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A elaboração da área da psicologia clínica

No documento Sartre e a psicologia clínica (páginas 46-56)

A psicologia clínica, saída do seio da psiquiatria e da psicanálise, sofreria um conjunto de outras influências advindas de elementos presentes no cenário dessa época. Primeiramente, podemos destacar sua relação com a psicometria. A ênfase positivista predominante nas ciências de então

trouxe para o seio da psicologia o imperativo da quantificação dos elementos psicológicos. A necessidade de mensurar as diferenças individuais, gerada por uma sociedade que se tornava cada vez mais competitiva, acarretou a criação dos testes psicométricos. Alfred Binet (1857-1911) interessava- se pelo funcionamento mental individual, trabalhando com crianças subnormais ou deficientes mentais em um Laboratório na Sorbonne, juntamente com Simon, um psiquiatra. Solicitado pelo governo francês a criar um instrumento que pudesse medir as diferenças de capacidade de aprendizado de crianças nas escolas, chegaram, enfim, à construção da primeira escala de inteligência, em 1905, cujo objetivo era medir as capacidades intelectuais e classificar os indivíduos em diferentes níveis de inteligência. Essa classificação também pautou-se em conceitos psicopatológicos (idiotia, imbecilidade, cretinice – para os níveis abaixo do normal, por exemplo), tendo sido influenciada pelo cultura psiquiátrica que dominava as ciências sociais naquele momento. A partir de seus trabalhos, o desenvolvimento dos testes psicológicos acontecerá vertiginosamente, adquirindo grande valorização ao ser considerado como o principal instrumento de trabalho dos psicólogos. Essa valorização influenciará, com certeza, a psicologia clínica, que passou a se utilizar desses instrumentos de medida para realizar seus diagnósticos, considerados por muitos como sua maior função.

Em segundo lugar, destacamos a relação controversa com a psicologia experimental. A história deixa-nos claro que a primeira área que consolidou a psicologia enquanto ciência foi a experimental. Nascida dos métodos psicofísicos desenvolvidos no final do século XIX em laboratórios como o de Wundt, na Alemanha, a psicologia ganhou aí os contornos de uma disciplina autônoma, adquirindo legitimidade e prestígio. Fazer psicologia era seguir os princípios científicos e os métodos experimentais, com sua ênfase elementarista ou atomista e sua concepção estruturalista, referendados pelo zeitgeist da época, apesar das polêmicas e resistências que essa hegemonia gerava. A psicologia clínica foi um dos frutos da contestação a esse modelo predominante de ciência psicológica. Buscavam-se outros modos de produzir os conhecimentos em psicologia, pautados em outras concepções sobre seu objeto: a psique. A psicologia clínica, que já estava sendo constituída no seio da psiquiatria, ganhou força ao se estabelecer como uma alternativa ao modelo experimental, como foi defendido, por exemplo, por Hatenberg e Valetin, editores da primeira revista dedicada

à área, a Revue de psychologie clinique et thérapeutique, em Nancy, em 1897 (PRÉVOST, 1988).

Por outro lado, muitos dos que se engajaram na tarefa de construir a psicologia clínica consideravam importante implementar a pesquisa científica em seu seio, introduzindo, assim, em seu bojo, a perspectiva experimental. É o caso de Pierre Janet, de Alfred Binet, de Réne Zazzo, entre outros. Portanto, ora opondo-se ao experimental, ora seguindo seus princípios, a psicologia clínica vai elaborando sua história para chegar aos nossos dias transpassada por uma série de contradições e paradoxos, típicos, também, como bem sabemos, de sua disciplina mestra, a psicologia.

