilitarista atribuídos ao ensino profissional desde a colônia. Tais escolas estavam sob a competência da União, vinculadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Regattieri e Castro (2009) consideram essas escolas como o “embrião da atual rede de instituições federais de educação tecnológica”. As autoras destacam ainda como acontecimentos dessa década a reorganização do ensino agrícola, voltado para habilitação de chefes de cultura, administradores e capatazes, bem como a criação de escolas-oficina para formação de ferroviários.

O aparecimento de novas escolas profissionais, em virtude da necessidade do sistema produtivo por operários qualificados para o trabalho nas indústrias, pressionou o governo a aprovar o Decreto nº 13.064/1918, estabelecendo novo regulamento para as Escolas de Aprendizes Artífices. De acordo com Garcia (2000, p.6), entre os pontos relevantes do regulamento estavam: a obrigatoriedade do curso primário para todos os alunos, com exceção daqueles que apresentassem certificados de exames realizados em instituições públicas do estado ou município; a oferta de cursos noturnos de aperfeiçoamento, voltados para o desenho e o ensino primário, para aqueles que trabalhavam durante o dia; a efetivação de diretores e docentes mediante realização de concurso de títulos e provas práticas, haja vista selecionar os melhores profissionais para elevar o nível dos cursos.

Em um contexto que se aproximava dos anos 20, essas mudanças pareciam minimizadas diante de questões mais abrangentes relativas ao ensino profissional. Müller (2013), em seus estudos, aponta que as escolas enfrentavam dificuldades de ordem estrutural e pedagógica, concernentes às instalações físicas, a falta de profissionais qualificados para o ensino, a ausência de uma organização didático- pedagógica unificada para os cursos ofertados, bem como as altas taxas de evasão. Por sua vez, Gomes (2013) ressalta dois aspectos importantes a respeito da formação oferecida nas escolas profissionais nesse período: primeiro, a defasagem dos estudos ainda voltados para o aprendizado de ofícios artesanais, enquanto o setor produtivo

19A regulamentação do ensino técnico no Estado do Rio de Janeiro ocorreu mediante a aprovação do Decreto nº 787, de 11 de setembro de 1906.

encontrava-se na fase da manufatura, requerendo, portanto, o aprendizado de ofícios manufatureiros; segundo, a formação era destinada prioritariamente à instrução, com poucos estudos teóricos e muitas atividades práticas, haja vista a preparação de mão de obra para o mercado de trabalho. Isso implicava em um ensino de pouca qualidade, principalmente porque os conhecimentos não se coadunavam com as demandas da sociedade. Não menos grave, implicava na perpetuação da dualidade do sistema escolar, conforme já mencionado.

Outro acontecimento mundial significativo que abalou as estruturas do Brasil foi a quebra da Bolsa de Nova York, em 1929. O mundo enfrentou uma grave crise econômica, cujo um dos resultados implicou em pouca circulação de produtos e dinheiro. O café, principal produto da economia brasileira, registrou uma queda acentuada em suas vendas para as outras nações. Muitos fazendeiros de café queimaram suas plantações, por não ter com quem comercializar seu produto. Por outro lado, a queda nas importações representou para a pequena burguesia urbano-industrial a possibilidade de expansão de seus negócios, com a ampliação das indústrias nacionais, visando abastecer o mercado local. Assim, essa nova classe social ganhou espaço no cenário brasileiro, ascendendo economicamente e reivindicando poder político, em contraposição à oligarquia agrária, enfraquecida em ambos os aspectos.

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