• Nenhum resultado encontrado

2. O HUMANO OBJECTIVO

3.3 O HUMANO EMOTIVO

3.3.2 A Emoção Corporalizada

“A emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo,

com respostas disposicionais a esse

processo, na sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito (…)”.

Damásio (2005, 153)

Já no fim do século XIX vários autores cogitaram prodigamente sobre vários aspectos da emoção, entre eles Charles Darwin, William James e Sigmund Freud, conferindo uma cunhagem privilegiada às emoções no discurso científico (Damásio, 2000). De acordo com Damásio (2000) os românticos atribuíam a emoção ao corpo e a razão ao cérebro, mas a ciência do século XX censurou o corpo e atribui a emoção ao cérebro, sempre num lugar exautorado, relegada para as camadas neurais associadas aos ancestrais históricos. “A emoção não era racional, e estudá-la também não era” (Ibidem, 59).

Analisando a origem do termo emoção depara-se com a raiz na palavra latina motere, juntando o prefixo e-, implica, implicitamente, a tendência para agir (Goleman, 1996). Para o mesmo autor, a emoção apresentam racionalidade em todo o

130

seu sentido, elas guiam-nos momento a momento enamoradas com a razão, permitindo ou impedindo o próprio pensamento.

Damásio (2003), reconhecido e prestigiado neurocientista português, define três tipos de emoções-propriamente-ditas: emoções de fundo, emoções primárias e emoções sociais. As primeiras são emoções que se manifestam nas reacções regulatórias que se desenrolam no nosso organismo, manifestam-se nos movimentos dos membros ou do corpo inteiro e nas expressões faciais; as emoções primárias, também designadas básicas, são as mais conhecidas para o senso comum: o medo, a zanga, o nojo, a surpresa, a tristeza e a felicidade; por fim, as emoções sociais abrangem a simpatia, a compaixão, o embaraço, a vergonha, a culpa, o orgulho, o ciúme, a inveja, a gratidão, a admiração e o espanto, a indignação e o desprezo.

As emoções-propriamente-ditas são uma colectânea de respostas de carisma químico e neural que compõem um padrão distinto, “são um meio natural de avaliar o ambiente que nos rodeia e reagir de forma adaptativa” (Ibidem, 71). Esta simbiose entre as emoções e o ambiente fundamenta-se no facto da aprendizagem e da cultura terem a capacidade de modificar a expressividade das várias emoções (Damásio, 2000). Contudo, segundo Damásio (2000) e Le Doux (2000), as emoções definem-se como processos biologicamente determinados, subordinados por mecanismos cerebrais inatos resultantes de um processo evolutivo.

De acordo com Damásio (2005) o cérebro humano nasce contemplado com impulsos e instintos, inseridos num kit fisiológico com o objectivo de regular o organismo e inseridos como dispositivos básicos que lhes permitem o confronto e aprendizagem de comportamentos sociais.

As emoções existem para cumprir duas funções biológicas: desencadear uma reacção específica para uma situação susceptível de intervenção, e regular o estado interno do

131

organismo precavendo-o para tal reacção específica (Damásio, 2000). A procura e a fuga da recompensa e do castigo, do prazer e da dor, da vantagem e da desvantagem, respectivamente, estão inerentes ao processo emotivo (Ibidem).

O Erro de Descartes foi precisamente a separação do corpo da mente (Damásio, 2005). Contudo, a génese da discussão científica em torno da relação entre as emoções e o corpo teve início em 1884, quando William James publicou um artigo intitulado «o que é a emoção?» (Le Doux, 2000). O âmago da teoria de James era a total inexistência de emoções que não eram conduzidas por reacções físicas (aceleração do ritmo cardíaco, aperto no estômago, suor nas palmas das mãos, tensão muscular e outros) (Ibidem).

A mente descorporalizada desemboca na falência do total entendimento do humano. A complacência com dogmatismos exclusivamente teóricos sem uma clara fundamentação origina tal falências. Os estudos da emoção vieram por cobro a esta discussão da disjunção/conjunção do corpo e da mente. Particular importância têm os estudos de Damásio (2005), que segundo o qual, não faz qualquer tipo de sentido entender as emoções insuladas do corpo. O corpo apresenta- se às emoções como um espaço teatral, objectivado pelo milieu interno e os sistemas visceral, vestibular e músculo-esquelético (Damásio, 2000). Como é que se pode desprender as emoções do corpo quando se observa os pormenores particulares de determinada emoção na postura corporal, na velocidade e harmonia dos movimentos corporais e faciais?

As interacções das emoções com o corpo não se processam exclusivamente num sentido. Existe um princípio recursivo, que se fundamenta no paradigma da complexidade dos fenómenos. Assim como as emoções são o produto de determinado comportamento corporal, as emoções retroagem de

132

forma a serem também origem das reacções corporais específicas. As respostas químicas e neurais desencadeadas por determinada emoção provocam uma alteração no meio interno dos organismos activos nesse processo, sempre durante um tempo e um perfil específico (Damásio, 2003).

Tal como Damásio (2003, 106) enuncia,

”ter experiência de um sentimento, tal como um sentimento de prazer, consiste em ter uma percepção do corpo num certo estado, e ter a percepção do corpo em qualquer estado requer a presença de mapas sensoriais nos quais certos padrões neurais possam ser instanciados e a partir dos quais certas imagens mentais possam ser construídas”,

para que desse modo, os mecanismos regulatórios da nossa vida possam intervir, quer na correcção, quer no desencadear de determinadas funções da responsabilidade de sectores específicos do corpo.

Le Doux (2000) é peremptório ao afirmar que as emoções apenas se processam em interacção com o corpo, ao invés do pensamento.

Todavia, as emoções não existem apenas através da sua corporalização, pois tal como Damásio (2005) alerta, existem algumas situações, nomeadamente no âmbito social, em que para as emoções serem desencadeadas precisam de ser precedidas por um processo mental de avaliação, voluntário ou não.

Subscrevendo a conclusão de Damásio (2005, 153),

“a emoção é a combinação de um processo avaliatório mental, simples ou complexo, com respostas disposicionais a esse processo, na sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultando num estado emocional do corpo, mas também dirigidas ao próprio cérebro (núcleos

133

neurotransmissores no tronco cerebral), resultando em alterações mentais adicionais”.

Esta alteração mental desencadeada pelas emoções no cérebro é aquilo que virá a ser entendido como sentimento (Damásio, 2003). Neste sentido, o corpo passa a ser um teatro “sazonal” onde se desencadeiam as emoções, ou seja, deixa de ser absoluto, uma vez que as respostas emocionais se dirigem tanto ao cérebro como ao corpo. Logo, também deixa de ser absoluto na origem dos sentimentos. Mas será que são as reacções emocionais que fomentam os sentimentos, ou será o sentimento que desencadeia reacções emocionais? Serão sinónimos, sentimento e emoção?