• Nenhum resultado encontrado

O HUMANO INFORMACIONAL, O HUMANO COMPUTACIONAL E O HUMANO

2. O HUMANO OBJECTIVO

2.3. O HUMANO INFORMACIONAL, O HUMANO COMPUTACIONAL E O HUMANO

COMPUTACIONAL E O HUMANO ECOLÓGICO

O pensamento sobre a acção do humano sempre se classificou segundo várias perspectivas, o que de certa forma, origina um conjunto de seres designados segundo a óptica subjacente à análise. Podemos destacar três teorias actualmente em cogitação: a teoria informacional, a teoria computacional e a teoria ecológica. Todas estas teorias parecem levar em linha de conta a complexidade do humano. Todavia, todas elas apregoam essa complexidade alicerçando- a em diferentes pilares epistemológicos.

A teoria informacional apresenta-se como a teoria mais simples. O humano é percebido como um sistema que orienta a

72

informação proveniente do meio e o respectivo comportamento de resposta. Godinho e col. (2002, 48) entendem a informação como “a medida da incerteza quanto à ocorrência dos acontecimentos”. A habilidade do humano tratar determinada informação depende, essencialmente, dos contornos da informação no momento específico. Para tal, é necessário que a informação contenha um “potencial de percepção” para estimular os vários órgãos sensoriais. Neste sentido, o estímulo apenas é considerado informação quando os órgãos sensoriais o entendem como significante para o sujeito.

Godinho e col. (2002) encaram a complexidade da informação como as múltiplas e diferentes opções de surgirem com diferentes probabilidades, havendo uma relação inversamente proporcional entre o processamento e a probabilidade de ocorrência. Necessário será referir que o conhecimento inicial/experiência faz diminuir os índices de incerteza da informação, economizando assim o processamento da mesma. Os mesmos autores consideram vários tipos de incerteza: espacial, temporal e de ocorrência. A probabilidade de um estímulo específico ocorrer num determinado local define a incerteza espacial. A incerteza temporal apresenta-se pela indefinição temporal do surgimento do estímulo. A incerteza de ocorrência define-se pela indefinição de que tipo de estímulo poderá surgir. Existe a possibilidade do conhecimento prévio do estímulo, mas as incertezas temporal e espacial mantém-se.

É então neste mapeamento que a teoria informacional se debruça. Todavia, o humano como ser limitado que é possui também uma habilidade limitada para tratar a informação.

A perspectiva computacional do comportamento assemelha- se ao funcionalismo filosófico na interpretação da relação mente-corpo. Tal como os computadores, e segundo a teoria computacional, o comportamento do humano obedece a

73

princípios universais determinados e processados por processos cognitivos complexos que posteriormente traduzem um determinado comportamento motor. Daí que esta perspectiva, também designada teoria cognitivista, se divide em dois pontos de vista. Araújo e Godinho (2000) referem duas abordagens: racionalista e construtivista.

No primeiro caso a abordagem é puramente computacional, onde todos os comportamentos são lógicos e racionais; a cognição é interpretada em conceitos de algoritmia e codificação simbólica abstracta, sendo o seu tratamento executado segundo princípios universais; o universo é concebido como um conjunto de fragmentos que depois são processados cognitivamente pelo sujeito através da lógica e da razão.

Na segunda abordagem, o comportamento humano assume um envolvimento mais psicológico. o humano é um repertório de acontecimentos que reunidos elaboram uma extensa história. O pensamento assume-se como fantasioso, alegórico e a sua descodificação é associada a uma busca de algo com significado. Neste caso o universo apresenta-se desordenado, caótico e apenas é percepcionado de forma hermenêutica (através da interpretação de textos documentais) ou mesmo narrativas.

A teoria computacional vê então a acção humana como um processo puramente cognitivo, onde a representação mental é universal e estável, sendo todo o processo de percepção, processamento e execução um processo computacional, algorítmico. Ou seja, o cérebro é o comando central, o músculo a entidade mais baixa da hierarquia. O controlo da acção é baseado em representações mentais de movimentos, ou um determinado padrão de movimento anterior. O humano é então um computador complexo que recebe, armazena, codifica, edifica, conduz e controla informação com o objectivo de agir. Será?

74

Schmidt (cit. In Araújo e Godinho, 2000) achou que sim. Dai desenvolver os conceitos de esquema e programa motor. Para este autor, o humano sintetiza toda a informação anterior e cria um conjunto de regras/procedimentos

standard (esquemas motores) para em situações futuras estar

preparado para obter sucesso. Todo este processo designa-se então de programa motor. Araújo e Godinho (2000) referem que a elaboração destes esquemas motores surgem apenas como resultado de um conjunto de quatro fontes de informação, provenientes de um acto motor intencional: condições iniciais da situação, especificidade da resposta do programa motor, deduções sensoriais da resposta e o resultado da acção.

