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Capítulo II – O processo de desenvolvimento

8. Desenvolvimento regional

8.1 A Ciência Regional

Usualmente entende-se como desenvolvimento regional a capacidade de uma região produzir bens e serviços, proporcionando obtenção de rendimento aos seus habitantes. A Ciência Regional estuda as razões das disparidades no desenvolvimento regional – diferentes capacidades existentes entre regiões para proporcionarem aos seus habitantes oportunidades de conseguir rendimento – e define medidas fundamentadas de política que visam reduzir tais disparidades e promover um acréscimo de desenvolvimento das regiões atrasadas.

A Ciência Regional, como área de saber e ciência de política, apareceu nos Estados Unidos na década de 1950, com Walter Isard que tentou introduzir a tradição económica espacial germânica na América do Norte. Ponsard (1958) tentou fazer o mesmo para os países francófonos, mas sem pretender criar um campo de saber autónomo. O facto de se ter desenvolvido especialmente nos Estados Unidos da América nas décadas de 1950 e 1960, embora transplantada da Europa, pode explicar que os seus primeiros pais fossem economistas.

O novo interesse pelas questões regionais decorreu sobretudo da crescente consciência da necessidade de compreender e gerir as mudanças territoriais emergentes no período pós guerra, decorrentes nomeadamente dos rápidos processos de urbanização, com explosão e expansão das cidades, crescimento de grandes subúrbios e esvaziamento de regiões marcadas por características de ruralidade. A disponibilidade de informação estatística, com desagregação de dados ao nível regional, e de ferramentas analíticas e a sua grande divulgação, ao evidenciarem as disparidades existentes, facilitaram o crescimento da importância atribuída às questões regionais.

Nas últimas décadas, muitos países industrializados atribuíram nova importância ao desenvolvimento regional, criando estruturas políticas com vista a um desenvolvimento mais equilibrado do território nacional, fomentando o desenvolvimento de regiões atrasadas.

8.2 O combate às disparidades regionais

A ideia central subjacente a muito trabalho normativo sobre planeamento económico regional derivou do conceito de pólos de crescimento (inicialmente formulado

por Perroux em 1955), considerando que o crescimento é estimulado por uma combinação de multiplicadores inter industriais e economias de aglomeração induzidas. As regiões atrasadas só poderiam crescer se para elas fossem devidamente canalizados investimentos públicos e privados, mediante a combinação de diversas medidas instrumentais, nomeadamente: subsídios à localização de indústria privada, investimento em infra- estruturas públicas e investimento directo em localizações seleccionadas. A necessidade dos subsídios à localização decorre do agravamento dos custos das transacções, inerente ao exercício da actividade económica em zonas periféricas. Para superar essa desvantagem e atrair os investidores, tal agravamento de custos é compensado através da criação de condições favoráveis à instalação de novas unidades de produção nessas zonas, designadamente mediante disponibilização de terrenos a preços simbólicos, dotação de infra-estruturas, redução de impostos, etc.

A premissa fundamental subjacente a muitas políticas regionais era a convicção de que os governos nacionais podiam modelar a estrutura espacial da economia e, portanto, alterar o curso económico das regiões atrasadas, reduzindo as disparidades de desenvolvimento. No entanto, as últimas décadas revelaram uma aparente ineficácia das políticas implementadas com base em tal premissa. Efectivamente:

. Existe um consenso quase universal, pelo menos entre os economistas, de que os

subsídios de localização são ineficientes e têm um impacto apenas marginal no

comportamento da localização das empresas. Numerosos estudos concluíram que tais subsídios não têm impacto mensurável na localização global da indústria (Anderson, 1988; Deves e Gouttebel, 1988; Lithwick, 1986);

. Não se provou que a descentralização espacial de funções nacionais contribuísse significativamente para o desenvolvimento de regiões atrasadas (Polése, 1998). No entanto, a tendência quase universal para a descentralização governamental, que desloca a responsabilidade regional e o fardo fiscal para níveis mais baixos de governação, pode traduzir-se numa maior eficiência governativa. Esta pode derivar da pressão resultante da maior proximidade dos governados que coagem os governantes locais a implementarem medidas que elevem os padrões de vida, proporcionando também um conhecimento mais real das causas do atraso e maior

