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A complexidade surgiu para questionar a fragmentação e o esfacelamento do conhecimento, em que o pensamento linear e determinístico colocava o desenvolvimento e a especialização como supremacia das ciências, contrapondo-se ao saber totalizante e integrador. A solidariedade entre a razão e a subjectividade humana é essencial. O pensamento sobre o humano tem necessariamente de ser desenvolvido pela transdisciplinaridade. Transdisciplinaridade como integração ecuménica das ciências. Tal como Pombo (2004) desenvolve, a transdisciplinaridade sucede a interdisciplinaridade, assume-se como um degrau superior que envolve as interacções e retroacções entre um conjunto de conhecimentos específicos, assim como proporciona uma ideia de teorização ecuménica de sistemas de conhecimento. Esta teorização incluiria um conjunto de disposições operativas, regulatórias e processos probabilísticos (Piaget, cit. In Pombo, 2004).

O termo homem renascentista reflecte um humano idealizado no renascimento descrito como um homem que sabe mais do que um pouco sobre tudo, ao invés de saber tudo sobre um pouco do conhecimento existente (Doren, 2007). Segundo Doren (2007) este homem nunca existiu na história da renascença, e se o termo homem renascentista for inexoravelmente seguido, esse homem nunca existiu e provavelmente nunca existirá. Não é que não tenha havido

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homens que se aproximassem/aproximem deste ideal. A complexidade e magnitude do conhecimento é tal, que mesmo no renascimento não era possível a mente humana apreender e deleitar todo o conhecimento. Apesar da complexidade do conhecimento não ser mensurável nas várias fases da história, ela poderá ser entendida como imutável, uma vez que todos os princípios do conhecimento sempre existiram e os contextos em que cada saber se descortina são consideravelmente diferentes.

Aristóteles (cit. in Doren, 2007) entendia que toda a ciência sistemática abrangia dois tipos de competências: o conhecimento científico do tema e a relação educacional com esse tema. A primeira competência diz respeito ao conhecimento pormenorizado sobre um determinado tema, nomeadamente, os princípios, os métodos científicos, as conclusões e todas as descobertas a ele inerente. A segunda competência é mais profícua que a primeira, uma vez que envolve a primeira competência e uma capacidade adicional, sentido crítico sobre o tema. Refere também Aristóteles (ibidem) que o homem com uma instrução universal é aquele que é crítico não num tema, mas em todos, ou quase todos, os temas. O ideal aristotélico manteve-se durante muitos séculos, sendo responsável pela criação das várias áreas de saber que se instituíram no ensino tal como hoje se observa de uma forma mais ou menos semelhante: Línguas, Filosofia, Matemática, História e Ciências (ibidem). Este sistema era também aplicado às Universidades. Todavia, face ao insucesso de originar homens renascentistas, a solução mais oportuna que se encontrou foi subdividir as Universidades em departamentos de diferentes áreas de conhecimento e criar homens com conhecimento especificamente científico num determinado tema (Ibidem). Ou seja, desenvolver homens que possuíssem todo o conhecimento sobre cada vez menos.

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Não é necessário recuar na história para verificar uma grande lacuna neste processo educativo liberal, a subdivisão do conhecimento não foi acompanhada da respectiva interligação de conhecimentos, o que se levou a criar um grande fosso entre as várias áreas do saber, para além de hierarquizar, subjectivamente, as várias áreas em função da sua possível importância, o que acentua o emergir, por parte de alguns cientistas/pensadores, da prosápia científica egocêntrica. Esta distinção não se observa apenas a um nível individual, mas acima de tudo, na competição libertina entre os vários departamentos da mesma Universidade na obtenção dos diversos fundos monetários, tanto para a investigação como para a própria manutenção das estruturas físicas e humanas. É aqui que se verifica o fracasso devastador do sentido “Uni da Universidade” (Doren, 2007) que deveria combater todas as adversidades da multiplicidade e complexidade do conhecimento e unir-se numa causa comum na busca e descoberta do verdadeiro conhecimento factual e multidisciplinar. A que se deve o actual sucesso das Neurociências/Ciência Cognitiva, Engenharias, Robótica, etc? Precisamente pela abolição das fronteiras dos diversos saberes.

A espécie não é unicamente da biologia, assim como o indivíduo não é exclusivo da psicologia e a sociedade da sociologia, como também alerta Morin (1991). O humano é um objecto de estudo policêntrico, exclusivo de todas as ciências e de nenhuma, pois ele não é resultado de uma estratificação de conhecimento onde cada ciência se dedica apenas a uma “era histórica” (área do saber) e tudo que antecede, ou sucede, não interessa. Os fundamentos das ciências que estudam o homem não são exclusivos, é necessário existir legitimidade para diferentes ciências se entrecruzarem e retirarem partido da intercomunicação entre

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as “diferentes” ciências e de novas aprendizagens que ambas com certeza usufruirão.

Novas atitudes terão de emergir no seio científico e educacional, desde abertura perante outras formas de saber, respeito por opiniões oriundas de outras áreas, apetência pela colaboração, pelo trabalho em equipa, criatividade e rigor na criação de novos projectos que confluam em mais do que uma área do saber, constante abolição das fronteiras de conhecimento, aventurar-se no acaso e no caos epistemológico para a emergência de novas perspectivas de estudo, etc. Contudo, não se pense que tal abertura pressupõe a destruição das barreiras demarcantes de cada saber, procura-se, antes, que esta barreira seja mais porosa e mais dúctil. No que diz respeito ao humano, pretende-se a constituição de uma “filosofia científica integrativa”, que assuma o humano como objecto de todas as ciências (humanas, sociais e naturais), “que o tome não como uma essência abstracta, mas na sua condição de sujeito histórico concreto” (Pombo, 2004, 53).

PARTE II – O HUMANO

OBJECTIVO

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