• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – ESTADO E AVALIAÇÃO

1- A EMERGÊNCIA DE NOVAS “FORÇAS” REGULADORAS

Nos últimos anos do Século XX, são visíveis reformas no âmbito das políticas educativas, com uma tendência dominante para o reforço de novos modos de controlo e de responsabilização das escolas (Afonso, 2003: 76). Com efeito, um conjunto de fenómenos políticos e económicos, tais como o “choque petrolífero”, a “crise do Estado providência”, a “emergência de políticas neoliberais” e a “globalização da economia”, conduziram à criação de diferentes medidas de reestruturação do sistema público de educação (Barroso e Viseu, 2006: 132).

O Estado-nação, responsável por todo o processo inerente à generalidade das políticas de ação é posto em causa pelo aparecimento da crise económica que se iniciou após a II Guerra Mundial. Assim, as orientações reformistas de inspiração neoliberal defendem um papel mínimo para o Estado face ao protagonismo concedido à sociedade civil e ao mercado, baseando-se na ideia de escolha, de acordo com as estratégias e racionalidades individuais (Lima, 2005: 25).

Neste sentido, Dale refere:

O que estamos agora a testemunhar é não apenas um desvio do Estado, que assume a responsabilidade directa por todas as actividades, e da própria regra para o Estado que determina quem assumirá a responsabilidade por elas, mas que as combinações à escala nacional de actividades e instituições de governação têm de ser aumentadas pelo reconhecimento de que, potencialmente, qualquer uma ou todas estas actividades podem também ser geridas a uma escala diferente (2005: 63).

Assim, e de acordo com Teodoro e Torres, o Estado-nação passa a ser menos relevante nomeadamente na construção das políticas de ação, passando a existir um contexto muito diferente, criado pelos mercados globais, baseado na disciplina fiscal, nas prioridades das despesas públicas, na reforma fiscal, na liberalização financeira, na liberdade de comércio, no investimento estrangeiro directo, na privatização, na

desregulação e nos direitos de propriedade (2005: 14). Nesse contexto, o Estado vê a sua ação regulamentadora condicionada pela emergência de forças à escala global que assumem o monopólio na definição de ações, metas e resultados a alcançar por todos os países. O papel centralizador do Estado é questionado pela intervenção de outros actores no campo da educação, e o seu domínio é acometido por novas formas de governação e de regulação (E. Costa, 2007: 51).

Deste processo de globalização resultou a inevitável comparação e graduação dos países, em função do seu nível de crescimento, implicando, no contexto das políticas europeias, a necessidade e obrigatoriedade de prossecução, nos seus países membros, de metas consideradas estruturantes. Pacheco e Vieira sustentam que, no quadro das políticas da União Europeia, a educação tornou-se num processo de transferência mais coerciva do que voluntária, mormente quando são definidas metas a alcançar por cada Estado-membro (2006: 95). Referem, ainda, que a agenda educativa nacional é fortemente dominada pela agenda supranacional, no plano organizacional da União Europeia, também influenciada pela regulação transnacional, com a tendência para o Estado-nação se converter no Estado-União (Pacheco e Vieira, 2006: 98-99).

A globalização suscita variadas definições, expressas na literatura. Para Azevedo, os principais discursos entendem a globalização como o crescente fenómeno de interdependência das economias e dos mercados a nível mundial, espaço de conflito e de acrescida competitividade no seio da economia de mercado, cujos efeitos se estendem a todas as áreas sociais (2007: 14-15). Na perspectiva de Torres, pode-se definir a globalização como a intensificação das relações sociais mundiais que vinculam localidades distantes, de tal maneira que, o que ocorre num lugar é afectado por eventos que ocorrem a milhares de quilómetros de distância e vice-versa (2005: 94). Por seu turno, Santos afirma que não existe uma única entidade chamada globalização, existindo sim, globalizações, propondo como definição de globalização o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende a sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival (2006: 405). Assim, é necessário um enquadramento internacional para uma correta perceção das políticas desenvolvidas em qualquer país.

Hespanha considera os fenómenos de globalização como, processos dialécticos de interacção entre as dinâmicas globais e as forças locais e, por isso, o resultado final do seu impacto numa dada região ou local é determinado tanto pela intensidade dos factores de globalização quanto pela intensidade das respostas locais

que se lhe contrapõem (2005: 181). Nesta medida, o global passa a constituir um importante referente de análise, de pensamento e de acção (Azevedo, 2007: 20).

Neste contexto, a OCDE (Organisation for Economic Co-operation and Development - Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), enquanto estrutura reguladora supranacional, promove a edificação de reformas políticas conducentes à superação dos problemas económicos, sociais e ambientais que constituem desafios afetos à globalização. Proporciona, igualmente, um quadro onde os governos podem comparar experiências sobre políticas desenvolvidas, procurar repostas para problemas comuns, identificar boas práticas e contribuir para coordenar as políticas nacionais e internacionais, produzindo e divulgando relatórios sobre o desempenho dos seus países membros. (OCDE, 2008: 2). A ação desta Organização é determinante na construção das ideologias educativas.

