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Dentro das particularidades que a Igreja Flor de Luz e a Comunidade Céu de Midam apresentam, iremos destacar aqui os seres espirituais que guiam os fiéis daimistas e que protegem toda a comunidade, o próprio Daime e que estão sempre transmitindo mensagens ou instruções sobre o andamento da vida e também da doutrina neste local.

Vejamos um pouco das histórias e das características de quatro – os principais - destes seres espirituais :

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Apoena Águia Dourada – Foi o Padrinho Jonas quem viu este ser espiritual indígena

pela primeira vez – em forma de miração – e o identificou como o protetor do Santo Daime e da Comunidade Céu de Midam. Apoena seria um índio da etnia Apache, portanto um índio norte-americano. Viveria ele no bambuzal, bem em frente ao Templo daimista, teria um poder xamânico, como um nagual, de se transformar em águia - daí a razão de ser chamado “Apoena Águia Dourada”.

Uma das primeiras vezes em que Apoena apareceu nas mirações que o Padrinho Jonas vivenciou é recontada abaixo pela Madrinha Maria do Carmo:

Na miração, ele, o Jonas, era um carneirinho, que estava num cercado e queria só saber de pular, pular e pular. E ele pulou para fora daquele cercado, queria sair daquele cercado . Foi quando veio uma flechinha , certeira, e a flechinha foi atrás dele e “pá!” bateu assim na bunda dele e trouxe ele de volta para dentro daquele cercado. E quem o flechou foi o índio Apoena Águia Dourada, trazendo-o de volta para o seu caminho, que é o caminho espiritual, dentro da Doutrina do Santo Daime.

Madrinha Maria do Carmo.

Ainda conforme o depoimento da Madrinha Maria do Carmo :

Ele, o Padrinho Jonas, viu em miração que o nosso guardião era este índio norte-americano, chamado Apoena Águia Dourada. Eu cheguei a ver o Apoena, a entidade, e é de muita luz, mas de muita luz mesmo. Era um ser simples, como um índio é ... mas de muita luz. Em seu aspecto, não era um índio puro como a gente vê, mas um ser todo repleto de luz...

Madrinha Maria do Carmo.

Maria Cecília Frederico, acreana de 25 anos – filha do Padrinho Jonas e da Madrinha Maria do Carmo - narra da seguinte forma um de seus contatos mais inesquecíveis com este ser de luz chamado Apoena :

Eu tive uma miração com o Guardião Apoena Águia Dourada, só que na miração ele aparecia como meu pai. Meu pai estava num lugar, com uma roupa toda de marinheiro, com um quepe, com as mãos para trás. Ele estava em cima de uma pirâmide. E de repente começa a abrir uma asa das suas costas, uma asa assim enorme , ele abre aquelas asas lindas, enormes, dentro da igreja, e aquelas asas pareciam águas, que limpavam tudo dentro da igreja.

Maria Cecília.

Maria Cecília é casada com Saulo Bonfim,de 31 anos, e dessa união nasceu um filho que hoje se encontra com três anos de idade. A este filho foi dado o nome de Apoena em homenagem ao índio apache guardião do Céu de Midam. Este caso serve de exemplo para entendermos a importância dada pelos fiéis daimistas da Igreja Flor de Luz aos seres de luz que os acompanham, guiam e os protegem em sua jornada espiritual e na própria vida cotidiana.

Em tempos anteriores, Saulo teve uma miração em que o Daime lhe mostrou que teria um filho e que, caso fosse um menino seu nome seria Apoena :

Eu tive uma miração muito forte,e muito particular. Eu tive uma instrução do comando espiritual da casa. Eu tive uma miração que eu iria ter dois filhos com a Maria Cecília . Se o primeiro fosse menino, eu daria o nome de Apoena, se for menina iria se chamar Jupiara. Eu fiquei pensando na minha miração : “Porque Apoena?” . Ele é um Apache, e eu vi, na minha miração, aquele indião vindo de dentro do bambuzal. O Padrinho. Jonas dizia que a Águia ficava sentada em cima do bambu. O índio se transformava em águia. Então, continuando a falar da minha miração, eu fui em frente à Casa de Cura, próximo ao lago, e eu continuei a mirar, mirei mesmo, uma imagem muito linda . Mas era uma miração tão real, que era uma pessoa mesmo que eu estava vendo ali, ela virando meio uma adolescente, na minha frente, ela chegou, deu a volta, subiu as escadas da Casa de Cura, parou na minha frente, e falou “eu sou Jupiara, cabocla da mata”. E como um conto de fada, de repente, sua imagem desapareceu na minha frente.