Nos Estados Unidos, país onde no início do século XX predominava a ênfase positivista, a área clínica recebeu marcadamente a influência da psicologia experimental, consolidando-se mais cedo do que na Europa (mais especificamente do que na França, país sobre o qual nos deteremos, em função de estudarmos um autor francês) enquanto especialidade da psicologia, por seguir o estatuto de cientificidade. O seu fundador, naquele solo, foi Lightner Witmer (1867-1956) que, formado na Alemanha como discípulo de Wundt, voltou à Universidade da Pensilvânia, em 1896, para criar a primeira “clínica psicológica”, voltada para a pesquisa e atendimento de crianças com deficiência mental, utilizando-se ali de métodos psicofísicos e psicométricos. Nesse mesmo ano, ele pronunciou uma palestra para a Associação Americana de Psicologia (APA), fundada em 1892, discutindo, pela primeira vez, sobre o método clínico em psicologia, tema, aliás, que, de início, não foi bem-aceito pelos psicólogos americanos. Aos poucos, porém, essa área começou a ganhar credibilidade, principalmente com sua aproximação com a psiquiatria e com a psicologia dinâmica (psicologia que reconhece a personalidade como centro de forças) em trabalhos como o de Healy, psiquiatra, discípulo de William James, que em 1909 propõe a utilização da abordagem clínica em uma instituição de jovens delinquentes. Começou, então, a inserção de psicólogos em equipes psiquiátricas de hospitais e clínicas de doença mental. Nas primeiras décadas do século XX foram abertas novas clínicas psicológicas em universidadese e, em 1914, já havia mais de vinte clínicas desse estilo espalhadas pelo território americano. A Primeira Grande Guerra trouxe a crescente valorização das clínicas psicológicas, por estarem vinculadas, entre outras coisas, com o desenvolvimento dos testes psicológicos destinados à seleção de soldados.

A cultura pragmática predominante nos Estados Unidos forneceu um substrato fértil para a consolidação da psicologia clínica enquanto campo de intervenção. A sua aplicação na indústria, bem como nas escolas, generalizou-se. Dessa forma, a organização da psicologia clínica na América se deu a passos largos. Em 1919, a APA abriu uma seção clínica em seu organograma. Em 1937, aconteceu a primeira reunião de organização de psicólogos clínicos e, em 1947, eles conquistaram, pela APA, a delimitação de critérios mínimos para a formação do psicólogo clínico que, além da formação de um psicólogo generalista, exigia a consagração à pesquisa e à obtenção de um PhD. Na definição de suas atribuições, o psicólogo clínico devia sempre se referir a um saber científico que lhe servisse de base para a sua perspectiva, seus instrumentos e concepções, sendo que ele devia enriquecê-los com pesquisas, contribuindo, portanto, para a sua renovação.

Outro incremento importante para a área foi o crescimento do movimento psicanalítico naquele país. Stanley Hall convidou Freud e Jung para virem à Universidade de Clark, em 1909, divulgar suas ideias, introduzindo, assim, a psicanálise em solo americano, o que contribuiu para delinear a prática psicoterapêutica. Rapidamente o movimento psicanalítico ganhou forma em solo americano: em 1911, criou-se a Sociedade Psicanalítica de New York, coordenada por Brill; nesse mesmo ano, Ernest Jones, psicanalista britânico, amigo pessoal de Freud, criou a Associação Psicanalítica Americana, com poderes sobre os critérios de formação de psicanalistas, definidos pela Sociedade Psicanalítica Internacional. Logo surgiram divergências entre as duas entidades. Várias outras associações foram criadas em diferentes cidades dos EUA. A psicanálise em solo americano ficou restrita aos médicos, sendo considerada um ramo da psiquiatria, gerando descontentamento no próprio Freud, que era um defensor da possibilidade da análise leiga. Essa polêmica durou vários anos: em 1956, na comemoração do centenário de Freud, nos EUA, Jones proferiu uma palestra na qual advertiu a Associação Psicanalítica Americana para que mudasse de posição quanto à necessidade da preparação médica dos psicanalistas, mas ainda assim a resistência permaneceu. Alguns autores argumentam que a posição adotada pela APA, em 1947, foi uma estratégia para contornar essa proibição, abrindo a prática psicoterapêutica para todos os psicólogos.

A Segunda Grande Guerra foi outro impulso substancial para a área. Um fato importante foi que mais de 1.500 acadêmicos e cientistas

converteram-se em psicólogos clínicos de uniforme, para auxiliar na seleção de soldados e no tratamento de traumas de guerra, dessa forma exercendo um incrível impacto sobre a especialidade, ajudando na consolidação da prática desse campo ainda relativamente novo. O Hospital de Veteranos realizou, nesse período, o maior programa de treinamento em disciplinas de saúde mental e o National Institute of Mental Health (NIMH) ofereceu um grande suporte em treinamento e pesquisa em psicologia clínica da época (MENSH, 1971).

