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Processo de inovação, ciclos tecnológicos e paradigmas técnico-económicos

2. O processo de inovação tecnológica

2.4 Processo de inovação, ciclos tecnológicos e paradigmas técnico-económicos

A introdução de uma inovação é precedida de uma fase preliminar, que se segue à fase de invenção, em que a actividade de desenvolvimento aperfeiçoa a melhor técnica de aplicação e passa, em seguida, à fase crucial de difusão, na qual a informação sobre as características dos aperfeiçoamentos tecnológicos se espalha rapidamente. Nesta fase, os processos de aprendizagem, condições económicas das empresas e condições dos mercados determinam o ritmo da sua implantação.

Após adopção pela esmagadora maioria das empresas, na fase de maturidade, a nova técnica estandardiza-se, podendo aparecer efeitos laterais: mudanças em técnicas com ela relacionadas e ajustamentos nas relações industriais e nos padrões de competitividade.

Para a generalidade das indústrias verifica-se que, numa fase de crescimento do mercado, o sucesso do primeiro passo de modernização tende a acelerar o ritmo e a magnitude da mudança tecnológica. Inversamente, no caso de se enfrentar uma estagnação

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A noção de curva de aprendizagem ou função progresso usa como medida de experiência a relação entre o input directo de trabalho por unidade de output e o output cumulativo.

do mercado mundial ou um mercado com pouca elasticidade às mudanças, o contexto geral pode desanimar o processo de modernização.

O conhecimento tecnológico e de mercado que sustenta a inovação é frequentemente tácito e idiossincrático e, além disso, adquirido fazendo, usando e interagindo (Utterback, Afuah; 2000), com clientes, fornecedores e indústrias relacionadas. No início de uma inovação pode não ser claro para os produtores que tipo de conhecimento, tecnologias ou componentes relacionadas são necessárias, o que é que os clientes querem e a que mercados se dirigir. À medida que os produtores aprendem acerca do modo de satisfazer as necessidades dos clientes, através da interacção produtor - cliente e da experimentação de produto, vão-se estabelecendo padrões de componentes, necessidades do mercado e design de produto. Eventualmente emerge um design dominante, configurando uma substancial redução de incerteza. Quando as empresas adquirem mais experiência no design dominante, os produtos tornam-se mais definidos e as diferenças entre competidores dos produtos são frequentemente semelhanças. Ocorrem inovações incrementais de produto e algumas inovações de processo.

Ocorre assim o ciclo de uma tecnologia, durante o qual tem lugar um processo dinâmico de inovação que passa por experimentação, erro, correcção, aprendizagem e interacção com o ambiente local de competidores, fornecedores e clientes. A correspondente co-evolução de produto, competição, fornecedores e clientes é sumariada no quadro 1.1.

Quadro 1.1 – Co-evolução dos elementos nucleares do processo de inovação

Co-evolução dos elementos chave no processo dinâmico de inovação

Produto Da grande variedade ao desenho dominante e à inovação incremental em produtos estandardizados

Processo De processos de fabrico fortemente assentes em trabalho especializado e equipamento de objectivos múltiplos a equipamento especializado utilizado por pessoal pouco especializado

Organização Da empresa com orgânica empresarial à empresa mecanicista hierárquica com tarefas e procedimentos definidos e poucos prémios por inovações incrementais

Mercado De fragmentado e instável com produtos diversos e feedback rápido a produtos largamente indiferenciados

Competição De muitas pequenas empresas com produtos únicos a um oligopólio de empresas com produtos similares

No processo de inovação, o conhecimento colectivo desempenha um papel relevante, enquanto fonte de informação, bem como a imitação, que actua como forte motor de difusão. Certos modos específicos de circulação da informação, bem como as condições económicas em que as empresas se encontram, contribuem para moldar o processo de difusão.

A questão chave da análise de difusão de inovações é determinar porquê, em determinada altura, as empresas se decidem pela adopção. Para explicar porque é que umas adoptam primeiro que outras, podem seguir-se duas vias:

- considerar as características da população de adoptantes e potenciais adoptantes, explicando a ordem de adopção mediante a sua heterogeneidade;

- considerar o relacionamento entre todos os agentes económicos que compõem a população e explicar a ordem de adopção atendendo à circulação de informação.

