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Capítulo II – O processo de desenvolvimento

6. Desenvolvimento económico e fluxos de conhecimento

6.1 Transferência inter-regional de tecnologia

Em economias abertas, a transferência de tecnologia pode processar-se mediante

dois mecanismos: através da transmissão de ideias processada independentemente da troca

de bens e através do próprio comércio de bens intermédios que incorpora ideias.

A aprendizagem directa do conhecimento tecnológico externo pelo primeiro mecanismo envolve uma externalidade positiva, se esse conhecimento é obtido a um custo inferior ao do custo suportado pelo inventor original: é um spillover activo, no sentido de que o blueprint se torna parte do stock de conhecimento dos laboratórios de investigação e desenvolvimento (I&D) que o importam, podendo utilizá-lo activamente para criar novos produtos.

O emprego de bens intermédios importados envolve o uso implícito do conhecimento do blueprint criado com investimento em I&D por parte do inventor externo. Se o bem intermédio custar menos que os seus custos de oportunidade – que incluem os custos de desenvolvimento do produto –, existe um ganho no acesso a esse bem, decorrente de uma externalidade tecnológica passiva, pois o conhecimento tecnológico incorporado no bem não está disponível para os inventores domésticos (apenas o está o resultado obtido a partir dele).

Ambos os mecanismos de fluxos de conhecimento comportam possibilidades de crescimento na medida em que aumenta o stock de conhecimento disponível dos produtores. No primeiro é distribuído sem custos através de externalidades, sendo comum aos investigadores da economia mundial; no segundo tem um carácter de exclusividade, pois a sua transmissão é condicionada pela compra de inputs. Ocorrendo simultaneamente transmissão de ideias e comércio internacional, os efeitos no desenvolvimento são maiores, pois não só aumenta a produtividade na indústria devido ao acréscimo de variedades originadas no exterior como aumenta a produtividade na investigação em resultado da importação de ideias adicionais.

6.2 Crescimento económico e comércio externo

A explicação para o comércio externo assenta no princípio ricardiano da vantagem comparativa segundo o qual cada região beneficiará com a especialização na produção e exportação de bens que pode produzir com um custo relativamente menor; inversamente,

beneficiará se importar os bens que produz com um custo relativamente maior. Samuelson (1999) aponta algumas limitações da teoria da vantagem comparativa, baseada em tal princípio, designadamente no que se refere:

- aos pressupostos clássicos – a teoria pressupõe o funcionamento contínuo de uma

economia concorrencial com flexibilidade de preços e salários e sem desemprego involuntário; a satisfação perfeita destes pressupostos não ocorre na realidade;

- à distribuição dos rendimentos – embora a abertura de um país ao comércio livre

aumente o rendimento nacional, nem todos os indivíduos, empresas e sectores ou factores de produção beneficiam com o comércio; se o comércio livre aumentar a oferta dos bens produzidos por determinados factores de produção ou por uma região determinada, esses factores ou regiões podem passar a ter menos rendimento do que teriam se existissem restrições a esse comércio.

A partir de meados da década de 80 do século XX, surgiram diversos contributos para explicar as relações entre o comércio externo e o crescimento económico, num debate inacabado acerca dos efeitos do primeiro sobre o segundo. Entre as questões em aberto, encontra-se o facto de não se ter revelado muito forte a relação directa entre comércio externo e crescimento da produtividade.

São geralmente referidas na literatura diversas razões pelas quais a abertura ao exterior fomenta o crescimento (Grossman e Helpman, 1991)16, designadamente as seguintes:

- permitir a transmissão de informação técnica;

- encorajar a inovação e a procura das melhores tecnologias;

- alargar a dimensão do mercado, com implicação no acréscimo de vendas e lucros, para uma dada cota de mercado, em maior concorrência, conduzindo a uma reafectação de recursos com influência sobre o crescimento.

A teoria do crescimento endógeno mostrou que a extensão das externalidades de conhecimento aumenta com a expansão do comércio externo (Grossman e Helpman, 1991), mas mostrou também que os países melhor dotados de capital humano tendem a

16 Nem o modelo de Grossman e Helpman nem o de Young (1991) consideram os mecanismos padrão da

difusão internacional de tecnologia. No primeiro, os inputs intermédios especializados não são internacionalmente transaccionáveis nem a I&D estrangeira proporciona efeitos internos de aprendizagem. No segundo, o stock de conhecimento de cada país depende apenas da sua escala de produção, não existindo ligação directa entre os stocks de conhecimento doméstico e externo.

usufruir de taxas de crescimento positivas no longo prazo. A confiar nesta previsão teórica, o comércio com países melhor dotados de capital humano não seria muito favorável ao desenvolvimento de economias menos dotadas desse capital, pois o sector moderno pode aumentar a sua quota na produção total no país com capital humano relativamente mais abundante. Tal comércio levaria países menos dotados a especializarem-se na produção de bens do sector tradicional, podendo estrangular o seu sector moderno. Consequentemente, a sua taxa de crescimento seria mais baixa do que em países melhor dotados de capital humano, pois assume-se geralmente que o sector tradicional não beneficia de aumentos endógenos na produtividade (Pessoa, 2003).

Os modelos de crescimento endógeno em economias abertas reconhecem dois

mecanismos principais de acumulação de conhecimento devida ao comércio externo: um

está associado ao facto de o comércio externo mudar o padrão de especialização de um país (Lucas, 1993; Young, 1991), sendo a aprendizagem um assunto interno; o outro resulta da possibilidade de abertura de novas fontes de inputs tecnológicos através do comércio externo de bens e factores de produção (Grossman e Helpman, 1991), sendo o conhecimento importado do exterior.

Os modelos de aprendizagem interna assentam geralmente no learning by doing: gestores e trabalhadores ganham experiência através do processo de produção que lhes proporciona maior produtividade (Young, 1991). O papel desempenhado pelo comércio externo na acumulação de conhecimento resulta da influência que as transacções exercem no padrão de especialização, pois os bens têm diferentes potenciais de aprendizagem17. Segundo os modelos de progresso técnico endógeno (Grossman e Helpman, 1991), as economias industrializadas, com relativa abundância de capital humano, realizam mais investigação e crescem mais rapidamente que as economias em desenvolvimento. Estas, porém, relacionando-se através do comércio externo com economias industrializadas, podem obter maior variedade de inputs intermédios e assim crescer mais rapidamente do que cresceriam em autarcia, embora os níveis de crescimento não convirjam. Em ambos os tipos de abordagem, a liberalização do comércio externo pode ter importantes efeitos de crescimento através da mudança na distribuição interna de recursos.

17 Em Young (1991) a taxa de crescimento de um país é determinada pelo nível de learning by doing

predominante, isto é, o efeito de abaixamento de custos de produção cumulativa. O potencial de learning by

doing é elevado para os produtos inventados recentemente, sendo os seus efeitos diminutos para os mais

De um modo geral, a abertura ao exterior fomenta o crescimento de quatro modos (Grossman e Helpman, 1991): i) através da transmissão de informação técnica; ii) impulsionando a inovação e a busca de melhores tecnologias; iii) alargando a dimensão do mercado (o que proporciona mais vendas e mais lucros para uma dada cota de mercado e significa também maior concorrência); iv) conduzindo a uma reafectação de recursos com efeitos sobre o crescimento.

O fluxo inter-regional de bens e serviços pode reflectir-se em aumento de produtividade, proporcionando informação e disponibilizando produtos que incorporam conhecimento externo cuja aquisição seria dispendiosa doutro modo. Mas as vantagens da abertura ao exterior serão tanto maiores quanto maior for a capacidade de absorver informação.