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4.2 Relatos sobre a entrada das organizações na Reaf

4.2.4 A entrada das organizações brasileiras na Reaf

No caso brasileiro, as respostas dos entrevistados sobre como chegaram à Reaf dão pistas da maneira como foram sendo construídas as relações que levaram à aceitação do convite para acompanhar a Reaf. As respostas trouxeram também informações também sobre a aproximação desses grupos com a estrutura do Estado, ocorrida – ou, pelo menos, intensificada – depois de 2003, já durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Representantes das três organizações brasileiras de abrangência regional que acompanham a Reaf apontaram que o convite do MDA foi feito em decorrência do contato com a Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia (Aegre), do MDA. Duas delas são organizações de mulheres e a terceira, a Confederação Nacional das Populações Extrativistas (CNS), tem uma Secretaria da Mulher Trabalhadora Rural e Extrativista desde 1995.

O Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) congrega mulheres desse ofício, extrativistas, donas de casa e trabalhadoras rurais de quatro estados brasileiros onde há palmeiras de babaçu: Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí. As quebradeiras de coco reúnem-se desde o início da década de 90 em associações locais. O movimento, criado em 1995, atua pelo controle das áreas de extrativismo – muitas delas objeto de disputa de terras – e da produção, agregando valor aos produtos e visando a competição no mercado43. “Atualmente, buscamos mobilizar representantes de governos Federal, estaduais e municipais para debater alternativas de desenvolvimento para as regiões de babaçuais”, afirmam as quebradeiras de coco em sua página na internet, que aponta financiamento para seus projetos pela União Européia, ActionAid e da Aktionsgemeinschaft Solidarische Welt – ASW e pelos ministérios do Desenvolvimento Agrário e do Meio Ambiente. O MIQCB participa da Rede de Mulheres Trabalhadoras Rurais da América Latina e Caribe (RedeLAC), mas de forma “não tão efetiva” como sua participação na Reaf, conforme informação da assessora técnica do movimento no Tocantins, Sandra Regina Monteiro.

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O contato com o MDA foi descrito pela entrevistada como algo recente e relevante para a estruturação das relações do MIQCB com o governo Federal. O movimento acompanha a Reaf desde 2007 e, de acordo com Sandra Regina Monteiro:

O MIQCB foi convidado a participar via Comitê [do Programa] de Organização Produtiva [de Mulheres Rurais]. A primeira vez que Emília [Rodrigues] veio foi pelo convite do MDA, depois foi decidido na coordenação. Conversamos sobre no que poderíamos contribuir, com a questão organizativa, de comercialização de produtos e formulação de políticas públicas. Emília contou que experiências nos outros países eram mais iniciais. No Brasil, estávamos organizadas informalmente desde o período de democratização. Nos outros países, organizações da sociedade civil não tinham muita inserção nos governos democráticos, municipais, estaduais. Nossa primeira participação nacional foi no Ministério do Meio Ambiente, trabalhávamos com o comitê dedicado às reservas extrativistas, com regularização fundiária do babaçu (entrevista em 02/08/2010).

A secretária executiva do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR- NE), Margarida Pereira da Silva, recorda ter começado a ir às reuniões da Reaf depois de convite à Rede de Mulheres Trabalhadoras Rurais da América Latina e Caribe (RedeLAC), fundada a partir da atividade de lideranças femininas de Pernambuco. A RedeLAC optou por não seguir acompanhando a Reaf, mas o MMTR manteve-se nela. O MMTR é membro da Rede de Mulheres Rurais da América Latina e do Caribe (Rede LAC), tendo sido a secretaria do movimento até 2009.

O MMTR-NE foi criada em 1986, atuando inicialmente nos estados de Pernambuco e Paraíba e, depois, expandindo-se por nove estados. Ele busca estratégias de fortalecimento para a produção e comercialização da produção das mulheres por meio de políticas públicas para o campo que levem em conta as questões de gênero. Desenvolve programas de geração de renda e formação. O movimento tem também contato com financiadores internacionais, tais como Misereor Internacional, Heifer, Intermón/ Oxfam e ActionAid. As relações com o poder público concentram-se no MDA, na Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, em Secretarias Estaduais Especializadas da Mulher e em algumas prefeituras44.