Por uma ou outra via, o arranque do processo temporal de difusão requer alguma mudança no ambiente dos agentes económicos.

Quando a análise da difusão é perspectivada em termos da heterogeneidade da população, tem-se em conta que essa heterogeneidade origina sinergias de combinação, gerando variedade e selecção; assim, as características dos bens inovados melhoram em termos de preço e qualidade, levando a novas adopções; as próprias características dos potenciais adoptantes podem também mudar. Quando se considera o relacionamento entre agentes, atende-se à evolução desse relacionamento, nomeadamente à construção de kow

how na utilização das novas técnicas quando se divulga informação acerca delas. Estes

processos podem contribuir simultaneamente para alterar as condições externas de adopção.

Se todos os agentes fossem idênticos, o esquema de difusão dependeria exclusivamente do acesso a informação. Mas as empresas diferem muito umas das outras em múltiplos aspectos, nomeadamente no seu capital e na sua perícia, na sua posição quanto ao acesso a informação e mercados e também no passado e presente da sua organização interna.

Quanto às condições externas que influenciam a adopção, três tipos de factores relevantes se podem considerar:

- interacção empresarial estratégica; - efeitos de imitação;

- mudanças nas condições macroeconómicas de investimento e crescimento.

De acordo com as características da população, com as correlações entre agentes e com as mudanças nas condições exteriores de escolha, podem distinguir-se cinco abordagens. Duas delas são bastante comuns (David, 1969): o modelo epidémico e o modelo do equilíbrio parcial. As outras (Antonelli, 1992) incorporam o carácter inovador de alguns desenvolvimentos recentes na teoria da difusão, usando teoria de jogos ou alguns esquemas dinâmicos mais recentes. Centram-se no papel específico dos efeitos externos em teorias de difusão (o efeito imitação considerado na abordagem epidémica é um deles).

O modelo epidémico caracteriza-se por comparar a difusão de inovações à disseminação de epidemias. Supõe que a adopção de uma nova técnica resultou do contacto com alguém que a adoptara primeiro. A causa da adopção é externa ao adoptante: tem a ver com o meio ambiente.

O modelo do equilíbrio parcial (Stoneman, 1983) tenta enfatizar o efeito diferenciador da heterogeneidade e variedade dos potenciais adoptantes. De acordo com as suas características produtivas e a sua eficiência económica, a empresa adoptará a nova técnica em dado momento ou mais tarde, quando o custo de adopção lhe for conveniente. Esta abordagem assume competição perfeita e informação perfeita e optimiza o comportamento das empresas. É, por isso, qualificada como uma abordagem de equilíbrio.

O modelo que realça a interdependência das decisões inclui a dimensão estratégica do processo de adopção, característica da teoria de jogos, em que duas empresas concebem estratégias em torno das hipóteses de adopção ou não adopção.

Na abordagem que destaca as externalidades de rede, a empresa pode ser levada a adoptar um padrão para beneficiar de algum conhecimento e experiência em comum, não obstante lhe pareça possível a escolha de melhores técnicas.

No modelo que enfatiza o papel da experiência passada e do conhecimento nos processos de decisão das empresas, a escolha de uma nova técnica é racional e obedece a procedimentos baseados em rotinas.

Cada uma das abordagens referidas contribui para facilitar a compreensão do fenómeno de difusão de inovações, em condições específicas. No entanto, a realidade empresarial de uma região, nomeadamente daquela que é objecto da nossa investigação, é

complexa, sendo de esperar que o fenómeno seja influenciado, em diferentes graus, por cada uma das formas de externalidades e por cada uma das fontes de heterogeneidade.

No caso particular das novas tecnologias de informação e comunicação, o processo de difusão tem sido também fortemente influenciado pela implementação de medidas políticas, tendentes a garantir a massificação do seu uso, não só pelas empresas como pelos indivíduos. Essa intervenção impunha-se, atendendo à influência determinante que tal uso exerce na comunicação e na transferência de conhecimento, repercutindo-se na modernização de todos os sectores de actividade. Os resultados da aplicação de múltiplos programas, nomeadamente da iniciativa da União Europeia, visando públicos específicos, contribuíram em grande medida para o acréscimo da sua adopção e utilização (Capello, 1994).