Saulo lembra que casou-se com a filha de um Padrinho e uma Madrinha, e que tem que zelar pelo neto deste Padrinhos do Daime. Por isso deu o nome de Apoena para seu filho e busca ensinar a ele o caminho da doutrina daimista, buscando também preservar esta linhagem de ensinamentos espirituais e doutrinários que vêm dos comandantes da casa, Jonas e Maria do Carmo. Assim caso tenham uma filha, Maria Cecília e Saulo têm o desejo de batizá-la com o nome de uma índia chamada Jupiara, ser espiritual que detalharemos mais adiante. E, segundo Saulo, caso venham a ter um segundo filho, pensa talvez em dar o nome de Daron a ele, em homenagem ao Comandante Estelar da Igreja Flor de Luz.

Dessa forma, para Saulo, também é um dever dele preservar o simbolismo e originalidade da casa, do Céu de Midam, através de seus Guardiões : Apoena, Jupiara e o Comandante Daron, esta tríade de seres de luz.

Jupiara - É outra Guardiã Espiritual cuja presença é sentida pelos daimistas no Céu de

Midam. Trata-se de uma índia brasileira, mas que também apresenta vínculos com os Incas, até porque a ayahuasca – palavra quéchua, o vinho ou cipó das almas – é considerada um conhecimento originário deste povo. Nas palavras de Maria do Carmo :

Então tem a Jupiara, que é uma índia que apareceu na nossa egrégora, se firmando, na Igreja Flor de Luz. É uma índia brasileira... Eu não tenho conhecimento total sobre ela, mas ela apareceu para o Padrinho Jonas, e depois também para mim . Nas minhas mirações, ela é muito bonita, muito forte, uma mulher muito simples, tipo uma índia peruana, mas uma índia peruana simples. Então eu vejo, que ela representa a nossa raiz inca (...)

Madrinha Maria do Carmo lembra do ecletismo presente no Santo Daime, em que as entidades vão se apresentando, e podem assumir as mais diferentes formas, mas como no caso

de Jupiara representam uma origem comum : a bebida sagrada - o Daime - veio da ayahuasca que tem ,por sua vez origem mitológica lá no Império Inca.

Comandante Daron e o Comando Estelar – Trata-se de um ser estelar que delineia

a egregóra do Céu de Midam. Nos hinos da Madrinha Maria do Carmo, nas mensagens deixadas pelo Padrinho Jonas, nas mirações dos fiéis – em toda parte podemos perceber a presença da Cosmologia Estelar da Igreja Flor de Luz :

Quando os cientistas afirmam a possibilildade da existência de outros mundos habitados, como esta aí a física quântica a afirmar , quando pensamos na relatividade do espaço e do tempo . . . Matematicamente esta aí, comprovado a existência de outros mundos,outras dimensões. Isto está dito pela Ciência. Agora, na religião esta verdade, da vida em outros mundos, tem o respeito para o que ninguém vá profanar, pois Deus dá uma benevolência para a gente, em forma de religião, para proteger este conhecimento. Guardado, protegido na memória cássica, que é nossa memória divina.

Madrinha Maria do Carmo .

Continuaremos esta discussão sobre o Comandante Daron e o Comando Estelar no capítulo 4 – Comando Estelar. Por enquanto basta frisarmos a importância do Comandante Daron e da Cosmologia Estelar como características essenciais que demarcam as particularidades do panteão de entidades do Céu de Midam.

Água Branca – É a Mentora Espiritual da Madrinha Maria do Carmo. Aparece nas

em suas mirações, tornando-se sua guia, levando a Madrinha para cidades longínquas no tempo e no espaço como veremos a seguir. Vejamos então as características desta Mentora Espiritual :

Água Branca é uma Índia do Astral, é uma índia norte-americana. Eu comecei a perceber que as egrégoras dos índios chegam a ser até uma só. No tempo dela, no tempo de sua tribo, dos Homens Pássaros, eles tinham o poder de – não por mero prazer ou por brincadeira - de fazer a materialização, abrir os portais. A minha guardiã é lá desta época, e é estelar também , dentro desse campo vibratório eu aprendi muito com ela que me

aparecia em miração. Aprendi muito sobre o Daime, porque o Daime é estelar ,é eterno. Eu via esta índia no tempo, cabelos brancos lindos de índio, tinha só uma pena branca na cabeça, os cabelos brilhantes, e mais de mil anos, mas o ser é como se fosse de jovem. Assim é que a gente vê a dimensionalidade de tempo, e como o espírito não morre, não envelhece, é eterno, por isso ela era nova. Ela sempre como entidade ela é nova. Muito lindo, muito bonito, o formato do corpo dela, não é como a gente que vai envelhecendo. A Água Branca é minha guardiã, então ela me ensinou tudo que eu tinha que passar nesse início de doutrina do Santo Daime, de ordem, e eu sou muito obediente a estes comandos superiores. Muitas coisas sobre o Santo Daime eu aprendi através desses campos da miração e graças a Água Branca.