Dois acontecimentos marcaram a psicologia clínica no pós- guerra: a regulamentação da profissão em solo americano e a emissão de certificados de habilitação através das associações psicológicas estaduais, o que incrementou, sobremaneira, o número de psicólogos (MENSH, 1971). Portanto, podemos verificar o quanto o desenvolvimento da psicologia clínica acelerou-se depois da Segunda Guerra, adquirindo a sua forma atual, com sua diversidade de métodos, teorias, conceitos, modelos e práticas, dependentes da “linhagem” da qual descendem.

O outro locus privilegiado de consolidação da psicologia clínica foi a França, devido ao fato de ser lá o berço da psiquiatria e da psicopatologia, ascendentes maiores da área em discussão. Jean-Marie Charcot, Pierre Janet, Alfred Binet, todos franceses, são precursores inquestionáveis desta especialidade, como já vimos acima.

O primeiro momento de demarcação da psicologia clínica, na França, segundo Prévost (1988), foi o realizado por Hartenberg e Valentin, da École de Nancy, editores, como vimos acima, da Revue de psychologie clinique et thérapeutique, que apareceu em 1897. A École de Nancy se opunha à de Charcot e à École de la Salpêtrière, questionando o método da hipnose para a cura dos problemas psíquicos. Criticavam, também, a aproximação da psicologia clínica com a experimental, pois discordavam de sua demarche, que dissociava elementos da vida psíquica, descaracterizando-a como um todo concreto, que é sua verdadeira realidade. Afirmavam, além disso, a clínica não só como um método, mas também como uma cultura. A revista desapareceu em 1901, e alguns autores argumentam que esse fato aconteceu em função do predomínio do modelo neurológico na psiquiatria, o que levou os autores a assumirem a proposta da psicologia médica, dissolvendo a dicotomia inicial com a medicina, como aconteceu em seus primórdios.

Na época, a Revue teve uma grande importância nos meios científicos. Apresentou grandes teorias em debate em seu tempo, como é o caso da

“teoria da frenologia”, de Lombroso e a “teoria das afasias”, de Wernicke. Prévost afirma que Freud, que se interessava pelos problemas da afasia e que conheceu Wernicke, tomou, por seu intermédio, conhecimento da Revue. Freud sempre deu atenção ao que acontecia na área da psiquiatria, na França, passando a se utilizar da noção de psicologia clínica empregada pela revista, retomando-a em sua carta a Fliess de 30 de janeiro de 1899. “Freud não a inventou, ele faz eco a uma ideia que iria dormir por mais de 25 anos.” (PREVOST, 1988, p. 30).

A psicologia clínica desaparecerá do cenário francês, enquanto área de especialidade, por muitos anos, voltando à cena com os trabalhos desenvolvidos por Daniel Lagache (1903-1972), filósofo, médico psiquiatra e psicanalista. Sua famosa conferência “Psicologia clínica e método clínico”, realizada em 1949, diante do grupo de “Evolution Psyquiatrique”, foi o marco desse renascimento. Sua trajetória profissional começou no Hospital Sainte-Anne, em Paris, onde desenvolvia trabalhos em psicopatologia. Foi psicanalisado e, logo que lhe foi permitido, tornou-se membro da Sociedade Psicanalítica de Paris. Em 1937, escolheu deixar a chefia da clínica daquele hospital para assumir a cadeira de psicologia na Faculdade de Ciências e Letras de Strasbourg, dedicando-se então à pesquisa e à prática de atividades clínicas: realizou recrutamento nas Indústrias Michelin, trabalhou junto a crianças desadaptadas e delinquentes, ocupou- se de questões criminológicas, além de ensinar estudantes de filosofia e de assistência social. Em 1945, dois anos antes da oficialização do título de psicólogo na França (1947), criou um curso de psicologia naquela universidade. Em 1946, foi nomeado para a cátedra de psicologia na Sorbonne, transferindo-se para Paris. Seu primeiro curso (1947-1948) resultará em uma obra que logo gerará muita polêmica, intitulada L’unité de la psychologie.

A problematização da disciplina psicologia já estava em suas preocupações há bastante tempo. Sua primeira formação como filósofo11 introduziu-o no seio da atmosfera intelectual dos anos 1930, na França. “Desde 1938, ele falava da ‘nova psicologia’, ‘totalitária e concreta’, onde pudessem convergir ‘o bergsionismo, a fenomenologia, a psicanálise, a psicologia da Gestalt, a importância dada atualmente às noções de situação, de ‘erlebnis’ (mundo vivido), de pessoa”. (PRÉVOST, 1988, p. 42).