Os ciclos de inovação inscrevem-se em ciclos de longo período – os paradigmas ou revoluções tecnológicas, que ocorrem com grande rapidez em raros intervalos da história da humanidade (Castells, 2000), introduzindo um padrão de descontinuidade nas bases da economia, da sociedade e da cultura, e ajudando a estabelecer a era estável seguinte. Assim, a sociedade industrial que emergiu da anterior revolução tecnológica, educando os cidadãos e organizando localmente a economia em torno de conhecimento e informação, preparou o terreno para o actual paradigma, cujo núcleo de transformação reside nas tecnologias de processamento e transmissão de informação, que analisamos em seguida.

2.5 O novo paradigma técnico-económico: a centralidade das TIC

A tecnologia de informação compreende o hardware (componentes físicas envolvidas no processamento de informação: computadores, estações de trabalho, redes físicas, dispositivos de armazenamento e transmissão de dados) e o software (programas que interpretam os inputs dos utilizadores e “instruem” o hardware acerca das operações a realizar). Para evidenciar que a área da tecnologia tradicionalmente relacionada com o tratamento da informação por meios automáticos (computadores) evoluiu, passando a abarcar outros domínios, o termo “tecnologias de informação” substitui usualmente o termo “informática”. Analogamente, o termo “tecnologias de informação e comunicação” (TIC) traduz o facto de o tratamento da informação se encontrar cada vez mais ligado a processos de comunicação.

Para além da informática propriamente dita, as tecnologias de informação e comunicação incluem outras áreas interligadas, tais como:

. telemática, que conjuga os meios informáticos com telecomunicações, em sistemas como a Internet e outros;

. controlo e automação dos processos de produção industrial, em domínios como CPC (Controlo de Processos por Computador), SATD (Sistemas de Aquisição e Tratamento de Dados), Robótica (sistemas electromecânicos em que intervêm meios e processos informáticos), CAM (Computer Aided Manufacturing), CAD/CAM (sistemas de conjugação de desenho e fabrico baseados em computador) e CIM (Computer Integrated Manufacturing);

. burótica ou ofimática, que utiliza sistemas de informação e serviços telemáticos para tratamento e circulação de informação, ao nível administrativo, nas organizações.

O aparecimento de computadores de quarta geração, a partir de 1970, foi consequência do desenvolvimento das tecnologias de integração de circuitos electrónicos, nomeadamente o VLSI – Very Large Scale Integration, da micro-miniaturização de circuitos electrónicos digitais e da micro-programação orientada para as necessidades do utilizador. A evolução assim originada levou a que, em breve, os micro-computadores substituíssem os minicomputadores e se massificasse o seu uso, deixando a informática de ser privilégio de grandes organizações e de alguma elite técnica e científica, com os computadores a serem vistos quase exclusivamente como instrumento de resolução de complexos problemas matemáticos. Graças aos inúmeros avanços tecnológicos ocorridos, a capacidade global de computação foi incrementada, em apenas quatro décadas, cerca de mil milhões de vezes (Alter, 1999). Contudo, a grande expansão do uso de tecnologias de informação fica a dever-se ao desenvolvimento das comunicações de dados e à explosão da Internet, determinando um novo limiar tecnológico caracterizado pela partilha.

Actualmente o tráfego de dados é feito praticamente pela Internet (ou Intranets), que oferece um conjunto diversificado de serviços: correio electrónico (e-mail), transferência de ficheiros (ftp), emulação de terminal (telnet), serviços de busca de informação, fóruns de discussão (newsgroups), videoconferência, conversação em directo (IRC), etc. O único tipo de redes que concorre com a Internet é o das redes de telefonia de

comutação de circuitos e esse componente tende a desaparecer também (Kurose e Ross, 2003). Embora presentemente a maioria do tráfego de voz seja transportado pelas redes telefónicas, os fabricantes de equipamentos de rede e as empresas operadoras de telefonia preparam-se para uma grande migração para a tecnologia da Internet.

