• Nenhum resultado encontrado

A Educação Profissional nos Governos Populistas

No documento Download/Open (páginas 58-60)

3 EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA NO BRASIL

3.5 A Educação Profissional nos Governos Populistas

Em 1946 foi promulgada uma nova Constituição Brasileira, em um contexto de redemocratização do modelo político brasileiro, com a retomada da liberdade dos direitos políticos, da escolha dos governantes pelo povo e das atividades do Congresso. Dava-se início aos governos populistas21 (1946-1964), que foram acompanhados por um modelo econômico baseado no nacional-desenvolvimentismo, pela expansão da urbanização e industrialização, fenômenos que alteravam a estrutura social levando ao aumento da burguesia, das classes médias e proletariado. Foram presidentes da república nesse período: Eurico Gaspar Dutra (1946-1954); Getúlio Vargas (1951- 1954); Café Filho (1954-1955); Juscelino Kubitscheck (1956-1961); Jânio Quadros (1961); João Goulart (1961-1964).

Diante da nova conjuntura, esses segmentos da população ampliavam suas reivindicações por mais escolas, por melhores condições de trabalho e remuneração para os professores, pela extensão do ensino público e gratuito em todos os níveis, enfim, pela concretização de uma política educacional mais igualitária e justa, que possibilitasse condições de acesso e permanência para todos.

Em atendimento à Carta Magna de 1946, que assegurava pela primeira vez à União o dever de fixar as diretrizes e bases da educação nacional, o então ministro do Ministério da Educação e Saúde Pública, Clemente Mariani, organizou uma comissão

21 O populismo é um fenômeno político e social que teve suas origens articuladas a dois processos

históricos: a crise mundial de 1929, responsável por abalar a economia nacional baseada na exportação do café; e a revolução de 30, uma crise política que enfraqueceu a oligarquia cafeeira. Tais processos impulsionaram as condições para o desenvolvimento histórico-político de democratização do Estado, marcado pelo declínio do Estado Oligárquico e pela formação de um Estado Democrático, apoiado principalmente nas massas populares urbanas e nos setores sociais ligados à industrialização (WEFFORT, 1980, p.45). Segundo Debert (2008, p.9), o populismo tinha um caráter ambíguo, constituindo-se a um só tempo em manipulação e satisfação das classes populares. Assim surgiu e manteve-se como uma alternativa política viável enquanto foi capaz de satisfazer, de forma real, a aspectos do interesse das classes populares. Portanto, ao constituir-se como mecanismo de manipulação dessas classes, acenando sempre com a possibilidade de atender às suas aspirações, o populismo obscureceu a consciência social dessas classes, impedindo, assim, que participassem da vida em sociedade com independência e autonomia de estratégia política.

de educadores que reunia liberais e conservadores para a elaboração de um projeto de lei de diretrizes e bases da educação nacional. Em 1948, o projeto foi encaminhado ao Congresso, percorrendo um longo caminho entre debates, arquivamentos, reformulações, discussões e votações, que se estenderam desde o fim dos anos 40 até o início dos anos 60, quando foi promulgada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LBDEN nº 4.024, em 1961.

O teor da LDBEN nº 4.024/61 não atendia às expectativas das camadas sociais progressistas, uma vez que foi dificultada a possibilidade de uma rede de ensino público democrático, em razão das concessões feitas à rede privada, entre as quais a garantia de verbas públicas para suas escolas. A referida lei que expressava como um dos seus princípios a liberdade de ensino, “manteve a dualidade estrutural entre a educação formal e a profissionalizante” (MÜLLER, 2013). No entanto, permitiu a plena equivalência entre o ensino secundário e o profissional, possibilitando ao aluno a circulação pelos diferentes ramos do ensino médio – secundário, normal e técnico – e o acesso ao ensino superior.

Esta mesma Lei também instituiu a descentralização da educação, ou seja, a organização dos sistemas de ensino por cada Estado. Determinou a criação do Conselho Federal de Educação (CFE) e dos Conselhos Estaduais de Educação (CEE), com a garantia de assento nessas instâncias dos representantes das escolas privadas. Estabeleceu que todas as instituições de ensino ficariam sob a tutela do Ministério da Educação, o que só foi alcançada pelas instituições de Ensino Agrícola em 1967.

