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A personalidade e as mediações sociais – dimensão psicológica

No documento Sartre e a psicologia clínica (páginas 158-175)

o processo de personalização também deve sê-lo. A apropriação ativa e

38 Sartre não explicita exatamente dessa forma a sua noção de mediação (categorizando-a

em positivas e negativas). Essa é uma reflexão particular da autora, baseada em discussões implementadas por Sartre.

39 Sartre em A transcendência do ego realiza, como já vimos, uma ontologia do eu, ou

seja, discute o “ser” do ego, sua estruturação, sua diferenciação da consciência, etc. Não descreve, no entanto, o ego em uma perspectiva psicológica, ou seja, na forma como ocorre o desenvolvimento da personalidade, sua experiência concreta. Aponta, em diversos textos, sua compreensão dessa dimensão psicológica, inclusive em suas biografias como

Saint Genet. O livro em que ele elabora essa temática de forma mais detalhada é o L’idiot de la famille, sobre Flaubert. No entanto, em nenhum momento ele a descreve de forma

sistematizada. Por isso, este subcapítulo será fruto de reflexões da autora, sustentadas nas proposições que se encontram em diferentes obras de Sartre (algumas dessas reflexões já foram, inclusive, publicadas por mim – Schneider; Castro, 1998), bem como, em discussões empreendidas, no mesmo sentido, por Bertolino (1995, 1996b) e Bertolino et al (1996a).

singular da objetividade (da materialidade, do tempo, dos outros, dos valores sociais e culturais), ou seja, a ação de interiorização da exterioridade, resulta na constituição da personalidade, que se consolida, assim, como uma subjetividade objetivada, quer dizer, uma subjetividade que é a totalização das relações que o sujeito estabeleceu com o mundo e que nele se objetiva através de seus estados, ações, emoções, reflexões, etc.

É preciso destacar: primeiro, que o homem nasce corpo/consciência, como já vimos. Isto quer dizer que o sujeito concreto nasce com uma dada condição física e fisiológica, trazida com seu corpo e com uma certa condição de estabelecer relação com o mundo, trazida pela consciência. Essas são condições de possibilidade para seu ser se estabelecer, mas não são o seu ser. Sua essência (quer dizer, aquilo que define a especificidade de seu ser, no caso do homem, sua personalidade) não está dada, precisará ser construída. Daí a necessidade de um processo histórico de totalização das relações do sujeito com o mundo, mediadas pelo antropológico e pelo sociológico, que constituirão, assim, os estados, ações e qualidades que, unificados, formarão a personalidade. Com isso, fica claro que nascemos ninguém e nos tornamos alguém específico nesse processo de construção constante de nosso ser. Ou seja, primeiro existimos, estabelecemos relações com o mundo, para então, a partir daí, nos personalizarmos, nos essencializarmos. Temos aqui a sustentação da máxima sartriana para o ser do homem: “a existência precede a essência” (SARTRE, 1996).

Em segundo lugar, o indivíduo nasce inserido em um dado espaço social. Não há nenhum ser humano que nasça sem amarras sociais; mesmo os bebês abandonados desde o nascimento, sem vínculos familiares, precisam ser cuidados por alguém, como foi o caso de Genet, cuidado pela Assistência Pública Francesa. Quer dizer, a criança sempre é inscrita em um determinado contexto antropológico: nasce em um certo local, com sua cultura, seus valores específicos; em um certo tempo e numa dada classe social, com suas condições materiais, produtivas, ideológicas; em uma certa família, rodeada de certas pessoas, com seus valores e racionalidades específicas. Essa inscrição no social é a condição primeira para a personalização do sujeito. Uma criança afastada do convívio social não se personaliza, permanece ao nível de animal comum. É o caso dos “meninos selvagens”, que ilustram bem essa afirmação. Tais crianças, criadas por animais, quando encontradas e trazidas para a convivência humana comportavam-se como animais, não indo além de suprir suas

necessidades de sobrevivência, apesar de sua estrutura orgânica ser da espécie humana. Faltou a elas o aprendizado das características propriamente humanas, como a linguagem, a reflexão, os hábitos sociais de alimentação, vestuário, etc. Com isso, não conseguiam atribuir significado às coisas que experimentavam e, assim, colocá-las a serviço de um projeto, de um desejo. A ausência de relação com outros homens impôs a essas crianças a condição de “animal comum”, não viabilizando a constituição de suas personalidades, que só começaram a se esboçar, adquirindo características humanas, a partir do momento em que foram trazidas para a convivência com outros homens. Poderíamos esclarecer ainda melhor essa situação com as palavras de Leontiev:

O desenvolvimento mental da criança é qualitativamente diferente do desenvolvimento ontogênico do comportamento nos animais. Esta diferença provém, sobretudo, da ausência nos animais, de um processo essencial no desenvolvimento da criança: o processo de apropriação da experiência acumulada pela humanidade ao longo de sua história social. (apud SCHNEIDER; CASTRO, 1998, p. 142).

Portanto, somos seres sociais por excelência. Esse processo de construção, com já vimos, é dialético, quer dizer, essa estrutura social na qual o indivíduo está inserido fornece o horizonte em que encontrará os parâmetros para construir sua singularidade, apropriando-se ativamente desse conjunto de práticas sociais, de valores, de conhecimentos, de ideologias, de afetividades, histórica e antropologicamente constituídas.

Essa inserção social é concretizada através da rede sociológica, ou seja, da mediação das pessoas que são mais próximas à criança, as quais realizam a intersecção dos valores sociais e culturais mais gerais, com as necessidades mais imediatas e concretas do sujeito, constituindo seu processo de sociologização. Dessa forma, a criança é inserida no que poderíamos designar de “placenta social”,40 quer dizer, um espaço existencial, sociológico, onde ela é “alimentada” com conhecimentos, valores, crenças, afetividade, que viabilizam a sua formação como sujeito humano. Esse espaço, inicialmente, na grande maioria dos casos, é o da família. As pessoas que cercam a criança, desde cedo vão forjando um projeto para ela ao efetivarem um conjunto de expectativas em seu

entorno: consideram-na parecida com o pai em certos aspectos físicos e psicológicos, com a mãe em outros, com os avós nisso ou naquilo, e assim por diante; dizem que ela é muito quieta, ou muito agitada, que chora muito ou pouco, etc.; querem que aja de determinada maneira, irritam-se quando ela age de outro, mostram como deve se comportar; constroem, aos poucos, uma maneira de lidar com ela, na afetividade e na racionalidade. É importante aqui compreender como se estabelece o cuidado com a criança, como a carregam no colo, como é o banho, o amamentar, os carinhos, etc., elementos concretos, afetivos, que vão dando suporte para a criança consolidar o seu ser. Em sua biografia sobre Flaubert, Sartre descreve que a falta de empenho no cuidado materno quando ele era ainda bebê, que transparecia na falta de carinho, na indisponibilidade para carregá-lo, para acalmá-lo, etc., constituiu-se em variável fundamental no “destino” que o levou a se experimentar uma “passividade de ser”, ao ponto de alguns considerá-lo um “idiota”, por sua letargia e falta de iniciativa quando criança.

Foi o zelo piedoso e frio de sua mãe que constituiu Gustave como agente passivo. Madame Flaubert está na origem desta ‘natureza’ e do mal através do qual esta se fez viver. Foi ela que o acolheu como indesejável – como um pequeno mal inoportuno que ocupava o lugar de uma filha desejada. [...] O fato é que a criança sentiu uma incapacidade de viver, em seus primeiros anos, a partir dos cuidados que Caroline lhe dispensava com morno empenho. (SARTRE, 1971, p. 180).

O processo das primeiras relações é definidor da construção da personalidade do sujeito, as nuanças do relacionamento cotidiano com os outros vão possibilitando ao sujeito forjar seu ser. Sartre descreve, por exemplo, o quão significativo foi para Genet a vigilância constante que sofreu dos adultos, pois essa falta de confiança, experimentada concretamente em cada olhar atravessado, em cada giro de chave, no silêncio carregado, foram fornecendo elementos objetivos para Genet intuir a certeza de ser o que os outros achavam dele e, portanto, quem ele estava destinado a ser − tinha nascido sob a égide do mal e estava condenado a ser o ladrão, o excluído. Sartre ainda mostra que Genet era muito jovem para reagir de outra forma que não aceitar o veredicto. Se fosse um pouco mais velho, com dezessete ou dezoito anos, poderia ter se negado a assumir a exclusão que lhe foi

imposta, mas com a idade que tinha, não teve condições existenciais, psicológicas de agir de outro modo.

