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CAPÍTULO I – ESTADO E AVALIAÇÃO

2 – A EDUCAÇÃO SOB A ÓTICA DOS IDEAIS NEOLIBERAIS

A emergência de novas políticas, num quadro económico e social em transformação, determinaram mudanças assinaláveis nos modelos de gestão e administração dos sistemas educativos. Estas alterações, e de acordo com Almerindo Afonso, são no âmbito da produção de normas-padrão e da explicitação de medidas de desempenho, com realce nas exigências de responsabilização, na prestação de contas, no controlo dos resultados, no rigor na utilização dos recursos… que na educação se traduzem, essencialmente, no controlo dos resultados escolares e nos “incentivos à qualidade” (2002a: 83-84). Efetivamente, no contexto das políticas neoliberais, a racionalidade económica e o protagonismo das organizações produtivas, com critérios de gestão eficaz e eficiente, passam a condicionar a tomada de decisão, conduzindo a uma redefinição das funções do Estado, em grande medida induzida pela emergência de uma nova agenda económica global (Lima e Afonso, 2002: 7).

Para Barroso:

No domínio da educação, a influência das ideias neoliberais fez-se sentir, quer através de múltiplas reformas estruturais, de dimensão e amplitude diferentes, destinadas a reduzir a intervenção do Estado na provisão e administração do serviço educativo, quer através de retóricas discursivas (dos políticos, dos peritos, dos meios de informação) de crítica ao serviço público estatal e de “encorajamento de mercado” (2006a: 36-37).

Para o mesmo autor, o “encorajamento do mercado” verifica-se, essencialmente na subordinação das políticas de educação a uma lógica estritamente econométrica; na importação de valores (competição, concorrência, excelência, etc.) e modelos de gestão empresarial, como referentes para a “modernização do serviço

público de educação; na promoção de medidas tendentes à sua privatização (Barroso, 2006a: 36-37). Assim, consideramos relevante a opinião de Dale, que sustenta dois aspetos das mudanças da natureza, do papel e do lugar do Estado, a ocorrerem simultaneamente: i) na educação, o papel do Estado mudou de um em que o Estado “fazia tudo” para outro em que se torna o “coordenador da coordenação” e ii) a educação já não é governada unicamente ao nível nacional na medida em que a coordenação dos sistemas educativos, nomeadamente na procura de soluções para os problemas essenciais, mudou significativamente sofrendo influências de uma ordem global. Nenhum estado está agora separado ou isolado dos efeitos da globalização económica e, de facto, política (Dale: 2005: 56). Deste modo, assiste-se a uma espécie de “contaminação” internacional de conceitos, políticas e medidas postas em prática, em diferentes países, à escala mundial (Barroso, 2006c:45-46). Para Azevedo, desenvolveram-se em todo o mundo sistemas de educação escolar que seguem uma matriz muito semelhante4, [sendo] na sua grande maioria, controlados pelos Estados nacionais, declarados obrigatórios e seguem um modelo transnacional moderno de educação (2007: 48-49). Este processo é denominado por diferentes autores de “educational policy borrowing” (empréstimo de políticas educativas).

Barroso sustenta que, na última década do século XX, foi percetível a “lógica de mercado” fundamentada na “eficiência” do modelo empresarial, aparecendo de modo mais ou menos explícito na fundamentação e nos modelos de referência de algumas medidas políticas, em particular, as relacionadas com a autonomia, a gestão e a avaliação das escolas (2003a:79-80). Neste sentido, são vários os domínios onde as reformas conservadoras neoliberais pretendem introduzir alterações: o papel dos professores e a sua arena de actuação; as práticas de gestão em geral e de gestão financeira em particular; a preparação e execução de orçamentos; o recrutamento e formação de pessoal; as condições de emprego e salariais, a avaliação (de alunos, professores, gestores e de escolas); os critérios de admissão e de disciplina (Cardoso, 2003: 183-184).

O propósito do Estado em melhorar substantivamente o nível educacional implica formas diferentes de responsabilização e monitorização das escolas, decorrendo daí uma reconceptualização do papel dos agentes educativos.

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Para Justino o que faz diferença é cada vez mais a qualidade das aprendizagens, a forma como se ensina e se aprende em contexto de sala de aula, o nível de qualificação dos pais e dos professores, o ambiente social e cultural em que as crianças crescem, a eficácia dos valores sociais, as expectativas de todos face ao futuro e o sistema de oportunidades que a sociedade tem ou não tem a capacidade de criar (2010: 33).

