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A empresa como resposta a problemas de informação

Capítulo II – O processo de desenvolvimento

9. Os protagonistas do desenvolvimento

1.2 A empresa como resposta a problemas de informação

Entre as abordagens que consideram a empresa como resposta a problemas resultantes de informação assimétrica, encontra-se a de Alchian e Demsetz (1972) que consideram a empresa como equipa solidária de produção. Esta equipa solidária tem de ser vista, no entanto, como essencialmente diferente da equipa cooperativa, cujas relações internas não são hierárquicas mas de “um entre pares”.

A característica essencial da produção em equipa é o envolvimento cooperativo dos membros na produção de um output conjunto, não sendo, contudo, os contributos individuais totalmente transparentes. Deste modo, surge a possibilidade de evasão. Tem-se assim uma distribuição assimétrica de informação entre os membros da equipa que impede o conjunto de conhecer o preciso contributo de cada um dos elementos. Nestas condições, não é possível uma completa “afinação” desses contributos com a consequente possibilidade de perda de eficiência.

A assimetria de informação e consequente incapacidade de alinhamento de contributos e recompensas individuais leva à necessidade de monitorizar e controlar as actividades ou resultados de cada um dos membros da equipa. Esta necessidade coloca, no entanto, uma questão: quem vai controlar e quem vai ser controlado? Alchian e Demsetz respondem mostrando que a equipa tem um incentivo à realização de tal controlo no aumento de produtividade, de que todos beneficiam, que se origina ao reduzir a evasão. Assume-se, naturalmente, que os custos de monitorização são inferiores ao acréscimo de produtividade dela resultante.

Ao concluir que as condições de informação assimétrica têm implicações organizacionais, afirmando que “os meios de medir economicamente produtividade e recompensas constituem o problema da organização económica”, Alchian e Demsetz partilham a visão de Coase (1988), que entende ser um aspecto distintivo da empresa a alocação de recursos por direcção, mais do que pelo mecanismo de preços.

A assimetria de informação interna pode reduzir-se mediante utilização de tecnologias de informação e comunicação, sobretudo se estiver associada a uma lógica de integração organizacional, que exporemos mais adiante neste capítulo.

No que concerne à eficiência das transacções, Williamson (1987) afirma que “é o oportunismo, mais que a assimetria de informação, que apresenta problemas”, pois não se

pode pedir que as pessoas “digam a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade”. Argumenta, contudo, que a informação assimétrica é uma condição necessária para que o oportunismo se possa manifestar.

A possibilidade de comportamento oportunista deriva também do problema da especificidade dos activos utilizados na produção dos bens a transaccionar, pois quem transacciona bens escassos, além de se confrontar com a possibilidade de o interlocutor mudar de ideias, pode ainda ter que lidar com a possibilidade de ele se comportar de forma oportunista.

Analisando o que é o oportunismo e donde procede, Williamson afirma que a auto- satisfação com astúcia é um dos dois “pressupostos comportamentais” nucleares que caracterizam a natureza humana (o outro é a racionalidade limitada). Sugere que a informação assimétrica de per si não explica a existência e a actividade da empresa. Em vez disso, propõe que o oportunismo é um factor crucial para essa explicação: a informação assimétrica só é problema na presença de oportunismo. Negligencia, assim, os problemas inerentes à obtenção de informação na ausência de oportunismo. Mas a própria assimetria de informação pode originar oportunismo, pois existindo assimetria aquele que pergunta não pode avaliar correctamente a informação que procura e tomar uma decisão racional para a obter. Fransman e Martin (1988) defendem que a assimetria de informação é uma condição necessária ao oportunismo: se a informação fosse simétrica, não haveria oportunismo. Contudo, mesmo com informação simétrica pode haver oportunismo, entre outras razões porque a racionalidade é diferenciadamente limitada.

Na perspectiva de Ronald Coase (1988), a disponibilidade e custo da informação é um forte determinante da existência de empresas. Na década de 1930, propunha-se explicar porque existem as empresas e designadamente responder às seguintes questões:

- se a especialização é eficiente, porque é que com frequência se foge à especialização (juntando, sob controlo, diferentes funções)?

- porque é que a coordenação é, por um lado, trabalho do mecanismo de preços e, por outro, do empresário (os economistas tratam o mecanismo de preços como um instrumento de coordenação, mas admitem também a função coordenadora do empresário)?

Os custos de uso do mecanismo de preços identificados por Coase correspondiam a “organização“, “contratação“ e “especificidade de activos“1. A informação assimétrica pode aumentar os custos de organização relativos à averiguação de preços relevantes. De modo análogo, pode aumentar significativamente os custos de uso do mecanismo de preços ao nível da negociação e celebração de contratos. No caso de contratos de longo prazo, há um problema adicional com a dificuldade de prever as disposições futuras. No caso da especificidade de activos, o problema pode surgir da dificuldade de prever como pode o comprador no futuro mudar de ideias, considerando a procura de bens escassos ou o preço que quer pagar.