Madrinha Maria do Carmo.

Uma das viagens que Maria do Carmo nunca se esquece, é aquela em que Água Branca a guiou em viagem até o reino de Atlântida, conforme notamos no relato abaixo :

Remonta a muitos anos. Em Atlântida, ela me levou para muitos lugares. Nós estávamos em um ritual. Nesse ritual, eu vi um grande cristal na minha frente, e muitas mulheres ao redor deste cristal. Um cristal grande, mais ou menos um metro de altura, todo ele cheio de pontinhos. As mulheres estavam cantando, todas ao redor do Cristal , formando um círculo. E os homens formavam outro círculo, atrás das mulheres, mas também tomando o cristal como centro. Porém, os homens não cantavam, esta era uma função só das mulheres, os homens só ouviam. É como se os homens fossem guardiões, ficavam só nessa função. Então nesse ritual as pessoas estavam lidando com forças cósmicas. Podiam baixar seres, naves, no momento das materializações, isso dentro desse ritual , que ocorriam estas materializações. E todos estavam vestidos de branco, assim imaculados. Todos de branco, e o cristal também era branco, o cristal é florido, tal como o prisma.

Este ritual em Atlântida, segundo Maria do Carmo, era muito parecido com uma cena que ela havia lido em um livro, sobre a época de Cristo:

Na época , dois ou três dias antes da paixão, havia uma dança que Jesus brincou, e fizeram uma roda e a dança era mais ou menos semelhante ao bailado do Daime. Então a gente é daquele tempo também. A gente é de Atlântida, a gente é do tempo dos Maias, e da época de Cristo também. Dos ciganos. Nós temos todo esse DNA , desses povos,no nosso ser espiritual .

Assim, fica clara mais uma vez a crença espírita nas encarnações passadas, o “Povo do Daime”, já vinha se encontrando em outras eras, em outras vidas, e agora retorna novamente

para tentar construir o chamado Império Juramidam, seguindo os ensinamentos do Santo Daime e os princípios éticos ensinados nos hinos da doutrina.

Voltando à Mentora Espiritual Água Branca, ela mostrou também para Madrinha Maria do Carmo a razão da decadência de Atlântida , a prepotência de Atlântida. Nas palavras da Madrinha :

O que aconteceu em Atlântida é o que está acontecendo agora com a Terra. Que é o que já se falava no hinário dos finados, tem um hino lá que fala “o mar cresce, a terra baixa”,que foi o caso do tsunami na Indonésia e do que está acontecendo com a Terra com o aquecimento global.

Em relação à Água Branca - além de Atlântida - Maria do Carmo recorda que :

Tivemos muita conversa astral, estivemos num quadrante espacial , aqui perto... Bem, perto é modo de falar (risos) Mas sim, é perto, se pensarmos que nas mirações com o Daime viajamos na velociadde dos pensamentos e da luz...

Além de Daron, Apoena, Jupiara e Água Branca – seres de ordem superior que povoam o mundo espiritual do Céu de Midam – específicos da Cosmologia do Flor de Luz, apresento abaixo algumas interpretações sobre outras entidades que fazem parte do panteão de todas as Igrejas do Santo Daime. Veremos que os pontos de vista, ou a maneira como os daimistas do Céu de Midam enxergam tais entidades esclarece-nos sobre as especificidades e a liberdade cosmológica conquistada por esta Igreja.