Vale ressaltar dois fatos importantes concernentes ao ensino profissional ocorridos anteriormente à aprovação da referida LDBEN. Primeiro, a publicação da Lei nº 1.076/50, que contemplou uma certa equivalência entre o ensino secundário e o profissional, à medida que possibilitava aos concluintes de cursos técnicos o ingresso a cursos superiores, desde que estes se submetessem a realização de exames das disciplinas não estudadas. A finalidade dos exames era a comprovação de conhecimentos considerados essenciais por parte daqueles que desejassem cursar o nível superior. O segundo fato refere-se à publicação do Decreto nº 47.038, de 16 de fevereiro de 1959, que transformava as Escolas Industriais e Técnicas em Escolas Técnicas Federais, formando a rede federal de ensino técnico. Tal mudança implicou principalmente na configuração de uma nova natureza jurídica a essas instituições, assumindo a condição de autarquia, sendo-lhes permitido gozar de autonomia administrativa e pedagógica.

De acordo com Aranha (1996), a LDBEN nº 4.024/61 não tratou o ensino profissional com a devida importância requerida pelo sistema produtivo. O número de estabelecimentos de ensino existentes não atendia a demanda do mercado por técnicos qualificados. Havia poucas escolas e muitas vagas de trabalho abertas em busca de profissionais diplomados. A alternativa encontrada pelas empresas de grande porte, nas quais era indispensável a qualificação do trabalhador para o alcance dos resultados esperados, foi a implantação de programas de treinamento em serviço, mediante a oferta de cursos de curta duração, com o objetivo de qualificar a mão de obra contratada.

Por sua vez, Tomé (2012) destaca um aspecto relevante imbricado tanto na LDBEN nº 4.024/61, quanto no Decreto nº 47.038/59. No plano formal, tais legislações induziam a ideia de rompimento da visão preconceituosa de que a educação profissional era voltada tão somente à classe pobre, haja vista a equivalência com o ensino secundário e a possibilidade de acesso ao curso superior. No plano real, a situação era bastante diferente, pois a formação oferecida nos cursos técnicos priorizava os estudos para o trabalho, em detrimento dos estudos das outras áreas do conhecimento contempladas no ensino secundário e requeridas na seleção aos cursos superiores. Isso

nos leva a compreensão de que o esforço do governo em implementar políticas voltadas ao ensino profissional visava, sobretudo, ao atendimento das necessidades e exigências do setor econômico que, diante do crescimento e da diversificação do parque industrial, passava a requerer mão de obra qualificada para atuação neste espaço produtivo.

Em face do atraso educacional do país e da necessidade de promover “escolarização” aos segmentos da população menos favorecidos, acentuam-se, na primeira metade dos anos 60, os movimentos de educação popular. Aranha (1996, p.210) aponta algumas das instituições representativas desses movimentos: os Centros Populares de Cultura/CPC, criados pela União Nacional dos Estudantes/UNE; os Movimentos de Cultura Popular/MCP, que contou com a participação de Paulo Freire; os Movimentos de Educação de Base/MEB, ligados a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil/CNBB. O propósito dessas entidades era suscitar nos grupos populares a reflexão e a conscientização da realidade na qual estavam inseridos, haja vista uma participação mais efetiva na vida política do país, reivindicando acesso a seus direitos básicos, como saúde, educação, saneamento básico, moradia, entre outros. Para Aranha (1996, p.210), a atuação desses movimentos representou uma contribuição valorosa para todos: para a população diretamente atingida, pela “fecundidade das reflexões sobre a cultura nacional” e “originalidade” quanto às estratégias de mediação adotadas; para a sociedade brasileira, pelo exemplo de que não somente o Estado, mas a sociedade civil pode e deve buscar meios e condições para intervir na realidade, visando sua transformação.

Em se tratando das últimas iniciativas desse período denominado “governos populistas” (1946-1964) tomadas pelo então presidente João Goulart, destacam-se a elaboração de dois planos de trabalho. O primeiro diz respeito ao Plano Nacional de Educação/PNE (1962), um documento com objetivos e metas a serem desenvolvidos no prazo de oito anos. O segundo, o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965), estabelecendo como ações de primeira ordem no âmbito educacional o crescimento do número de escolas primárias, a criação dos ginásios modernos, o incremento da produção de ciência e tecnologia, seguido da formação e qualificação do corpo técnico. Tais iniciativas sofreram uma brusca interrupção em seu desenvolvimento, principalmente o PNE, totalmente extinto pelo golpe militar de 1964.

Dessa forma, assistia-se ao encerramento de mais um período da História em que as questões educacionais foram tratadas conforme os interesses e necessidades dos grupos dominantes, com projetos distintos de formação, de acordo com a conjuntura política e econômica e a classe social dos indivíduos. Novamente, ficava em segundo plano a concretização de um projeto de Estado que garantisse educação pública e democrática, destinada, sobretudo, às classes menos favorecidas economicamente.

No documento Download/Open (páginas 58-60)