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1.3. SOLUÇÃO COMPLEXA E/OU PARCIMONIOSA

1.3.3. Desordem e Ordem Uniformidade

“A primeira aparição (termodinâmica) da desordem trouxe-nos a morte. A segunda (microfísica) trouxe-nos o ser. A terceira (genésica) traz-nos a criação. A quarta (teórica) liga a morte, o ser, a criação e a organização”.

Morin (1997, 45)

No que diz respeito ao cérebro humano, implicitamente ao comportamento, o seu estudo é uma aventura cujo enredo conduz a um vazio, a um buraco sem fundo, resultante da sua extrema complexidade que com o progresso tecnológico, em vez de simplificar o seu entendimento, clarifica e torna ainda mais intrincada a complexidade do humano. Apesar de a humanidade viver sempre na incerteza, como sugere Stirn (1999), ela sempre procurou a certeza e sempre censurou tudo o que fosse incerto e pouco organizado. Será a desordem um estado real de completo caos e tumulto incerto? Fará algum sentido entender a desordem como processo essencial ao desenvolvimento de um determinado sistema?

As recentes investigações aludem a uma resposta positiva. Prigogine preconiza uma reflexão clara sobre a relação entre fenómenos organizadores e fenómenos desordenados, indicando que não há qualquer tipo de

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exclusão entre ambos mas uma considerável complementaridade (Morin, 1997). Morin (1997) alerta para a possibilidade de se observar a ordem e a organização do universo como resultado de um processo sustentado na turbulência, na instabilidade, na volubilidade.

A desordem é todo o acontecimento sustentado no acaso, na aleatoriedade, acontecimentos que não obedecem a regras deterministas de um determinado sistema. Tal como Stacey (1995, 482) refere, “desordem, turbulência e caos são observados porque existem de facto. Não são apenas uma manifestação da ignorância humana”. Segundo o mesmo autor, os sistemas naturais são orientados por mecanismos de feedback não-linear relativamente simples. Essas leis são aparentemente fixas e deterministas. Todavia desencadeiam comportamentos, resultados altamente complexos, onde os seus detalhes são fruto do acaso. Este mapa ideográfico revela uma “ordem escondida na desordem real” (Ibidem, 484).

A complexidade e diversidade dos organismos são precisamente fruto das várias interacções entre a ordem, desordem e organização. O desenvolvimento de um estado ordenado apenas se processa com a introdução de uma nova condição (desordem), desde a agitação do próprio sistema ao confronto com uma nova variável. É esta relação que fundamenta todos os princípios fundamentais do próprio treino desportivo. As metodologias de treino fundam-se no fenómeno de adaptação fisiológica que o corpo possui. É aplicada uma determinada carga de treino (desordem) a um conjunto de indivíduos que possuem uma determinada condição física (ordem) com o objectivo de degradar as estruturas fisiológicas, que através da recuperação (organização), criam novas estruturas (ordem) mais complexas, evoluídas, robustas, tornando-se mais resistentes a novas desordens. Sempre num ciclo de ordem – desordem - organização. Uma vez

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que, como Morin (1997) expõe, o nível de ordem e organização de um sistema é directamente proporcional à necessidade e consentimento de desordem.

Os seres biológicos sobrevivem através da sua adaptação a um determinado meio que está em constante ebulição. Todavia, tal como refere Stacey (1997), em condições longe do equilíbrio não é possível determinar nitidamente se há, ou não, adaptações entre a alternância do meio e a alternância do próprio sistema. Segundo o mesmo autor, este fenómeno traduz a variabilidade de respostas de um determinado sistema, uma vez que cada sistema determina o seu caminho para se auto-adaptar em pontos específicos da fase caótica. Para além disso é necessário ter em conta o princípio recursivo e hologramático da complexidade. Um determinado sistema constitui, indubitavelmente, um meio para outros sistemas, que por sua vez fundam parte de outros meios (princípio hologramático). Uma vez que, “O meio ambiente não é algo de adquirido, é uma consequência da interacção entre sistemas” (Stacey, 1997, 500). Dessa forma, a resposta que um determinado sistema toma numa situação desordenada é criadora de perturbação noutros sistemas, que, por sua vez, o irão afectar a ele (principio recursivo).

Morin (1991, 108) é peremptório ao afirmar que,

“existe menos desordem na natureza do que na humanidade. A ordem natural é muito mais fortemente dominada pela homeostasia, pela regulação, pela programação. É a ordem humana que se desenvolve sob o signo da desordem”.

E a necessidade da desordem para a sobrevivência do homem está, por exemplo, patente no mecanismo cardíaco. Abel Salazar (2001, 22) compara o movimento do órgão cerebral com o órgão cardíaco, assumindo uma grande

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semelhança e uma pequena diferença: “o movimento de um é simples, podendo ser descrito por uma linha uniforme, o movimento do outro é complexo, e poderia ser representado por uma linha sinuosa”. Esta comparação, apesar de em termos figurativos ser até poeticamente possível, é, nos dias de hoje, falaciosa. A periodicidade que caracteriza o batimento cardíaco é apenas aparente, uma vez que quando se vislumbra o registo electrocardiográfico com métodos matemáticos complexos, os vários batimentos cardíacos sucedem-se de forma irregular e de forma caótica (Cunha e Silva, 1999).

Contudo, adverte Morin (1997, 75), “a desordem não é uma entidade em si mesma é sempre relativa a processos energéticos, interaccionais, transformadores ou dispersivos”. A desordem e a ordem não se afiguram como conceitos totalitários e fundamentais. Ambas desenvolvem-se através de uma relação auto-dependente e auto-genésica. Uma apenas existe porque a outra também existe. A relação entre ambas é sustentada, como sugere Morin (1997), em três ideias chave: interacção (fruto do acaso e da necessidade), transformação (manifesta na alteração da estrutura) e organização (resulta na re-ordenação do sistema).

É o respeito por este, e outros, conhecimento que proporciona um entendimento mais real e exequível do humano. Contudo, tal conhecimento assume-se como antagónico às ideias clássicas de equilíbrio/desequilíbrio, uma vez que apesar de as absorver não se limita exclusivamente a elas (Morin, 2003), resultando num campo altamente minado de críticas e contra-argumentações epistemológicas que só aumentam o seu fascínio.

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