A estrutura das famílias, dos grupos primários a que o sujeito pertence, é interiorizada pela criança em atitudes e reexteriorizadas em práticas, pelas quais ela se faz ser aquilo que fizeram dela. Dessa forma, o que encontramos na infância são atitudes, ações, emoções que sempre têm sua origem em uma determinação interiorizada, passando por um processo de totalização e destotalização do ser da criança, no seio de suas relações fundamentais. Sendo assim, a totalização em curso, que em todo momento se destotaliza e retotaliza e que se objetiva pelas condutas, pelos atos, pelas emoções, é o que Sartre considera de personalização, processo pelo qual o sujeito constitui sua idiossincrasia, seu projeto de ser, através de uma constante interiorização/exteriorização do seu sociológico. “A personalização não é mais do que, no indivíduo, a superação e a conservação (assunção e negação íntima) no seio de um projeto totalizador daquilo que o mundo fez e continua a fazer – dele” (SARTRE, 1971, p. 657).

Essas reflexões nos mostram, portanto, que o processo de construção é experimentado, em um primeiro momento, na alienação. O que queremos dizer com isso? É que uma criança pequena não nasce com a capacidade de refletir. No início de sua vida, ela somente estabelece relações espontâneas com o ambiente que a cerca, sustentadas em consciências de primeiro grau, pré-reflexivas. É só mais tarde, com o processo de relação com o mundo,

mediado por outras pessoas, que aprenderá a refletir, a abstrair.41 Sendo

assim, não tem posição de si, pois ainda não tem um eu constituído, está no processo de formação da personalidade e, por isso, seu ser acaba por ser, inicialmente, modelado pelos outros. Vive, nesse momento, seu ser como um tem-que-ser, o eu enquanto uma tarefa a realizar.

Todo esse processo de mediações (positivas e/ou negativas), na medida em que a criança vai adquirindo a capacidade de abstrair, vai sendo apropriado reflexivamente por ela, constituindo a inteligibilidade

ou a certeza de ser que terá de si mesma. Já vimos que para tomarmos

posição de eu, posicionarmo-nos enquanto “sujeito” dos nossos atos, é necessária uma consciência de segundo grau, reflexiva; portanto, é através da reflexão que vamos estabelecendo um entendimento de como agimos

41 Piaget descreve com muito rigor as várias etapas da construção do pensamento da

criança, que vão desde o que ele denomina de estágio sensório-motor até o estágio de operações formais, demostrando que a capacidade de abstrair só é adquirida mais tarde.

e sentimos, de como pensamos sobre as coisas que nos cercam, enfim, de quem nós somos. Qualquer pessoa unifica o seu ser, sua personalidade com amarras reflexivas; é essa racionalidade, enquanto totalização reflexiva de nossas ações, estados e qualidades, que consolida o cogito ou saber de ser do sujeito, constituindo-se no núcleo atômico de onde emanam as forças que sustentam a personalidade em sua dinâmica, tanto em sua face ativa (je), quanto em sua face passiva ou eu psicofísico (moi) (SARTRE, 1965). O saber de ser é, portanto, construído pela apropriação singular que o sujeito faz da inteligibilidade dos acontecimentos que lhe ocorrem, dos valores, crenças e diferentes racionalidades existententes no contexto social, antropológico em que está inserido, mediatizados pelas pessoas que o cercam. É essa dialética entre a subjetividade e a objetividade que determinará a personalização dos indivíduos.

