Numa pequena “montanha” próxima ao Pico do Jaraguá constituiu-se uma das maiores Igrejas Daimistas do país: o Céu de Maria ou Centro Eclético da Fluente Luz Universal
Lúcio Mortimer. Comandada por Glauco Villas Boas, cartunista do Jornal Folha de São
Paulo, e por sua esposa Bia, esta Igreja tornou-se um exemplo para demais centros, por sua fidelidade aos rituais e doutrina daimistas, sendo que muitos fiéis reconhecem no Céu de
Maria o retrato da floresta amazônica e, por conseqüência, da “Nova Jerusalém” dos daimistas – o Céu do Mapiá. Esta constatação pode ser encontrada, por exemplo, nas canções – as mulheres que puxam os hinos procuram seguir a padronização da Igreja Matriz, o Céu do Mapiá, sendo que até a entonação da voz lembra em muito o sotaque dos acreanos e amazonenses. Além disso toda a tradição de organização dos trabalhos procura ser mantida e respeitada. Por último, há uma consideração muito grande pela figura do falecido Padrinho Sebastião, pela viúva Madrinha Rita, pelos Padrinhos Alfredo e Valdete – sendo que estes dois últimos são atualmente os principais dirigentes nacionais e mundiais da doutrina.
Entretanto, como já foi dito anteriormente, apesar de toda centralização que o CEFLURIS exerce sobre as Igrejas do Santo Daime, há certo espaço para estas criarem sua personalidade e demonstrarem suas especificidades . No caso do Céu de Maria, podemos definir sua essência como sendo a “energia feminina” : é a imagem de Nossa Senhora Aparecida sobre a mesa em forma de Estrela do Rei Salomão, são as 41 canções recebidas por Glauco – o seu hinário intitulado Chaveirinho – que evocam sempre a proteção da Santa Maria . Percebemos esta energia feminina no hino abaixo:
Viva a Casa de Maria
Viva ela como está Vamos todos ficar firmes Cada um em seu lugar Que vai chegar mais aparelho Para mais força aparelhar
Esta casa é de Maria
e de Jesus Cristo Redentor Eu vou receber esta força A força do meu Senhor
Para fundar com meu São Paulo Uma casa de Amor
Viva Casa de Maria E viva Mamãe Iemanjá
Como nas ondas do mar É meu pai que está apurando O que tem para apurar
Oh! Minha Santa Maria
Vem aqui nos perfumar Vem aqui tirar o medo Vem aqui nos clarear
Que o comando é de São Pedro Ninguém queira duvidar.
(Hino “São Paulo” , Recebido por Glauco. Grifos nossos)
Como vemos, o Céu de Maria possui uma egrégora própria – seu próprio portal de contato com o astral e os seres celestiais – trata-se da energia feminina que no hino acima torna-se perceptível nos clamores à Santa Maria e à Iemanjá, por exemplo. Nas palavras de Glauco:
Mestre Irineu recebeu a doutrina da Virgem Mãe, o Padrinho Sebastião falava da força e da firmeza das mulheres. A música aqui é firmada nas mulheres.25
A história do Céu de Maria inicia-se no ano de 1993. Primeiramente, Glauco montou um grupo de estudos do Santo Daime, cujos encontros se davam numa pequena casa no bairro do Butantã em São Paulo. Algum tempo depois, o grupo se transferiu para uma casa maior, na entrada da Cidade Universitária. Lá ocorrem alguns fatos que marcaram os primeiros passos desta Igreja Daimista. A residência estava servindo como moradia por vários meninos de rua. Além disso, em frente à casa havia um ponto de prostitutas e travestis. Não bastasse todos esses entraves ou desafios a serem vencidos, os trabalhos espirituais eram freqüentemente interrompidos pela polícia – os vizinhos não toleravam a cantoria dos hinos, já que na maioria das vezes os trabalhos ocorriam à noite e de madrugada. Mauro Tagnin – fardado do Céu de Maria e um de meus informantes – nos conta que :
Na Igreja do Butantã, havia problemas com os vizinhos, devido ao barulho. Já baixou polícia, já que os trabalhos passavam das vinte e duas horas. Um dia um vizinho falou barbaridades para a gente, que estava no meio de um trabalho. Xingou que xingou todos nós até que, de repente, do nada, o muro que dividia as duas casas veio a baixo. Só que caiu todo do lado do vizinho que nos xingava. O resultado foi que ele se calou na hora, parecia um castigo vindo de Deus.
Em relação aos meninos de rua, Glauco sentiu que era a hora de colocar em prática um dos ensinos da Doutrina Daimista, a caridade26. Como resultado de sua solidariedade para com estas crianças, colheu como fruto à dedicação de duas delas , conforme podemos perceber em seu relato:
Era o amor do Cristo, mesmo, que eu sentia. Quando abri o portão daquela casa tinha dez meninos de rua ali no fundo, numa fuinha, atocaiada. Um pacotinho, de presente, pronto para começar o trabalho. Lembrei-me do banquete do Cristo, quando Ele convidou todo mundo, mas estavam todos ocupados com seus negócios. E aí Ele chamou o povão, os simples, os desvalidos. Quando o Céu de Maria abriu ali, senti que tinha a força da caridade contra a miséria humana. Dois daqueles meninos estão comigo até hoje.
Uma dessas crianças, de origem negra , hoje pode ser vista nos trabalhos do Céu de Maria ocupando o papel de fiscal de salão, no batalhão feminino. O que demonstra a gratidão que esta moça deve sentir, já que esta função exige muito cuidado dedicação, assim como denota o reconhecimento que os membros da Igreja têm perante a ela.
Em 2000, o Céu de Maria galgou o título de “Igreja Oficial do Santo Daime em São Paulo” . Gradualmente, alguns daimistas estão construindo uma Comunidade ao redor do espaço da Igreja. Alfredo Mota de Melo, atual comandante do CEFLURIS, batizou a comunidade de “Vila Astral” .
25
Relato extraído do endereço eletrônico http://www.ceudemaria.org.
26
Na verdade o incentivo à prática da caridade têm sua origem no Kardecismo, que é um dos elementos religiosos que compõe as “cosmologias em construção” do Santo Daime.
A Igreja segue seus planos de crescimento e expansão, com a compra de um novo terreno situado um pouco mais acima da localização atual. Com esta compra busca-se concretizar um projeto ambicioso, que é o da construção de um templo, com arquitetura arrojada, moderna e com capacidade para acolher de forma mais confortável um número maior de fiéis. Para tanto, promove a participação de todos os membros para a arrecadação de recursos que podem tornar este sonho possível. Esta é uma característica marcante dos daimistas: agir de forma coletiva, realizar mutirões, tudo calcado em uma sociabilidade que Walter Dias Junior (1994) define como uma “União Mística” – pois ela é gerada pela crença em um mundo astral que os fiéis visitam em suas mirações.