Assim, para Charlot:

Na área da educação, o lugar mais importante para os países ricos é a OCDE. É o thinking tank, como dizem os norte americanos, isto é o reservatório para ideias. Saíram da OCDE a “reforma da matemática moderna”, a ideia e a própria expressão de “qualidade da educação”, a ideia de “economia do saber”, a de “formação ao longo de toda a vida”. A OCDE é o centro do pensamento neoliberal no que tange à educação. Não é de admirar-se disso quando se sabe que foi explicitamente criada para promover a economia de mercado (2007: 133).

O PISA2, um dos programas desenvolvidos por esta organização como instrumento de avaliação dos sistemas educativos, constitui-se como um referencial do

2

Programme for International Student Assessment (Programa Internacional de Avaliação dos Alunos); trata-se de um programa da OCDE que, a partir do ano 2000, e com uma periodicidade de três anos, iniciou estudos, no âmbito da avaliação dos alunos, nos países membros da OCDE e países associados. Os alunos avaliados situam-se nos 15 anos de idade e os dados revelados são no âmbito do seu desempenho na literacia da leitura, matemática e ciências.

Os resultados obtidos nos últimos anos, (PISA 2000, 2003 e 2006), situaram os nossos alunos muito aquém da média da OCDE. No entanto, os resultados do Pisa 2009 revelaram uma melhoria significativa nos três domínios avaliados: leitura, matemática e ciências. Com efeito, Portugal passa a fazer parte dos países que alcançaram a média da OCDE em literacia de leitura, principal domínio em análise. Foi o país que mais progrediu em ciências e o quarto em matemática e leitura. Importante, também, é o resultado obtido num outro domínio: Portugal é um dos países com maior percentagem de alunos de famílias carenciadas que conseguem alcançar, na leitura, desempenhos excelentes, aparecendo como o sexto país onde as diferenças socioeconómicas são um fator contornado pelo seu

desempenho. Dos resultados apresentados pelos diferentes países decorrem as indicações sobre as ações a desenvolver no sentido de alcançarem os objetivos pretendidos nos seus sistemas educativos3. Deste modo, é necessário erguer um pouco os olhos, demasiado atentos ao local, e analisar a educação de cada país e escola à luz do “sistema educativo mundial” (Azevedo, 2007: 8).

As organizações educativas e os próprios sistemas de educação sofrem as influências decorrentes das mudanças operadas a nível global:

De facto, a evolução das políticas educativas nacionais, em qualquer país do mundo, tende a ser a expressão de uma construção social contínua, tensa, silenciosa e quase imperceptível, regulada pelo sistema educativo mundial. Este actua como um perfume que trespassa as vestes nacionais, regionais e locais ágeis a revelar fragrâncias encantatórias e legitimadoras, cuja fonte está bem longe de ser o local, o regional ou o nacional (Azevedo, 2007:8).

A adoção global de sistemas educativos com características aproximadas, como forma de melhorar a sua eficácia, implica alterações nas próprias escolas que passam a ter como referentes novos critérios e padrões de qualidade. As organizações e a administração pública são percepcionadas como meramente instrumentais, devendo passar a ser subordinadas a critérios de produtividade, de eficácia, e de eficiência, semelhantes aos das organizações económicas (Lima, 2002a: 21). Trata-se da importação, para o campo da educação, das ideologias de mercado. O mesmo autor sustenta ainda:

As ideologias gestionárias informam o novo discurso e as novas políticas de modernização, com a palavra-chave “empresa”, “capacidade, competência, “partenariado”, à cabeça; é essencial o crescimento do sistema com menores despesas, aumentar a qualidade (questão que se sucede ao problema do acesso) com menores investimentos, é imperioso aumentar a produtividade, quantificar os recursos e os resultados obtidos, aferir a qualidade. Em suma,

sistema educativo (OCDE, 2010 – PISA 2009; Ministério da Educação, 2010 – nota à comunicação social).

3

Afonso e Costa sustentam que a maior visibilidade do PISA, na acção pública, em matéria de política educativa, dá-se, em Portugal, sob a égide do XVII Governo Constitucional. O grau de influência do Programa em determinadas políticas permite-nos reconhecer, sob a tutela do primeiro Governo Sócrates, prenúncios de uma nova forma de fazer política, assente em dados, números e resultados e norteada, essencialmente, por critérios de natureza pragmática (2009: 61).

torna-se indispensável racionalizar e optimizar, garantir a eficácia e a eficiência (Lima, 2002a: 24).

A necessidade de articulação das disposições globais com as necessidades nacionais leva a profundas alterações das funções dos Estados-nação, num contexto em que a escolarização passa a ser percecionada como elemento crucial para o desenvolvimento das sociedades modernas. Com efeito, todas as nações reconhecem que o seu futuro está ligado à qualidade dos seus sistemas educativos (OCDE, 2009c: 12).