Williamson argumenta geralmente que o oportunismo determina a organização. Por um lado, insiste que o oportunismo é parte essencial da natureza humana (é causa que precede o efeito: as formas de organização são concebidas para livrar do oportunismo); mas depois inverte o argumento: a causa toma a forma de organização que precede e produz o efeito (integridade pessoal e confiança), contradizendo o argumento inicial de que o oportunismo é parte da natureza humana. Mas o oportunismo coexiste com a organização e pode ser visto quer como causa quer como efeito da organização.

1.2.2 Racionalidade limitada

De acordo com Williamson (1987), a racionalidade limitada é o mais importante pressuposto em que assenta a teoria da contratação. Mas o que é, precisamente, a racionalidade limitada?

Para Simon (1978), os seres humanos e suas organizações são essencialmente processadores de informação. O problema deles surge quando a quantidade de informação é grande relativamente à capacidade de lidarem com ela, não só física, mas também psíquica e organizacionalmente. Não podendo tratar toda a informação relevante, a alternativa é tratar um subconjunto. Neste sentido, as decisões são limitadas, baseadas no processamento de apenas um subconjunto de toda a informação relevante.

Simon visa proporcionar uma explicação intencional para a existência das actividades de organizações, em geral, e da empresa, em particular. Segundo essa explicação, a acção humana é orientada à realização de propósitos ou objectivos. Os seres humanos actuam racionalmente, na medida em que tentam conceber os seus objectivos até

1

De tal modo especializados que só podem ser usados para um produto particular ou readaptáveis a custo elevado.

ao limite das suas possibilidades, nas suas circunstâncias de discernimento. É ao tentar agir racionalmente que, inevitavelmente, encontram problemas relacionados com informação para ver as alternativas de actuação e as respectivas consequências.

Nalguns casos, a quantidade de informação é demasiado grande, em relação à capacidade de a adquirir, guardar, processar e recordar para que possam tomar uma decisão racional. As limitações, contudo, não são apenas e primariamente de natureza fisiológica, são também de ordem psicológica, social e organizacional. Para Simon, as empresas proporcionam às pessoas maneira de, através de cooperação, conseguirem colectivamente o que não conseguiriam individualmente. As realizações colectivas dependem da capacidade de o grupo convergir nos objectivos, comunicar e cooperar. Na sua perspectiva, as pessoas são organismos processadores de informação. Mas que informação processam, como a adquirem e como a processam?

Simon considera informação objectiva a que existe fora do ambiente do indivíduo e informação subjectiva a que está dentro das suas faculdades e é processada por elas, aquela que o indivíduo selecciona através de um duplo processo de percepção e atenção.

Influências psicológicas, sociais e organizacionais tornam improvável que dois indivíduos, perante idêntica situação objectiva, cheguem a igual definição. É o caso do xadrez: o problema dos jogadores não é de assimetria de informação, mas de racionalidade limitada. A dificuldade surge da falta de capacidade cognitiva para, no tempo permitido, calcular todos os movimentos que podem vir a ser feitos. Nessas circunstâncias, o jogador recorre a estratégias e heurística. Algo similar ocorre com a empresa.

Num contexto de racionalidade limitada, a assimetria de informação, o oportunismo e a especificidade dos activos influenciam os custos das transacções, ao introduzirem ineficiência quer nos contratos quer no mecanismo de sinalização do valor através dos preços. A empresa surge como salvaguarda contra os problemas associados aos custos das transacções e também à ineficiência dos indivíduos, mas ela própria se depara com limitações inerentes ao uso de informação, nomeadamente as decorrentes da complexidade da governação. As economias de processamento de informação definem a dimensão e a especificidade da empresa, estruturada de modo a minimizar a soma dos custos de transacção e de administração. Poderá consegui-lo tanto melhor quanto mais competente se

tornar em termos da criação e utilização de conhecimento e correspondente incorporação em rotinas, mediante um processo de aprendizagem contínua.

Ao aumentar a dimensão da empresa aumenta também a complexidade da sua administração, constituindo as TIC um instrumento para reduzir os custos de administração, o que possibilita o crescimento da empresa e proporciona os consequentes benefícios associados a economias de escala. Mesmo assim, a dada altura a dimensão acarreta uma ineficiência dificilmente insuperável. A sua estruturação em rede pode constituir resposta para o problema dessa ineficiência, mantendo os benefícios da escala.

Sobretudo para as pequenas empresas, a inserção em redes, formais ou informais, facilita a redução do oportunismo, tornando mais eficientes os procedimentos de controlo e a geração de confiança. Associada ao uso de tecnologias de comunicação e processamento de informação, a actuação em rede ajuda a reduzir a assimetria de informação e as limitações de racionalidade, permitindo à empresa diminuir os custos de transacção e aumentar o mercado.

1.3 Visões da empresa relacionadas com informação e conhecimento