Sete Estrelas – É um ser das estrelas. Também um ser espiritual. Foi narrado, pela

Sete Estrelas

Eu vi no Sete-Estrelas Um rosto superior Eu digo é com certeza Que a Rainha me mostrou A Rainha me mostrou Para mim reconhecer O nome que tanto se fala E ninguém sabe compreender Ninguém sabe compreender Com amor, com alegria A pessoa de Jesus Cristo Jesus filho de Maria Jesus filho de Maria Desde a hora que nasceu Começou seu sofrimento Até o dia que morreu Ele morreu neste mundo Para nós acreditar Para nós também sofrer Para poder alcançar

Este hino fala de uma entidade, o “Sete Estrelas”, e também o relaciona com Cristo, a Virgem Maria , ou seja, personagens que Mestre Irineu, provavelmente, buscou lá do catolicismo popular. Dentro do que o antropólogo Groisman (1999) denomina como “ecletismo evolutivo” presente no Santo Daime. Mas voltando a falar do Sete Estrelas, nas palavras de Maria do Carmo :

É da parte do Mestre. É um ser divino, de luz, estelar; é por isso que a nossa egrégora teve esta afinidade com o Sete Estrelas, porque o Mestre já deixou aberta esta afinidade. O Sete Estrelas é de Órion, é de um conglomerado de Órion, desta constelação. O Sete Estrelas é Órion. Apesar que eu não fiz um estudo aprofundado disso , é só uma percepção. Nós temos a nossa moleira aberta, lá, onde vive o Sete Estrelas, a moleira deles, do povo de lá, é uma estrela. Até dentro da minha vulgaridade, eu tentei olhar, e esta moleira pareceu uma coroa de abacaxi. Eu senti tantas coisas ruins, uma energia ruim, porque eu levei uma peia por ser curiosa ...

Quando você toma Daime você está contido no Universo, fazendo parte dele. Seu corpo físico está aqui, mas seu mental , seu ser está viajando por outras dimensões, planetas... Tem que ultrapassar a velocidade do tempo,

da luz, de tudo... Você tem aquelas captações, aquelas bidimensionalidades, passado, presente e futuro está tudo ali contido .

Marachimbé – É uma entidade espiritual ligada, simbolicamente, à questão da “peia”

nos trabalhos do Santo Daime54. Marachimbé é um ser responsável pela “correção” daquelas consciências que se desviaram da conduta ética pregada nos hinos daimistas. Vejamos o que a Madrinha Maria do Carmo nos relata sobre esta entidade :

Pode ser ele ou ela. Está indefinido. Pode ser tanto o masculino como o feminino. É uma energia, pode ser num momento de positividade, como num momento de negatividade. É assim que eu entendo Marachimbé. Tem dentro da nossa doutrina alguns irmãos que recebem instruções, lá de cima, e quando recebem é para a gente mesmo. Como é coletivo, eu recebo para mim e para todos. O Marachimbé pela própria expressão da palavra, é raiva , é briga., é disciplina, é atuação, é chamada das grandes, é grosseria, “vou chamar o reio do Marachimbé” e “pá!” . Mas Marachimbé que se apresentou para mim, dentro de toda esta energia que é vertida , tem que firmar na força dele , dela. Toda essa entidade ela tem força, seja positiva ou negativa. Essa energia ela tem força, é um espírito, um ser. Dentro desta turbulência você tem que se firmar nele, em Marachimbé, nele ser mais firme, não titubear, como um soldado, como um ser divino, como um curador, se disciplinar, como uma força que você está gerando ali. Mas o nosso Marachimbé aqui é mais suave.

Dessa forma, dentro do ecletismo presente no Santo Daime e da relativa autonomia de cada Centro Daimista, Maria do Carmo considera que Marachimbé não é de todo negativo, é mais “suave”, como afirma em seu depoimento. Longe de maniqueísmos - daquelas histórias do bem e do mal, do positivo e do negativo, de entidades da esquerda ou da direita - Marachimbé é uma força na qual os soldados da Rainha da Floresta devem nela se firmar, se orientar, para terem a firmeza e força necessárias para vencer as turbulências – as peias – no decorrer dos trabalhos de Daime :

Dentro do próprio trabalho você passa por circunstâncias, é uma grande viagem que você vive ali, o trabalho de Daime é uma travessia, e você está sujeito na corrente a estes percalços, estas peias na viagem. Um minuto ali parace que parece uma eternidade . Dentro daquele minuto é tantas coisas, tantos rios passam pela corrente dentro daquele minuto. A definição em si ela é muito etérica, é preciso vivenciar.

Madrinha Maria do Carmo.

Assim o Céu de Midam vai construindo sua própria cosmologia, convivendo com entidades espirituais consideradas superiores – entre índios e seres estelares – mas , como faz questão de ressaltar Maria do Carmo, sem deixar de lado a Linhagem Crística, sempre presente nos hinos, orações, mirações e na crença dos fiéis daimistas.