. É indubitável que um dos mais poderosos instrumentos de evolução das regiões atrasadas é o investimento em infra-estruturas: vias de comunicação, energia, abastecimento de água e saneamento público, equipamentos educativos, etc. São, no entanto, insuficientes. Numa economia de mercado, apenas mostram efeitos positivos a longo prazo se forem acompanhadas de decisões de investimento privado;

. Os modelos baseados em pólos de crescimento, contando com fortes efeitos multiplicadores não se revelaram claramente bem sucedidos. A mera presença de investimentos industriais concentrados, com relacionamento inter-industrial, economias de escala e economias de aglomeração, não constituem uma condição suficiente para assegurar um desenvolvimento autónomo e dinâmico. Em muitos casos, o principal obstáculo ao desenvolvimento não é a insuficiência de capital físico mas sim institucional, cultural, sociológico e geográfico.

A literatura tem vindo a documentar a convergência dos rendimentos per capita entre regiões, em quase todos os países desenvolvidos (Barro e Sala-i-Martin, 1995). No longo prazo, o livre fluxo de trabalho, mercadorias e capital parece favorecer a convergência do rendimento regional (a convergência entre os países da UE é inquestionável). No entanto, há que ter em conta que a convergência resulta em parte da

desertificação de muitas zonas rurais, sem recursos para proporcionar aos seus habitantes

um nível de desenvolvimento adequado. Os resultados sugerem que o melhor remédio de longo prazo para as disparidades no desenvolvimento regional é a integração da economia, conjuntamente com a eliminação de barreiras ao livre movimento de pessoas, capital, mercadorias e ideias. As políticas regionais têm de ter em conta o mercado, assegurando que os necessários ajustamentos regionais a um mercado em permanente mudança decorram com a máxima eficiência. Por isso, elas próprias são temporárias, sujeitas a transformações. O desenvolvimento da capacidade endógena de inovação, contudo, terá de estar sempre no cerne dessas políticas, pelo que sempre deverão fomentar a absorção e o uso de informação. Associada às especificidades locais, de difícil transposição para outros ambientes, a capacidade local de inovação poderá constituir uma via adequada para a afirmação a nível global.

Ao proporcionarem redução nos custos das transacções, as novas tecnologias de informação e comunicação ajudam a esbater os problemas associados à localização, mas

isso não significa que originem o “fim da geografia”. Pelo contrário, a sua utilização origina um reforço da localidade. Uma perspectiva apoiada por Cooke et al (1992), que introduziu o conceito de localização global, para sublinhar a crescente relevância do local e da especialização no processo de globalização.

8.3 Do desenvolvimento regional ao desenvolvimento endógeno

Ultimamente, entende-se que as fontes de desenvolvimento residem na própria região, nas suas pessoas, nas suas instituições, no seu sentido de comunidade e, acima de tudo, no espírito de inovação e empreendedorismo dos seus habitantes. Daí que nas duas últimas décadas se tenha desenvolvido o conceito de desenvolvimento endógeno ou desenvolvimento a partir de baixo, em torno de uma ideia central: o desenvolvimento é, antes de mais, uma questão local (Maillat, 1992; Pecqueur, 1989; Perrin, 1991). Assim, o sucesso de uma região dependerá sobretudo da sua capacidade de tomar conta de si, de mobilizar vários actores em torno de objectivos comuns, de se adaptar com êxito às pressões externas.

As medidas de política com vista ao desenvolvimento das regiões serão tanto mais eficientes quanto mais dirigidas à promoção do desenvolvimento gerado a partir delas, ao fomento da sua auto-estima, mais do que à dependência de intervenção externa, que há-de ser vista como ajuda ao desenvolvimento das suas capacidades: “ajudá-las a ajudar-se” (Landabaso, 2001).

O destaque que na actualidade é geralmente conferido ao desenvolvimento endógeno prende-se directamente com o reconhecimento da valia do território, do meio. Essa valia decorre, antes de mais, da qualidade dos seus habitantes, como acima se referiu. E também da especificidade dos seus recursos, daquilo que o torna único, nomeadamente em termos de recursos patrimoniais, tanto históricos como naturais, permitindo a obtenção de renda de escassez.

A sua localização e as suas redes de cooperação afectam igualmente a valia do território que também depende das suas instituições e das suas estruturas sociais e económicas, bem como das suas estruturas de povoamento.