Ao serem realizadas as escolhas cotidianas, elas acabam por instaurar uma dimensão psicológica, pois ao eleger sobre aquilo que os outros fizeram dele, o sujeito se escolhe em um cogito, quer dizer, em um modo de se saber sendo tal sujeito específico. O cogito é, pois, a consciência de existência que se impõe a partir das situações concretas nas quais o sujeito está inserido, sendo que nele o sujeito se reconhece como aquele que realizou tais ações, que teve tais emoções e que, portanto, é esta ou aquela pessoa. Ao lançar-se livremente em dada direção, a possibilidade escolhida acaba por se impor a ele como um futuro que deve ser realizado, ou seja, como um “destino”, que acaba por engendrar sua dinâmica psicológica. O sujeito experimenta-se, assim, como que arrastado por forças alheias, como se algo o estivesse fazendo agir, quando na verdade ele sabe que é ele próprio que se lança nessa direção; daí o sofrimento gerado pelas situações de impasse psicológico (BERTOLINO, 2003). Assim, a partir do contexto antropológico, constituem-se arranjos sociológicos que induzem o sujeito a um arranjo racional imanente, gerando a certeza de ser este e não aquele indivíduo; pois o arranjo racional é o teorema que se impõe ao sujeito sustentado em elementos racionais, emocionais, sociológicas que o pegam na atmosfera humana em que está inserido, teorema esse que o remete ao redemoinho de seu saber de ser (BERTOLINO, 2003).

O cogito acontece a todo e qualquer sujeito e é, por isso mesmo, uma empresa pessoal, como Sartre descreve em A transcendência do ego (SARTRE, 1965). Aqui aparece o erro de Descartes, pois este fez do cogito um universal a priori, uma abstração, um princípio primeiro da filosofia,

quando o cogito é, na verdade, uma experiência concreta, singular e histórica, pois cada sujeito tem a sua forma específica de apreender sua existência e se saber nela. O cogito não é primeiramente reflexivo, como tenta nos convencer o filósofo racionalista; ele é pré-reflexivo, esclarece Sartre, ou seja, ele é irrefletido e espontâneo. O cogito pré-reflexivo é condição para o cogito reflexivo.

Ele não é, assim, uma pretensão de ser, ou seja, não é da ordem do conhecimento, da verdade, como queria Descartes. O cogito é, na verdade, da ordem do saber, do saborear, do sentir por meio do gosto, que leva o sujeito a estar convencido de..., ter a certeza de... (coisas presentes e futuras) (HOUAISS, 2002); portanto, dá-se no plano da espontaneidade, da experimentação psicofísica de ser. Ou seja, é o sujeito concreto (moi), espontaneamente afetado pelas coisas, pelos outros, pelas situações. Coisas, outros, situações que, dessa forma, ganham função sobre o sujeito, ou seja, estabelecem relações noemático-noéticas, como se refere Sartre, tomando as noções emprestadas de Husserl (um objeto que adquire o valor de afetar o sujeito). Essa propriedade de afetar uma pessoa é gerada no caminho que esta faz em relação ao objeto ou situação; a relação noemática-noética é, assim, uma relação objetiva, temporal, espacial, concretizando-se enquanto a função do objeto no ser do sujeito.

Esse processo, em um primeiro momento, é vivido de forma alienada, na medida em que o ser da pessoa está na mão dos outros, pois uma criança pequena ainda não tem condições lógicas, nem psicológicas de ter autonomia, pois ainda não tem um eu constituído e as primeiras reflexões que vai estabelecendo são espontâneas. Mas, aos poucos, a ampliação do seu leque de relações, que vai expandindo para além do ambiente familiar ou institucional, dialetizando os valores e a inteligibilidade social, vai contribuindo para a aquisição, por parte da criança, da capacidade de realizar reflexões críticas e, com isso, de relativizar o processo de mediações até então estabelecido, para, enfim, tomar o seu ser em suas mãos. É o momento do chamado nascimento existencial,42 que se viabiliza quando a criança “rompe” a placenta social e nasce para o mundo autônomo. Supera o dever-ser para se situar no horizonte do poder-ser, quer dizer, não vive mais seu ser como tarefa, mas como um conjunto de possibilidades, cuja realização depende dela, bem como da situação em que estiver inserida.

É preciso atentar para o fato de que muitas vezes as pessoas não conseguem nascer existencialmente, ficam presas à placenta social, depen- dentes do “cordão umbilical” familiar ou institucional. São vários os fatores que levam a essa situação, entre eles a concepção lógica formal que sustenta nossa sociedade, que inviabiliza que as pessoas compreendam a si mesmas e as suas relações de uma forma dialética, em termos de possibilidades, de vir-a-ser. Vivem dentro de um determinismo, de um dever-ser, seguindo à risca o “princípio de identidade” (o ser é o que é), devendo corresponder ao seu ser, definido a priori. Isso porque a racionalidade ocidental moderna é definida, sobretudo, pela concepção racionalista e cartesiana.