A influencia de Jaspers se faz notar na distinção que Lagache faz questão de remarcar entre explicação e compreensão, bem como na utilização da metodologia fenomenológica. Já, de Politzer, utiliza a noção de “drama da existência humana”, pretendendo estudar o homem concreto. A partir de todas essas influências, desejava realizar uma síntese eclética entre a fenomenologia, o humanismo, a psicanálise, considerada por muitos como impossível.

O “parto” da psicologia clínica será lento: falará primeiro de uma “psicologia em profundidade”, depois de uma “psicanálise de casos” e, finalmente, em um texto de 1945, intitulado “La méthode clinique en psychologie humaine”, discutirá, pela primeira vez de forma elaborada, a psicologia clínica, afirmando que ela “[...] manifesta-se como o melhor instrumento, no domínio humano, de uma coordenação e controle das diversas disciplinas psicológicas” (PRÉVOST, 1988, p. 44). Percebe-se em seus argumentos uma clara influência de Pierre Janet, mesmo que ele não o tenha citado explicitamente. No entanto, foi no texto de sua conferência de 1949 que a proposta de uma psicologia clínica foi sistematizada, quando a definição do seu objeto foi explicitada, expressando que a psicologia clínica deve ser compreendida como uma disciplina psicológica baseada no estudo aprofundado de casos individuais. Ela tem por objeto de estudo a conduta humana individual e suas condições (hereditariedade, maturação, condições psicológicas e patológicas, história de vida); quer dizer, o estudo da pessoa total “em situação” (PRÉVOST, 1988, p. 44).12 Dessa forma, a psicologia clínica deve ser uma psicologia aplicada e concreta, ou seja, uma prática apoiada sobre um método (o clínico), sustentada, principalmente, pela análise de casos, cujo objeto é o “homem em conflito”, desdobrando-se na constituição de uma teoria. A partir dessas definições, Lagache propõe como objetivos da psicologia clínica: aconselhar, curar, educar ou reeducar; ou melhor, prevenir e resolver conflitos. A psicologia clínica deve responder à demanda do sujeito que sofre e que procura seus serviços para curar sua dor. Além disso, juntamente com outros trabalhadores sociais, o psicólogo clínico deve trabalhar situações concretas, contribuindo na prevenção dos problemas sociais, como a delinquência e a criminalidade.

12 Verificamos, nessa definição, a clara influência da fenomenologia, como quando

Lagache utiliza o termo “situação”, caro a essa filosofia e muito em voga naquele momento cultural, inclusive central na obra de Sartre.

O método clínico foi pensado como o levantamento e a análise de fatos através da observação, de entrevistas e da análise das produções do sujeito. A atividade fundamental que embasa o trabalho psicológico e que viabiliza os objetivos citados é o diagnóstico, que é considerado a característica central do trabalho clínico, porque estabelece a base racional e real da ação psicológica (PRÉVOST, 1988).

As técnicas que a psicologia clínica pode utilizar são muitas, entre elas Lagache destaca como importantes para o trabalho clínico: técnicas históricas (análise de documentos e de testemunhos), técnicas de observação (anamnese, exame clínico), testes psicológicos e técnicas psicanalíticas. Sobre estas últimas, é importante destacar que Lagache, apesar de profundamente influenciado pela psicanálise, estabelece uma distinção entre ela e a psicologia clínica, argumentando que o psicólogo clínico não precisa, necessariamente, ser psicanalista.

Juliette Favez-Boutonier, filósofa, médica e psicanalista, sucederá Lagache na cadeira de Psicologia na Sorbonne, dando continuidade à sua obra. Seu curso, no ano de 1958-1959, teve grande audiência, ocasião em que desenvolveu distinções entre a psicologia clínica e a psicologia médica, bem como entre estas e a psicanálise. Fundou um Laboratório de Psicologia Clínica nesse mesmo ano, no qual desenvolveu muitas pesquisas. O desafio da psicologia clínica foi, naquele momento, conciliar a investigação da singularidade, enquanto interioridade subjetiva, com o rigor científico e sua exigência de objetividade. Essa foi a batalha enfrentada por Lagache e Favez-Boutonier a fim de dar credibilidade para a psicologia clínica. Em 1966, ela criou o primeiro certificado de maîtrise em psicologia clínica, na França, que teve um importante papel no reconhecimento dessa especialidade. Sua definição de psicologia clínica, bastante influenciada pela fenomenologia, foi a seguinte: “estudo de uma personalidade singular na totalidade de sua situação e de sua evolução” (FAVEZ-BOUTONIER apud PRÉVOST, 1988, p. 62). Procurou, da mesma forma que seu mestre, realizar uma síntese entre aquela corrente e a psicanálise, tarefa considerada por muitos como impossível.

