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1.3. SOLUÇÃO COMPLEXA E/OU PARCIMONIOSA

1.3.5. Caos no Sistema

“É na profundidade dos céus que se desenha o objectivo puro que corresponde a um visual puro. É sobre o movimento regular dos astros que se regula o destino”.

Bachelard (2008, 98)

O recurso à termodinâmica para utilização de ideias e conceitos é algo que se tem verificado em variadíssimas áreas, desde a filosofia ao desporto. Tal como se refere num capítulo deste trabalho (“migração conceptual”), é necessário ter alguma prudência na utilização desses conceitos quando não se tem um conhecimento consistente e real da origem e formulação dos mesmos. O conceito sistema é um desses exemplos.

Sistema pode ser definido como uma “associação combinatória de elementos diferentes” (Morin, 2003, 28). Em termos Termodinâmicos o termo sistema é algo mais simples e coerente. Sistema pode ser definido como uma quantidade de matéria ou região no espaço, sendo a região exterior ao

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sistema definida como vizinhança e a película imaginária ou concreta que envolve o sistema, separando-o da vizinhança, designa-se por fronteira (Çengel e Boles, 2001).

Morin (2003) olha a Teoria dos Sistemas (fundada por Von Betalanffy, 1950) com alguma cautela, contudo, o sistemismo também apresenta algumas virtudes nomeadamente o facto de inserir no cerne da sua teoria uma unidade complexa, que não se constitui como a soma das suas partes. Apresenta também um conceito de sistema ambíguo e “fantasmagórico”, o que na nossa opinião se apresenta como uma desvirtualização do conceito, o mesmo seria não existir sistema, e por fim, refere Morin (2003) que o sistemismo permite uma relação transdisciplinar entre as multiciências favorecendo a unidade científica ao mesmo tempo que as diferencia nas diferentes escalas de complexidade dos seus fenómenos de estudo.

No contexto termodinâmico, os sistemas podem ser abertos ou fechados, sendo a sua definição determinada pela escolha entre um estudo de massas fixa ou um volume fixo (Çengel e Boles, 2001). Segundo Çengel e Boles (2001), um sistema fechado define-se como uma quantidade de massa fixa que não pode atravessar a fronteira, ao contrário da energia sob a forma de calor ou trabalho que estabelece a única relação com a vizinhança. Um sistema aberto é identificado, pelos mesmos autores, como uma estrutura claramente definida onde tanto a massa como a energia são susceptíveis para atravessar a fronteira.

Neste sentido, o paradoxo da definição de sistema aberto assenta no conflito com a lei da conservação da massa, segundo a qual, a massa tal como a energia, possui uma propriedade de conservação, ou seja, não pode ser criada nem destruída (Çengel e Boles, 2001). Assim, como se pode conceder que num sistema bem definido, cuja massa num determinado instante se encontra bem definida e de um

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momento para o outro se transfere para fora desse sistema? Dessa forma o sistema deixaria de ser sistema. A solução passa por repelir (uma vez que não faz sentido) a noção do sistema aberto e conceder antes um volume de controlo. Um volume de controlo resume-se a uma região do espaço, seleccionada arbitrariamente e as fronteiras do volume de controlo definem-se como superfícies de controlo (reais ou imaginárias), sendo possível fixar a sua forma e tamanho (Çengel e Boles, 2001). Assim, sendo o volume de controlo um “sistema imaginário”, ou não, está de acordo com a lei da conservação da massa uma vez que este apenas se concede no instante de análise, permitindo a mesma troca energética (do sistema fechado) e a interacção de massa.

Face a estes factos, os termos sistema aberto e fechado, oriundos da termodinâmica não se compatibilizam com os mesmos termos utilizados por pensadores nas suas cogitações. Uma agravante deste facto é esses mesmos autores referirem que as ideias/conceitos por eles utilizados provêem da termodinâmica, conduzindo os seus ouvintes/leitores em erro. Quando Morin (2003) refere que o verdadeiro estado de equilíbrio é representado pelo sistema fechado, que se enclausura no seu espaço não interagindo, de nenhuma forma, com o meio exterior, está a conturbar o conceito de sistema fechado com sistema isolado. A utilização do termo sistema fechado como um sistema insular não encerra uma grande discussão se for aplicado em termos literários, poéticos, sociais, uma vez que numa visão global do termo fechado a isso conduz, ao contrário da sua utilização em termos científicos em física.

