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Capítulo II – O processo de desenvolvimento

2. Teorias do desenvolvimento económico

A teoria do crescimento e desenvolvimento é tão antiga como a própria economia. Os economistas clássicos dos séculos dezoito e dezanove eram economistas do desenvolvimento e escreveram sobre as forças determinantes do progresso. A investigação económica tinha como questão principal o porquê das diferenças de ritmo de desenvolvimento entre países.

Algumas das primeiras teorias salientavam o clima como elemento determinante de crescimento económico, fazendo notar que os países avançados se encontravam em zonas

1 O crescimento económico representa a expansão do PIB potencial ou produto nacional de um país

(Samuelson, 1999).

2 Todaro (1996) argumenta que a economia necessita de ser vista na perspectiva ampla do sistema social.

Para Goulet (1971) as componentes básicas do desenvolvimento são três: sustento, auto-estima e liberdade. Armatya Sen (Sen, 1983, 1984) também as considera na sua visão de desenvolvimento.

temperadas. Outros apontavam a importância dos costumes, da cultura ou da religião como factor fundamental3. Outros ainda explicaram o progresso social e económico através das estruturas de decisão4.

O interesse pelo conhecimento dos determinantes do desenvolvimento evidencia-se designadamente no trabalho principal de Adam Smith (1776)5, intitulado Uma

Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações. Para ele, como para os

outros principais economistas clássicos (Thomas Malthus, David Ricardo6, Karl Marx), o crescimento de output e a distribuição do rendimento entre salários e lucros constituíam a maior preocupação. Contrariamente aos restantes, Smith tem uma perspectiva geralmente optimista do processo de crescimento, concebendo um círculo virtuoso auto-sustentado. Introduziu a noção de retornos crescentes, baseada na divisão do trabalho (que conduz a ganhos de especialização), fazendo depender o crescimento de output e dos padrões de vida sobretudo de investimento e acumulação de capital; investimento que, por sua vez, depende das poupanças geradas e do grau de especialização do trabalho7. Inseparável do crescimento considera também a liberalização do comércio e a eliminação de barreiras às trocas comerciais.

A visão de Smith do desenvolvimento como um processo interactivo cumulativo, baseado na divisão do trabalho e em retornos crescentes, veio a ser realçada por Young (1928), cuja teoria do crescimento cumulativo considera que os retornos crescentes não se confinam a factores que elevam a produtividade nas indústrias consideradas individualmente, mas se alargam ao conjunto das indústrias, vistas como um todo interrelacionado: o que por vezes se designa de macroeconomias de escala.

A teoria do crescimento e desenvolvimento conheceu uma letargia a partir da morte de Marx (1883), num período em que a economia foi dominada pela teoria neoclássica, sob influência dos Princípios de Economia (1890) de Alfred Marshall. Este tratou o

3 Max Weber salientou a “ética protestante” como força motriz subjacente ao capitalismo. A sua teoria não

explica, por exemplo, como é que a Grécia e o Próximo Oriente foram o berço da civilização enquanto os europeus viviam em cavernas.

4 Mancur Olson argumentou que os países iniciam o declínio quando a sua estrutura de decisão se torna

rígida e os grupos de interesses impedem o progresso social e económico.

5 Para Adam Smith os elementos explicativos do crescimento são: a acumulação de capital, a eficiência na

combinação dos factores de produção, a divisão do trabalho e o comércio internacional.

6 Contrariamente ao carácter indutivo do trabalho de Adam Smith, o modelo de Ricardo tem um carácter

analítico, ocupando um papel importante no processo de afirmação da economia como ciência (Pessoa, 2003).

7 É famoso o seu princípio: “A divisão do trabalho depende da extensão do mercado e a extensão do mercado

desenvolvimento como um fenómeno natural: um processo evolutivo análogo ao do desenvolvimento biológico no mundo natural.

A moderna teoria do desenvolvimento começou com o artigo clássico de Roy Harrod, Um Ensaio em Teoria Dinâmica (1939), que levou ao desenvolvimento do que é hoje chamado modelo de desenvolvimento de Harrod-Domar, que continua a ser usado em planeamento de desenvolvimento8. Foi considerado por Easterlay (1999) como o modelo de crescimento mais amplamente aplicado na história da economia. O ponto de partida para o modelo de Harrod-Domar foi a teoria da determinação do rendimento de curto prazo – desenvolvida inicialmente por Keynes (1936) na análise do equilíbrio estático – que salientou o papel da procura agregada na determinação do produto e do emprego a curto prazo, enquanto que Harrod (1948) abordou a análise do crescimento em termos da evolução da procura a longo prazo. Com uma perspectiva absolutamente optimista, a sua escola prometia o fim do subdesenvolvimento, conquanto fossem aplicadas as ferramentas e os modelos correctos.