Uma característica diferenciadora das tecnologias de informação e comunicação reside no facto de se tornarem tanto mais atractivas – mais desenvolvidas, mais divulgadas e mais úteis – quanto mais adoptadas são. A atractividade crescente, resultante da sua adopção, pode surgir de várias fontes, particularmente das seguintes:

- “learning by using” (Rosenberg, 1982): quanto mais adoptadas, mais se usam e mais se aprende sobre elas; além disso, mais se desenvolvem e aperfeiçoam; - externalidades de rede (Katz e Shapiro, 1985) : quanto mais utilizadores têm,

mais disponibilidade e variedade se origina e mais vantagens traz a pertença à sua rede de utilizadores;

- economias de escala na produção: o custo do(s) produto(s) cai quando cresce o número de unidades produzidas;

- retornos crescentes de informação (Arthur, 1989): ao tornarem-se mais adoptadas, oferecem a vantagem de ser melhor conhecidas e compreendidas – maior divulgação torna a adopção mais atractiva;

- inter-relação tecnológica (Frankel, 1955): maior adopção de uma tecnologia leva ao desenvolvimento de outras sub-tecnologias e produtos que integram a sua infra-estrutura.

A grande expansão do uso de TIC, expressa no desenvolvimento das comunicações de dados e na explosão da Internet, está associada a um novo paradigma técnico- económico, no sentido da definição de Freeman (“Introduction to part II”, in Dosi et al (1988)): “um cluster de inovações (…) cujas vantagens residem não apenas numa nova gama de produtos e sistemas mas sobretudo na dinâmica da estrutura de custos relativos de todos os inputs de produção”. Neste contexto, em cada novo paradigma há um input específico ou um conjunto de inputs que se pode descrever como factor chave, caracterizado pela queda de custos relativos e pela sua disponibilidade universal. Neste sentido, a mudança contemporânea de paradigma tecnológico pode ser vista como uma passagem de tecnologia baseada principalmente em inputs baratos em energia para outra

que se baseia, sobretudo, em inputs baratos em informação, devido aos avanços da microelectrónica e das telecomunicações. Castells (2000) designa este paradigma tecnológico como paradigma da tecnologia de informação. De entre as suas características essenciais sobressaem as seguintes:

- a informação é a sua matéria prima: trata-se de tecnologias para agir sobre a informação;

- os efeitos das TIC penetraram todas as esferas de actividade: todos os processos da nossa existência individual e colectiva são directamente moldados – embora não determinados – pelo novo meio tecnológico; a profundidade do seu impacto é função da penetrabilidade da informação em toda a estrutura económica, social e cultural;

- a lógica de rede está presente em qualquer sistema ou conjunto de relações que usem as novas tecnologias de informação e comunicação: a rede pode ser materialmente implementada em todos os tipos de processos e de organizações; - a flexibilidade (característica muito relacionada com a lógica de rede mas

distinta dela): reflecte a capacidade de reconfiguração, um aspecto decisivo numa sociedade caracterizada por constante mudança e fluidez organizacional; - a crescente convergência de tecnologias específicas para um sistema altamente

integrado.

Pelas suas características intrínsecas, o paradigma da tecnologia de informação não evolui para o seu fecho, como um sistema mecânico, mas rumo a uma abertura, como uma rede de acessos múltiplos. Forte e impositivo na sua materialidade, é adaptável e aberto no seu desenvolvimento histórico. Abrangência, complexidade e disposição em rede são os seus atributos principais.

A revolução tecnológica associada a este paradigma abrange todos os domínios da actividade humana, essencialmente porque potencia a disseminação e acesso ao conhecimento em termos idealmente ilimitados. Todavia, os seus reflexos na elevação dos patamares de desenvolvimento individual e colectivo estão pendentes do acesso efectivo ao uso de TIC e da capacidade de tirar partido do mesmo. A universalidade do seu impacto dependerá por isso, em boa medida, da generalização das condições existentes de transferência e apropriação de informação e conhecimento.