Por trás da aparente contradição da ênfase dada ao desenvolvimento local na era da

globalização, pode reconhecer-se a necessidade sem precedentes de uma mobilização de

indispensáveis numa praça totalmente aberta. Não obstante a sua aparente pequenez, os

agentes locais podem conferir às redes em que se articulam um forte potencial de

adaptação, face ao seu especial conhecimento do meio e à sua natural capacidade de empenhamento em causas próprias.

Em Portugal tem-se vindo a registar uma crescente importância da governação local (autárquica), face à demonstração da sua eficiência governativa.18 Esta pode explicar-se em parte pela pressão resultante da grande proximidade dos habitantes, que coagem os governantes locais no sentido de implementarem medidas que elevem os seus padrões de vida. A eficiência da governação local pode explicar-se também por uma melhor adequação à realidade das medidas que perseguem o progresso do respectivo território, não só pelo seu melhor conhecimento como também pela mobilização mais eficaz dos diversos agentes, levando-os a enriquecer o processo de desenvolvimento com a sua participação. Esta capacidade local de mobilização de agentes deverá traduzir-se em integração horizontal de potencialidades que reforce a capacidade endógena de intervenção externa, mediante inovação, associada ao uso de informação, filtrada e absorvida através de adequadas redes de relações.

8.4 Desenvolvimento integrado

É hoje obsoleta (Mothe e Paquet, 2000) uma concepção do mundo segundo a qual as nações são soberanas e mantêm blocos discretos de população e recursos, negoceiam uma pequena parte do seu output nacional nos mercados internacionais e controlam os níveis de emprego, rendimento e valor monetário

O poder de governação desenha-se actualmente não em termos de uma lógica centralizada, organizada hierarquicamente, mas segundo uma configuração integradora dos mais baixos níveis de actividade sócio-económica, onde os próprios indivíduos (gestores e consumidores) podem ter contacto directo com fornecedores, financiadores e clientes finais e tomar decisões.

É hoje geralmente assumida a importância do dinamismo de génese local na redução das disparidades regionais, cuja prossecução não pode cingir-se a transferências

18 Segundo Relatório da DELOITE publicado no Jornal de Notícias de 2004/01/28, 53.6% do investimento

público em 2002 foi da responsabilidade das Autarquias contra apenas 11.1% da despesa pública desse ano. O seu défice correspondeu a 16% do défice público. Quanto à origem das sua receitas, 41% foram receitas próprias, 36% transferências do Estado, 7% transferências da UE e 16% outras fontes.

interregionais de rendimento. Por si só, contudo, o puro dinamismo local pode ser gerador de disparidades. Levada ao extremo, uma sociedade em que todas as competências fossem transferidas para o nível local transformar-se-ia numa sociedade atomizada e com grandes assimetrias.

O desenvolvimento sustentado dependerá em boa medida da interacção dos diferentes agentes de desenvolvimento, aos diversos níveis, com a indispensável integração numa estratégia de âmbito supra regional.

De acordo com o princípio tomista da subsidiariedade, a resolução de um problema não deve subir de nível desde que possa ter resposta a um outro mais baixo. A aplicação desse princípio é vantajosa não apenas para os mais proximamente interessados na solução do problema como para os que, no centro, seriam sufocados com questões específicas, dificultando o tratamento dos problemas gerais, o exercício de funções de coordenação, análise prospectiva e definição de estratégias de âmbito geral. A descentralização não pode, contudo, significar a transferência para a responsabilidade local de funções incómodas para a Administração Central. A “transferência de competências deve em todas as circunstâncias remeter-se para o plano dos princípios, deixando-nos orientar somente pela preocupação de definir o melhor nível para o desempenho da função em causa” (Oliveira, 1986).

A descentralização do poder é tanto mais efectiva quanto maior for a capacidade de interligar diferentes actores e distintas escalas de regulação: de forma simultaneamente plurisectorial e multidisciplinar, concertar estrategicamente as lógicas dos poderes central, regional e local (Ferrão, 1997). Pese embora a evidente relevância do papel dos agentes locais no desenvolvimento regional, este não pode entender-se senão integrado no processo de desenvolvimento nacional, assim como o desenvolvimento do país não pode dissociar-se do processo de desenvolvimento europeu que, por sua vez, se tem de inserir no contexto do desenvolvimento global.