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O HUMANO CONSCIENTE: A consciência do Humano

2. O HUMANO OBJECTIVO

3.2 O HUMANO TRI-LÓGICO: Inteligência, Pensamento e Consciência

3.2.2 O HUMANO CONSCIENTE: A consciência do Humano

“A consciência não passa de um

epifenómeno”.

Morin (1991, 135)

A consciência apresenta-se como o nó górdio da investigação nas ciências cognitivas. A mente no seu todo é um problema em si mesma de estudo, mas a consciência

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consegue emergir entre todos os outros processos cognitivos de difícil estudo (Damásio, 2000). Talvez a dificuldade do estudo da consciência esteja na sua natureza global e irresoluta, como sugere Morin (1991). Noutra óptica, Damásio (2000) atribui a dificuldade do estudo da consciência a dois pontos. O primeiro expõe a dificuldade de descortinar a forma como é que o cérebro constrói as imagens, ou “padrões mentais explícitos”, como lhe chama o autor, a partir da edificação dos padrões neurais nos vários circuitos celulares do cérebro. O segundo ponto reside no apanágio do cérebro humano ter, ao mesmo tempo que constrói os vários padrões mentais de um determinado fenómeno, o sentimento do si quando se confronta com o mesmo fenómeno.

Segundo Morin (1991, 135) “a consciência não passa de um epifenómeno”. Tal ideia materialista pressupõe que os fenómenos mentais são factos secundários e o verdadeiro factor primordial são os vários sistemas físicos complexos que se encontram no cérebro. Desta forma, a consciência não passa de um estado de percepção dos acontecimentos mentais sem qualquer interferência nesses mesmos acontecimentos, ou seja, acontecimentos físicos podem dar origem a acontecimentos mentais, mas acontecimentos mentais não dão origem a nada. Todavia, há alguma inconsistência nessa ideia, senão vejamos. Um indivíduo decide dar um salto e subsequentemente executa esse salto, neste exemplo, o salto foi fruto da intenção (processo mental) de dar um salto ou resultou dos processos neurológicos (físico-químicos)? Sendo um epifenomenista, responderia a segunda hipótese, porém, facilmente se tropeça nas inconsistências que tal posição implica. Se o indivíduo não tiver a intenção de saltar, ele não salta (ou saltará?).

Numa abordagem neurobiológica, Carins-Smith (1999) refere que o cérebro, tal como todas as estruturas

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biológicas, são constituídos por padrões de moléculas bioquímicas. Assim, segundo este autor, a consciência advém de uma organização de moléculas, uma vez que qualquer função evoluída (a consciência, por exemplo) desenvolve-se segundo as informações contidas nas moléculas de ADN, sendo a organização de outras moléculas a única actividade das moléculas de ADN. Pelo contrário, Carrel (1989) defendia que a consciência se encontrava tanto na matéria cerebral como fora do continuum físico.

A consciência é o sentimento de si (Damásio, 2000), é o conhecimento da própria realidade (Dubois, 1994). Os sentimentos e as emoções são, no entender de Cairns-Smith (1999), os fenómenos básicos da consciência. Donald (1999) refere a teoria da existência de um homunculo, uma espécie de sujeito dentro de outro, sendo este a mente consciente e reflexiva, o processador fulcral do conhecimento. É neste sentido, que segundo o autor (idem, 436), a consciência não pode ser considerada um epifenómeno, não pode ser pura e simplesmente definir-se como “algoritmos de redes neuronais”.

Dubois (1994) define quatro tipos de estados de consciência; dois estados de consciência psicológica objectiva localizadas no hemisfério esquerdo: consciência (consciência dos nossos actos) e metaconsciência (consciência da consciência); e dois estados de consciência psicológica subjectiva localizadas no hemisfério direito: autoconsciência (consciência de nos sentirmos nós próprios) e a meta-auto-consciência (auto-consciência de ser auto- consciente). Assumindo, o mesmo autor (1994, 246), uma consciência global, uma vez que existe um “circulo dialógico recursivo” entre as várias consciências.

Já Damásio (2000) divide a consciência em duas espécies: uma aparentemente mais simples, a consciência nuclear, outra mais complexa, a consciência alargada. Segundo o

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autor (idem), a consciência nuclear apresenta apenas um nível de organização, não se encontra apenas na espécie hominídea e não se subordina à memória, ao raciocínio e à linguagem. Por outro lado, a consciência alargada possuí múltiplos níveis de organização, é mutável ao longo da vida e apresenta grande dependência da memória, raciocínio e fortemente revigorada pela linguagem.