O modelo básico neoclássico de crescimento foi primeiramente desenvolvido por Robert Solow9 e Trevor Swan, em 1956, e tem exercido grande influência na análise do crescimento, nomeadamente o uso da função de produção agregada (FPA) que relaciona o produto nacional total com os factores e a tecnologia. Algebricamente, a FPA é dada por

) , , ( .F K L R A Y =

onde Y = produto, K = serviços produtivos de capital, R = recursos naturais, A representa o nível de tecnologia na economia e F a função de produção. Uma característica do modelo de Solow é a ideia da independência entre política económica e crescimento de longo prazo. Este modelo e a sua aplicação à economia dos Estados Unidos da América, numa perspectiva histórica, inspiraram um conjunto significativo de trabalhos empíricos, embora os primeiros estudos empíricos da função de produção aplicada ao crescimento económico datem do final dos anos 20 do século XX, quando o matemático Charles Cobb e o

8 Por vias diferentes, o inglês Roy Harrod e o americano Evesey Domar chegaram à mesma conclusão: o

crescimento sustentado a uma taxa constante exigia que a fracção de rendimento poupado fosse igual ao produto da taxa de crescimento do número de trabalhadores pela razão capital/produto.

economista Paul Douglas analisaram os dados da indústria transformadora dos Estados Unidos10.

Desde meados da década de 1980, tem proliferado a literatura e investigação sobre economia aplicada ao desenvolvimento, tentando compreender e explicar as diferenças nas taxas de crescimento do produto e do crescimento do rendimento per capita entre os diferentes países. Diversos factores contribuíram para esta proliferação de pesquisa sobre desenvolvimento, podendo destacar-se:

- preocupação crescente com o desempenho económico das regiões mais pobres e particularmente com as profundas disparidades entre países e continentes; - crescente disponibilidade de dados estandardizados que possibilita a realização

de um trabalho econométrico credível;

- o resultado de estudos pioneiros que revelaram não haver convergência de rendimentos per capita na economia mundial, contrariamente às previsões da teoria neoclássica do crescimento, baseada no pressuposto de retornos decrescentes de capital, que levaria a crescimento mais rápido nos países pobres que nos ricos.

Muita da literatura recente sobre desenvolvimento é inspirada na chamada nova teoria do crescimento ou teoria do crescimento endógeno. A nova teoria do crescimento, bem como uma parte significativa dos estudos empíricos, enfatiza as externalidades e a alteração tecnológica endógena, implicando análise mais atenta do papel da tecnologia e do conhecimento no processo de desenvolvimento económico.

Nos novos modelos de crescimento endógeno, iniciados com Robert Lucas (1988) e Paul Romer (1986, 1990), assume-se haver externalidades positivas associadas à formação de capital humano (educação e formação, por exemplo), pesquisa e desenvolvimento que impedem a queda do produto marginal de capital e a subida do ratio capital-output11.

10 A função de produção de Cobb Douglas pode ser escrita como:

β α t t t t AK L Y =

onde Yt é o output real no instante t, At é um índice de tecnologia (ou produtividade “total”) Kt é um índice

de stock de capital ou serviços de capital a preços constantes, Lt é um índice de input de trabalho, α é a

elasticidade parcial do output relativamente ao capital (mantendo o trabalho constante) e β é a elasticidade parcial do output relativamente ao trabalho (mantendo constante o capital).

11 A nova teoria de desenvolvimento reabilita muitas das ideias perdidas na revolução neoclássica: a ênfase

de Adam Smith aos retornos crescentes associados à indústria manufactureira e também a ênfase do papel da acumulação de capital e da incorporação de várias formas de progresso técnico a ela associados.

Diversos estudos empíricos têm sido levados a cabo, inspirados na nova teoria do crescimento, acerca das diferenças de taxas de crescimento entre países. Robert Barro conta-se entre os principais investigadores neste domínio (Barro, 1991). Examinou o crescimento de rendimento per capita em 98 países no período compreendido entre 1960 e 1985. Os resultados do seu estudo e outros semelhantes revelaram muito acerca das fontes de discrepância entre as taxas de crescimento dos países. Desde logo, as variáveis que revelaram significância foram as que tradicionalmente estiveram no cerne das principais teorias do crescimento, particularmente a importância do investimento e da acumulação de capital. Por outro lado, ficou sem ser explicada uma boa parte das diferenças de taxas de crescimento entre países (cerca de 40%). Uma razão para a “fraqueza” da nova teoria evidenciada por esses estudos poderá ser o facto de em muitos deles serem usados modelos de economia fechada, sem constrangimentos à procura (Thirlwall, 1999).