Descarte instaura um subjetivismo sem recurso, quando define que a verdade, a realidade encontra-se no eu, considerado substância43 pensante, que existe independente do corpo e do mundo. Propõe, consequentemente, que para chegarmos às verdades indubitáveis, devemos duvidar dos nossos sentidos, dos nossos raciocínios, enfim, de nossa relação com o mundo. A verdade é dada ao eu por Deus, expressão da “Razão” que existe a priori. Essa racionalidade dominante faz com que as pessoas se encerrem em si mesmas, duvidem de sua relação com a realidade e procurem ser racionais em todas suas atitudes, entendendo, por isso, que devem corresponder à Razão e, portanto, às regras morais. A máxima é, portanto, ajustar-se ao meio social, através do autoconhecimento. Com isso, nossa cultura se faz alienadora e massificante. As pessoas vivem as contradições sociais, os desentendimentos cotidianos, sem poder enfrentá-los, sem dialetizá-los, pois entendem que os problemas não são do mundo e de sua relação com ele, mas de ordem interna. Inclusive devem duvidar daquilo que percebem ao seu redor, pois a fonte de sua verdade é o seu “interior”.

Essa lógica formal, essa racionalidade cartesiana, atravessa, igualmente, as relações familiares, que acabam estabelecendo relações puramente morais, à luz das quais cada um dos seus membros encerra- se em si mesmo, buscando salvar-se, sem que efetivamente consigam realizar-se como mediadores uns para os outros. Constituem, assim, como vimos, famílias serializadas, cujos membros, apesar de estarem juntos, não conseguem se tecer. As pessoas, geralmente, debatem-se desesperadamente para “salvar” sua família da dissolução, mas o fazem, no entanto, na

43 Substância, segundo Houaiss (2002): “é a realidade que se mantém permanente sob

os acidentes múltiplos e mutáveis, servindo-lhes de suporte e sustentáculo; aquilo que subsiste por si, com autonomia e independência em relação às suas qualificações e estados”.

perspectiva de salvar a “instituição” familiar, mantê-la íntegra diante dos olhos dos outros, como se fosse uma hipersubstância; essa atitude comprova que não compreendem a dialética das relações internas de um grupo. Esses ambientes familiares são, comumente, produtores de loucura.

Para resumir, pudemos observar que ninguém nasce determinado a priori: a personalidade é resultante de um processo histórico de construção do ser, realizado através do jogo dialético entre a objetividade (outros, sociedade, materialidade) e a subjetividade (o sujeito, com suas emoções, seu imaginário, suas ações, suas qualidades), demostrando que, no homem, “a existência precede a essência”. Essa inteligibilidade histórica e dialética da dimensão psicológica do homem é fundamental para viabilizar uma sociedade menos alienante, na qual a liberdade humana possa ser realizada em toda a sua plenitude.

Futuro e liberdade

Vamos, neste capítulo, para concluir as reflexões sobre a psicologia sartriana, aprofundar alguns conceitos centrais e distintivos da teoria de Sartre: a liberdade enquanto condição ontológica, o papel do imaginário na transposição da realidade dada em direção a um futuro, além de refletir, com base nas concepções discutidas anteriormente, sobre os caminhos que levam um sujeito à loucura, na medida em que esta é uma solução encontrada pelas pessoas em situação de alienação e solidão absolutas. 7.1 A liberdade enquanto aspecto essencial do homem

Uma das grandes metas de Sartre, no conjunto de sua obra, foi fazer valer sua definição de homem enquanto liberdade − entendendo por isso que ele é o sujeito de sua própria história (engendrando aquilo que designou como compromisso ontológico44), ao mesmo tempo em que é também sujeito da história da humanidade (desdobrando-se no compromisso político),45 constituindo-se, dessa forma, no produtor da realidade social,

No documento Sartre e a psicologia clínica (páginas 158-175)