Azevedo sustenta que, cada sistema educativo moderno só se chega a compreender à luz do “sistema mundial moderno”. Todas as sociedades que se modernizam adoptam subsistemas de educação escolar de contornos semelhantes (2007: 29). No mesmo sentido, Justino refere que se identificam, com relativa facilidade, efeitos de “mimetismo” patentes na adopção de medidas e modos de organização dos diferentes países, visíveis, também, no sistema de ensino (Justino, 2010: 32).

Numa perspetiva glocal, é imprescindível repensar a organização escolar, uma vez que a matriz escolar atual não serve o desígnio da exigência de qualidade e eficácia, pelo que, como sustenta Azevedo, não mais será viável “pensar global, agir local”. Este paradigma ruiu. Teremos de dar lugar e tempo ao pensar global e agir global, pensar local e agir local, pensar e agir glocal, sem perder nunca a referência à proximidade, a quem nos olha nos olhos (2007: 120). Esta nova lógica acarretou alterações nas políticas educativas dos diferentes países. O autor vai mais longe quando refere:

Os processos nacionais de reforma educativa são, em geral, processos de aproximação, e não de distanciamento, às características e às virtualidades da instituição educativa da sociedade mundial. Estes processos são conflituosos e traduzem-se normalmente pela dominação de um mesmo e «universal» modelo de escolaridade: sistemas escolares gerais, selectivos, normalizados, profissionalizados, controlados pelo Estado, hierarquizados em níveis, diplomas e certificados (Azevedo, 2007: 31).

Com efeito, as medidas de política educativa nacionais são alavancadas e sustentadas por políticas e modelos organizacionais a nível internacional. Neste sentido, de acordo com Justino, presentemente, os sistemas nacionais de ensino não

apresentam diferenças significativas nos diferentes domínios, nomeadamente no papel do Estado, nas políticas educativas, na organização dos ciclos de ensino e das práticas escolares: pouco, muito pouco consegue fugir aos padrões internacionais (2010: 33).

Atualmente, a capacidade de inovação e o nível de conhecimento e de formação das populações são determinantes para a valoração das sociedades. Neste âmbito, Nóvoa refere que vivemos em sociedades do conhecimento. Em sociedades que se definem por uma procura incessante de novos conhecimentos e tecnologias, por uma quase angustiante necessidade de formação e re-formação, pela sensação de que estamos sempre desactualizados (2004: 1). Neste sentido, as competências proporcionadas pela educação escolar são cruciais para a inserção dos indivíduos na vida ativa e na sociedade do conhecimento, que é uma sociedade da aprendizagem (Hargreaves, 2003: 37). Pacheco e Vieira sustentam que a criação de uma “Europa do conhecimento” faz parte da agenda europeia, na medida em que se acredita que a existência de um currículo comum se afigure como fundamental para o desenvolvimento de um cidadão europeu formado e instruído em competências básicas que permitam a utilização de ferramentas conceptuais (2006: 122).

De acordo com Morgado e Ferreira, num panorama globalizante verifica-se o aparecimento do que atualmente se designa por Sociedade da Informação e do Conhecimento um tipo de sociedade em que o poder deixou de se traduzir exclusivamente em capital financeiro e passou a depender, em larga escala, da produção de conhecimento e das novas tecnologias da informação e comunicação (2006: 65). Neste contexto, novas exigências são acometidas aos sistemas de ensino, no sentido de dar resposta às exigências colocadas pelas organizações empregadoras em termos de competências para a contratação de ativos. Havendo um novo modelo de sociedade, a pressão sobre os sistemas de ensino tenderá a aumentar de forma a adequar os perfis de formação às finalidades do desenvolvimento económico, social e cultural (Justino, 2010: 32).

A correlação positiva entre a formação dos cidadãos e o aumento da competitividade e rentabilidade das empresas, torna inevitável a perceção de que as pessoas e a sua educação constituem os recursos mais relevantes das sociedades e conduzem à constatação de que existe uma relação importante entre a educação e o poder económico. A cultura do desempenho surge aliada a uma concepção da educação cada vez mais como extensão do cálculo económico (E. Costa, 2007: 53). Assim, o que está em causa é ensinar a todas as crianças e jovens um corpo comum de conhecimentos e competências, mas preparando-as para agirem à escala

europeia, num contexto global mais diverso e competitivo (Rodrigues, 2008: 14). Esta constatação conhece maior notoriedade no contexto da globalização que colocou maior enfoque na rentabilidade económica e na eficácia produtiva dos países.

Como afirma Pacheco, desta lógica de mercado nascem os desígnios da eficácia e da qualidade, da diversidade e da heterogeneidade, desígnios estes introduzidos politicamente no sistema educativo em nome, dos resultados e não dos processos (2000: 145).