Todavia, algumas ideias parecem sofrer de carências argumentativas. Se todo o acto motor é “representado” e “armazenado” na mente, e sendo o acto motor altamente diversificado e influenciado, será necessário ter uma capacidade de armazenamento exponencialmente elevada, o que, apesar de a mente possuir uma complexidade e uma capacidade fenomenal, não parece que tal seja viável e sustentável para o cérebro humano. Para além disso, o humano estaria totalmente vulnerável a situações completamente antagónicas às vividas até um determinado momento. A capacidade de adaptação e vivência do humano é tal, que facilmente se depara com uma situação completamente nova e a sua acção se executa com sucesso, ou satisfatoriamente.

É no fim do século XX que surge uma nova abordagem para o entendimento do humano e implicitamente da acção, designada de teoria ecológica. A releitura e correcta interpretação de dois autores foram determinantes na concepção desta teoria: Gibson e Bernstein.

A grande inovação desta teoria é o papel crucial que é dado ao meio no processo de acção do humano. A relação do

75

humano com o meio envolvente é tal que é possível descrever as propriedades e características do meio a partir da acção do humano permitida pelo respectivo contexto ambiental. Neste sentido, associação entre a informação contida no sujeito com a informação contida no meio é que resulta a informação propriamente dita que é tida em conta no momento da acção.

A execução da acção e o respectivo padrão da resposta é então dependente da relação entre o objectivo da acção e as propriedades ecológicas (meio e humano) do momento (Barreiros e col., 1995). Identificar de modo adimensional os vários factores essenciais do envolvimento e do sujeito permite criar uma base de categorias de acção que posteriormente serão levadas em conta como variável do próprio sujeito (Ibidem).

O contributo de Gibson prende-se essencialmente pela sua teoria de percepção directa. Ao passo que a teoria computacional eleva a representação mental a característica nuclear da sua conjuntura teórica, a teoria ecológica explica a acção através dos constrangimentos (affordances) e das estruturas coordenativas da acção.

Gibson (1966, cit. in. Melo e col., 2002a) entende então a acção humana através da análise das características envolvimentais, sem qualquer tipo de representação mental. Para este autor, a acção do humano reflecte aquilo que ele percepciona do meio. O conceito de affordance corresponde precisamente às características específicas do envolvimento que determinam determinada acção (Melo e col., 2002a). O movimento sucede-se então através da indução perceptiva e da sinergia entre várias unidades motoras. Este processo compõe então a estrutura coordenativa da acção (ibidem). Neste sentido, o movimento não ocorre por existência de um plano prévio, mas por influência instantânea do envolvimento. Mesmo assim, existem determinados movimentos

76

que não recorrem às estruturas coordenativas de acção, uma vez que são entendidos como “produtos de sistemas oscilatórios” (Ibidem, 110).

Mas tal como na teoria computacional, esta teoria parece carecer de fundamentação científica suficientemente robusta. A ausência total de uma representação mental parece levar à grande quantidade de críticas que esta teoria é sujeita.

Melo e col. (2002a) referem que a maioria das acções humanas inserem-se em categorias assumindo várias possibilidades de execução. As affordances, segundo os mesmos autores, possibilitam a escolha da melhor categoria para determinada característica de envolvimento e para determinado objectivo de acção, procurando sempre a categoria mais económica. Neste sentido, categoria de acção é o conjunto de opções inseridas numa solução geral.

Já a obra de Nicholai Bernsteins resume-se à resolução do problema decorrente do elevado número de graus de liberdade. Face ao alto número de possibilidades de acção e respectivas influências, a coordenação depende de regras simples que suscitam a sinergia entre as unidades motoras. Sendo esta colaboração e relação entre as unidades motoras resultantes de processos internos da situação e não de representações mentais (Melo e col., 2002a).

Segundo Fonseca (2005), Bernstein considera que a acção revela todo o desenvolvimento psicomotor da criança. As dualidades criança-objecto, criança-mundo, criança-adulto não existem.

Ao analisar a teoria ecológica deparamo-nos com mais contradições e insuficiências argumentativas. É inequívoco que a acção apresenta-se como um processo complexo de operações mentais, físicas e envolvimentais. Sendo as estruturas neurológicas que asseguram todas as funções cruciais deste processo como o controlo, a regulação, a

77

inibição e a coordenação. Desta forma, parece não haver uma teoria que colmate todas estas insuficiências. Será este facto uma utopia decorrente da extrema complexidade do humano? Haverá uma solução que possa envolver estas três perspectivas?