Convocando Dale, o momento-chave da indispensabilidade de uma nova descrição da relação entre o Estado e a educação prendeu-se com o debate no âmbito da chamada “privatização” da educação, que atravessaram a década de 1980 e ganharam força nos primeiros anos da década de 1990, em especial nos países de língua inglesa (2005: 60).

Da conceção de que o desenvolvimento das sociedades está diretamente relacionado com a eficácia dos sistemas educativos, decorre, em Portugal, a adoção de políticas educativas com um enfoque crescente nos resultados. Acentua-se, desta forma, a importância da educação para a competitividade económica nacional num mercado cada vez mais global (Seixas, 2001: 209).

A agenda da política educativa coloca o seu enfoque na qualidade do sistema, no desenvolvimento profissional e na avaliação do desempenho. A educação é uma componente central da tecnologia do progresso e da modernização e esta apresenta- se como um desiderato social e político na generalidade dos países do mundo (Azevedo, 2007: 57). O objetivo é o desenvolvimento de sistemas de educação com níveis de qualidade equiparáveis aos países europeus. Efetivamente, os sistemas educativos europeus estão sujeitos a pressões externas de ordem económica, social e política, assim como às evoluções internas que conduzem a novos modos de regulação das organizações escolares e às práticas do trabalho docente (Maroy, 2006: 230).

Estas políticas educativas, impregnadas de uma lógica económica, consubstanciam-se na aplicação de instrumentos de avaliação das escolas e dos professores, com enfoque nos resultados, na racionalização dos recursos e numa retórica discursiva de autonomia5, pois como refere Nóvoa, quanto mais se fala da autonomia dos professores mais a sua acção é controlada, por instâncias diversas, conduzindo a uma diminuição das suas margens de liberdade e de independência (2007: 25). Esta lógica é, igualmente, visível na adoção, na educação, de uma linguagem gerencialista que leva à aplicação de termos como eficácia, eficiência e produtividade.

Para Azevedo,

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Natércio Afonso defende a necessidade efetiva de dar conteúdo real à autonomia da gestão escolar, sustentando ainda, que as escolas públicas têm que ter capacidade de decisão, para depois poderem avaliar essas decisões. Têm que poder tomar decisões, nomeadamente em três áreas centrais: a gestão financeira, a gestão de recursos humanos e a gestão do currículo (2007: 225).

O sistema educativo mundial, como modelo sociocultural transnacional, que se espalha, copia, e impõe em todo o mundo, compreende um conjunto de dimensões cuja identificação provisoriamente situamos em torno das sete seguintes: a Expansão da escolarização de massas no Estado-nação, a expansão da ideologia da modernização e do progresso, a externalização dos sistemas educativos nacionais, a globalização económica, cultural e política, o sistema de comunicação científica, a acção das organizações internacionais, a educação comparada e internacional (2007: 48).

Barroso menciona que se assiste à tentativa de criar mercados (ou quase- mercados6) educativos, transformando a ideia de “serviço público” em “serviços para clientes”, onde o “bem comum educativo” para todos é substituído por “bens” diversos, desigualmente acessíveis (2006a:37). O mesmo autor alude ainda:

Os critérios e opções de financiamento deixam de ser objecto de uma planificação que traduza escolhas políticas definidas pelo Estado e passam a ser confiados à “mão invisível” do mercado em função de objectivos de eficácia, qualidade e excelência definidos de maneira unívoca pelas regras da concorrência. Depois do “tudo-Estado” passou-se para o “tudo-mercado”! (2006a: 37).

Neste contexto neoliberal, a educação tem que se adequar aos novos desígnios, vendo-se na contingência de promover estratégias e ações conducentes ao seu novo papel e finalidades. Lima sustenta que a escola passou a ser declarada incompetente e em crise sempre que a adaptação à economia e à performance competitiva não foi colocada no centro da sua missão (2005: 27). Efetivamente, é exigido à escola que prepare os indivíduos em conformidade com as exigências do mercado de trabalho que os espera, dotando-os, segundo Apple, de destrezas, requisitos e disposições para fazer face aos novos desafios que se lhes colocam, enquanto futuros trabalhadores, numa sociedade cada vez mais competitiva, podendo, neste quadro, os alunos serem perspetivados como capital humano (2010: 61).