A relação entre psicologia clínica e psicanálise, na França, sempre foi controversa. Entretanto, a psicanálise foi fonte de inspiração para a primeira, fornecendo-lhe, em parte, sua sustentação teórica, bem como seu modelo de prática. Por isso, muitos falam da “dependência analítica” da psicologia clínica (PEDINIELLI, 1994). As primeiras ligações da

psicanálise com a psicologia clínica na França foram realizadas pelos psiquiatras infantis, desde o fim da Primeira Guerra, como S. Lebovici, J. de Ajuriaguerra, entre outros e, também, pelos estudos nosológicos de base psicanalítica, como os de A. Green. (SCHMID-KITSIKIS, 1999). Desde 1914, o interesse pela psicanálise existia em um amplo setor do pensamento francês. Do lado literário, através do surrealismo, defendido por André Breton e George Bataille, a psicanálise era reivindicada como a expressão de uma autêntica descoberta da realidade do homem. O surrealismo realizou a sua mais conhecida representação profana e não médica, ao fazer uma “apologia do primado soberano do inconsciente” (ROUDINESCO, 1988). Do lado médico, as ideias freudianas são adaptadas aos ideais cartesianos e propagadas servindo-se das vias da psicologia de Pierre Janet e de Bergson. A partir de 1922, a temporada freudiana está no auge em Paris, e muitos artigos são publicados, contribuindo para a ascensão da psicanálise. Em 1926, foi criada a Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP), com diferentes grupos em sua composição, desde os mais ortodoxos, fiéis à Associação Psicanalítica Internacional (API), até os neutralistas (que teorizavam sobre o confronto psiquiatria X psicologia) e os mais dissidentes. Nos anos 1930- 1940, a moda na França foi a discussão sobre a relação entre marxismo e freudismo, ora aproximando-se, procurando viabilizar essa junção, ora distanciando-se, sob a acusação de a psicanálise servir aos interesses burgueses, capitalistas, ou ainda, na época da Guerra, aos interesses do Nazismo. Psicólogos de renome como Politzer e Wallon foram expoentes na realização dessa discussão.

Jacques Lacan (1901-1981) pode ser considerado o maior expoente do pensamento psicanalítico francês. Propôs uma nova “virada clínica”, ao realizar uma síntese da psicanálise com o estruturalismo de Levi-Strauss. Sua tese em medicina, primeiro trabalho divulgado do autor, em 1933, foi sobre psicose paranoica. A partir de então não parou mais de escrever artigos e livros sobre sua perspectiva da psicanálise.

Diz Roudinesco (1988) que a partir de 1945 a implantação do freudismo na França já está consolidada. Daí em diante narrativa dos fatos deixa de lado a aventura dos pioneiros para se dedicar a um aspecto menos heroico, o da gestão dos conflitos entre os adeptos da psicanálise. Em 1953, a SPP enfrentou uma grande crise, quando os alunos e psicanalistas recentes se revoltaram contra a rigidez das normas da Sociedade, sendo apoiados por Lacan. Essa crise se arrastou por mais de dez anos, quando,

em 1963, ocorreu uma grande cisão e foram fundadas a École Freudienne de Paris, dirigida por Lacan, e a Association Psychanalitique de France, sob direção de Laplanche.

Não se pode subestimar o papel de Lacan no cenário da psicanálise e psicologia francesas do século XX. Um dos seus argumentou principais era que para retirar a psicanálise francesa do atraso em que se encontrava era preciso separá-la da psicologia, principalmente aquela centrada no “ego”, que desvirtuava a noção estruturalista da psicanálise; a psicologia ficaria presa no estágio imaginário, sem conseguir evoluir, argumenta, ao contrário da psicanálise, que se sustenta na noção de simbólico. A posição de Lacan, bastante preponderante no cenário da psicanálise das décadas de 1960 a 1980, imporá a necessária distinção entre psicologia clínica e psicanálise, tanto de um lado, quanto de outro. Autores da psicologia clínica argumentam que a psicanálise consolida-se, geralmente, no campo

No documento Sartre e a psicologia clínica (páginas 46-56)