Observando ainda num prisma diferente, Bennett & Hacker (2005) definem a consciência em dois tipos: a consciência transitiva e a consciência intransitiva. Entendem os autores que a consciência transitiva observa-se quando se está consciente de algo referente, ou seja, quando se está consciente de que uma forma de um objecto é assim ou de outra forma. A consciência intransitiva basicamente é a diferença entre estar consciente ou acordado e estar inconsciente ou adormecido, ou seja, não se materializa num objecto. Assumem ainda os mesmos autores, que a consciência transitiva se reveste de múltiplas formas, nomeadamente, consciência perceptiva, somática, cinestésica, afectiva, reflexiva, de si.

A multiplicidade de consciências também é defendida por Donald (1999, 440), uma vez que a consciência está inventariada com o controlo e a reflexão. A consciência humana é dominada pelo sistema mimético (visão, som, expressões faciais, movimentos corporais) e oral narrativo, sendo os estados de atenção, fundamentalmente, miméticos e norteados pelos episódios que têm como base a acção e socialmente dinâmicos (Ibidem). O desporto, a dança, os rituais, etc., onde o pensamento verbal não está envolvido, são eventos típicos destes estados, já que, segundo o mesmo autor (1999, 441), “qualquer comunicação expressiva e intencionalmente não linguística reflecte um estado predominantemente mimético da consciência”. Mesmo que os acontecimentos sejam exclusivamente visuais, eles podem ser

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pictóricos, ideográficos ou analógicos no seu teor, e neste sentido, implicar uma variedade de ostentações no controlo visuo-simbólico da consciência, ou seja, numa multiplicidade de consciências.

Tal como se observa, a definição de consciência não se apresenta como consensual e factível. Ela encontra-se ainda muito distante do definível e compreensível. Apenas poderá ser entendida quando se conseguir estabelecer a relação entre a consciência e os movimentos das moléculas (Cairns- Smith, 1999), ou quando for possível observar o modo como as componentes do sistema cerebral altamente complexo se interagem entre si a longo prazo, longitudinalmente (Devlin, 1999).

Bennett & Hacker (2005) num extenso ensaio efectuam um conjunto de críticas altamente controversas e corrosivas no pensamento actual da Neurociência. Os autores assumem peremptoriamente a existência de muitos problemas na investigação da consciência, onde alguns problemas são de índole conceptual e outros de carácter empírico. “Atribuir consciência ao cérebro é um erro mereológico”, dizem os autores (2005, 263). As várias faculdades psicológicas que o humano apresenta no seu dia-a-dia quando se percepciona, pensa, emociona, toma decisões, etc., são atributos da própria espécie, não das partes que o constituem, neste caso, não são atributos do seu cérebro (Ibidem). O cérebro parece ser apenas uma entidade que torna possível que tal suceda. “O ser humano é uma unidade psicofísica” (Ibidem, 17). “O cérebro não é o local do pensamento” (Ibidem, 199). Os pensamentos não se efectuam no cérebro mas sim no lugar onde nos encontramos. “A localização do evento de uma pessoa pensar um certo pensamento é o lugar onde a pessoa está quando esse pensamento lhe ocorre” (Ibidem, 199). Dizem os autores que o pensamento encontra-se dactilografado nos livros, não no cérebro do humano. Quando

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Damásio (2000, 32), por exemplo, refere que “a consciência é um fenómeno inteiramente privado e na primeira pessoa”, Bennett & Hacker (2005) argumentam que tal é fruto da ignorância da natureza da consciência, e dos neurocientistas. Pois tal é corroborado pelo facto evidente da expressividade da consciência, uma vez que esta se baseia em sentimentos e emoções (Cairns-Smith, 1999).

O carácter místico da consciência também é objecto de grande altercação. “ (…) A consciência de sermos conscientes se nos impõe de maneira ao mesmo tempo evidente e misteriosa” (Morin, 1996, 178). Bennett & Hacker (2005, 265) respondem com grande clareza: “a ignorância é uma coisa, o mistério é outra”. Referem os mesmos autores, que alguns cientistas estão envoltos numa desordem conceptual que acabam por ser ofuscados com a complexidade dos fenómenos. Ou seja, ao infringirem os limites do sentido dos conceitos, entrando no contra-senso, criam ideias totalmente vazias de sentido. Assim sucede no estudo da consciência, e não só. Daí a importância do controlo alfandegário na migração de conceitos e na triagem conceptual no momento criacionista.