Nos últimos anos, a escola, sob grande pressão dos diversos setores da sociedade como os governos, mass media e opinião pública, adquiriu um enorme protagonismo, como se o seu desempenho fosse fator preponderante para o futuro da

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Encontrámos a expressão em vários autores

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Ver por exemplo, Almerindo Afonso (2002a);Barroso e Viseu, (2006), Maroy (2006).

sociedade e da economia (Lima, 2005: 27). Esse protagonismo determinou, em larga medida, o virar dos holofotes sociais e políticos sobre si, no sentido de um maior controlo e escrutínio permanentes e apertados. Exemplo disso foi a possibilidade com que se viu confrontada de os pais poderem decidir qual a escola que melhor servia o projeto de educação para o seu educando. A medida de promoção da livre escolha da escola por parte dos pais e encarregados de educação […] implica a flexibilização dos dispositivos da matrícula escolar, [e] tende a introduzir no sistema uma lógica de “quasi-mercado” (Maroy, 2006: 231). O Estado passaria a ter um controlo menor sobre a escola que passaria a ser dirigida como uma empresa no quadro de um sistema de concorrência gerado pela livre-escolha da escola pelos pais. Isso permitiria a utilização de critérios de rentabilidade e eficácia baseados na “satisfação do consumidor (Barroso e Viseu, 2006:134). Esta situação consubstancia-se, também, na liberdade de opção preconizada pelo paradigma neoliberal.

Este sistema tem vindo a ser implementado noutros países, como é o caso dos Estados Unidos onde alguns Estados locais ou distritos escolares abonam as famílias com um voucher (cheque-ensino) que o utilizam para pagar a escola dos seus filhos, podendo esta ser pública ou privada7 (Charlot: 2007: 132). Esta situação tem repercussões ao nível da concorrência entre estabelecimentos de ensino na medida em que passa a existir uma correlação entre o número de alunos matriculados e o orçamento das escolas, passando os alunos a constituírem uma significativa fonte de financiamento.

Esta circunstância, de conceder aos pais dos alunos a liberdade de escolha da escola8, tem gerado alguma controvérsia. Na verdade, já há um número significativo de dados empíricos que mostram existirem nítidos efeitos de estratificação e segregação, [sendo que] para os defensores de uma escola elitista esse é um bom resultado e só prova que a regulação pelo mercado funciona de maneira eficaz como mecanismo de selecção social (Barroso e Viseu, 2006:136). Importa aqui aludir, e de

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Em 1991, aproximadamente dois em cada três americanos referiam que eram a favor da escolha das escolas públicas. Quando lhes foi perguntado se apoiavam um sistema de cheques-ensino que incluiria escolas públicas, privadas e religiosas, 50% mostraram-se a favor, enquanto 39% estavam contra (Henig, 2010: 58)

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A este propósito, Henig afirma: Existem muitas perspectivas sobre a escolha da escola, e as distinções entre elas são significativas. No entanto, estão de acordo no seguinte ponto: todas as propostas para alargar a escolha da escola têm potencial para chocar com o livre exercício de escolha de alguns grupos, sendo que uns irão pagar o preço do aumento das opções para outros. Assim, a adopção da escolha educativa não nos salva da confusão de um mundo político no qual um interesse se debate com outro, e onde, normalmente, a vitória de um grupo implica a derrota de outro (2010: 56).

acordo com LaCour, que se verificou, na maioria dos países que instituíram os cheque-ensino, um benefício para as famílias detentoras de uma situação económica favorável e com capacidade financeira para escolher, para os seus filhos, instituições escolares privadas, no caso de ser essa a sua pretensão, verificando-se, também, a deslocação de recursos financeiros atribuídos às escolas públicas, ficando estas com menos capacidade financeira para fazer face às despesas correntes e ampliou a estratificação social e económica (LaCour, 2010: 89-90).

A aplicação às escolas dos modelos de gestão empresarial e a importação de políticas dos países com melhores performances educativas condiciona as dinâmicas escolares e pode levar à conceção da educação como uma mercadoria.

Para Morgado e Ferreira:

É necessário que os discursos e as decisões políticas sobre o ensino se centrem na ideia de que a educação, independentemente dos benefícios de índole económica, científica e tecnológica que possa transportar, é uma oportunidade por excelência para ajudar a atenuar as desigualdades sociais, para estimular o desenvolvimento de todos os cidadãos e para aprofundar o sentido democrático das comunidades educativas (2006: 83).

Com a instituição das reformas Neoliberais, da força reguladora do mercado na educação, o Estado passou a desempenhar um maior papel de coordenação e regulação.