No caso dos sistemas vivos (celulares) o estado celular interno não apresenta qualquer tipo de estado que se possa equiparar a um estado em equilíbrio, se assim fosse o desfalecimento seria imediato, há assim uma necessidade de

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instabilidade nas trocas energéticas entre o meio interno e externo.

Assim, o conceito de sistema aberto metamorfoseia o conceito de organização do humano. Por um lado, este sistema alimenta-se, sobrevive devido à condescendência do desequilíbrio, que se equilibra através de uma estabilização dinâmica. Por outro lado, toda a complexidade e clareza do sistema são mantidas devido à sua relação com o meio onde este se constitui como seu comitente. Desta forma, sendo o humano um ser evolutivo, o seu sistema assume-se como um sistema aberto (no sentido poético) auto- eco-organizador (Morin, 1991), uma vez que conserva uma relação com o ecossistema, não só ao nível energético.

O meio não se assume como uma entidade simplesmente desordenada, apática, é simplesmente concebida como universalmente complexa, sendo o homem um ser peninsular com uma conexão entre autonomia e dependência que se organiza no ecossistema (Morin, 1991). Assim, o cérebro é um órgão aberto aos cinco sentidos que as influências exógenas aumentam a sua complexidade.

Esta ideia coaduna de forma unívoca com o conceito de sistema de Dubois (1994) que, segundo o qual, um sistema se apresenta como uma entidade que apenas se assume como tal em relação com um meio. Segundo o mesmo autor, para se estudar um sistema natural é necessário sustentar esse estudo num modelo fractal. Este modelo organiza-se em 7 camadas, em que cada uma se inter-comunica com a precedente e a que lhe segue, possuindo as suas próprias características e propriedades: a primeira camada compreende um vasto conjunto de símbolos base de forma a identificar os elementos do sistema; a segunda camada é responsável pela associação e interacção dos símbolos da primeira camada; a terceira camada assume as ligações reais entre os símbolos em momentos específicos do sistema; a

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quarta camada é o “motor da exploração” das várias comunicações entre o sistema e o meio; a quinta camada revela-se a mais dinâmica, uma vez que compreende a criatividade, a aprendizagem e planeamento de estratégias e objectivos, é a base do raciocínio e da compreensão; a sexta camada assume o papel de tradução e intervenção nas informações entre a sétima camada em relação com o meio e a quinta camada em interacção com as anteriores; por fim, a sétima camada revela-se a fronteira do sistema, responsável pela interacção, percepção e acção entre o meio e todo o sistema.

Maturana e Francisco Varela utilizam o termo “Autopoesis” para descrever a interacção das várias partes de um sistema vivo de forma a germinar na noção que todos temos de vida (Devlin, 1999). Devlin (1999) refere que em vez de se observar um determinado sistema como algo que apenas adquire informação, através de uma representação interna, é necessário ver as mutações do sistema como resultado da sua interacção com o meio envolvente.

Pois tal como Salazar (2001, 22) refere,

“todo o acto mental é, com efeito, acompanhado de centenas, de milhares, de um número incalculável doutros fenómenos que com ele são concomitantes, simultâneos, que divergem dele no espaço, como os elementos que os formam divergem entre si no tempo, e em torno dele palpitam como satélites obscurecidos pelo fulgor do acto principal. Qualquer acto mental é pois um movimento, (…), o homem pensa por inércia de movimento mental”.

Deste modo, é inconcebível pensar o humano como um ser segmentado, fragmentado, onde o todo é constituído pela soma das suas partes, pois tal como Schwanitz (2007, 493) refere relativamente à componente cognitiva do humano, “a qualidade do cérebro não pode ser explicada com base nas

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qualidades das partes que o compõe”. A complexidade da sua existência e morfologia exige sensatez para a sua compreensão, é necessário integrar todos os conhecimentos num sistema interdisciplinar fractal sem qualquer prosápia científica egocêntrica, onde toda a diferenciação científica apenas se verifica em diferentes escalas de análise não deixando de conter a essência do fenómeno (fractal).