Margarida relata que o MMTR-NE não tinha muito acesso ao governo federal até 2005, quando começou a ir a reuniões, audiências e a conversar com pessoas da administração pública, sobretudo por meio da Assessoria Especial de Gênero, Raça e Etnia (Aegre), do

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As informações são provenientes de textos fornecidos pelo movimento e da página http://volensamerica.org/MMTR-NE,1855.html?lang=es.

MDA, por via da participação em uma campanha de documentação de mulheres rurais, o Programa Nacional de Documentação das Trabalhadoras Rurais (PNDTR). Ela conta também que, após participar da primeira reunião da Reaf, em 2005, houve discussão interna na qual se definiu ser importante estar presente para garantir a discussão de gênero naquele espaço. Conforme afirma Margarida:

Quando cheguei lá, como já tinha um ano de discussão, comecei a ler os documentos e perceber que não tinha nada da questão de gênero. Eram documentos muito masculinos, falando apenas de homens, “os”, “os”. Então, percebemos a ausência de gênero nessa discussão. Foi quando comecei a participar com mais força e solicitar que não só a presença das mulheres era importante na discussão, mas também era importante que nos documentos constasse isso, porque às vezes quem vê só os documentos não enxerga isso, o documento não deixa claro a presença das mulheres. Mesmo a gramática dizendo que usando o “o” as mulheres estão incluídas, para nós não estão (entrevista em 12/05/2010).

Também Milton Santos, o Bahia, da Confederação Nacional das Populações Extrativistas (CNS) recorda que sua organização chegou à Reaf por meio das articulações de mulheres das quais a CNS participa. Desde então, representantes da CNS acompanham as reuniões sistematicamente – estando presentes nas atas das reuniões regionais desde a X Reaf, em 2008. Outra liderança havia participado de reuniões anteriormente, mas sem ter mantido debate interno sobre a atuação na Reaf. De acordo com Milton Santos, o Baia, coordenador estadual da CNS no Pará:

Quando chegamos aqui ficamos bastante perdidos, porque só se falava em suíno, tomate, leite. Nas primeiras reuniões não sabíamos nem do que tratava a Reaf. Chegamos ao ponto de dizer: estamos na reunião errada, no local errado. Mas aos poucos fomos falando da forma de produzir dos extrativistas, e acabamos nos inserindo na Reaf como produtores rurais, como agricultores familiares mesmo, e de forma bastante assídua. Tem uma diferença muito grande na nossa fala, principalmente no nosso modo de produzir, em relação aos produtores tradicionais da agricultura familiar. (...) Começaram também as discussões sobre meio ambiente, mas não relacionadas ao nosso segmento. Nossas primeiras falas foram um diferencial, todo mundo parou para olhar, querendo saber de onde éramos, de qual segmento de produção. Isso acabou nos motivando a ficar na Reaf. O próprio MDA insistiu para que ficássemos, e hoje se fala da reserva extrativista do mesmo modo que se fala do pequeno agricultor, do agricultor familiar (entrevista em 16/10/2010).

Antigo Conselho Nacional dos Seringueiros, a CNS representa trabalhadores agroextrativistas45 organizados em associações, cooperativas e sindicatos, com foco de atuação nos estados da Amazônia. Formado em 1985, o CNS tem larga história de pressão

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São seringueiros, coletores de castanha, açaí, cupuaçu, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais. As informação é da página http://www.extrativismo.org.br/

sobre o governo Federal em busca da criação de reservas extrativistas e, pelo enquadramento ecológico de suas lutas, também criou laços com organizações sindicais e não governamentais, no Brasil e no exterior (ALMEIDA, 2004).

Os três movimentos sociais brasileiros de atuação regional apresentaram maneiras específicas de entender o sentido de sua presença na Reaf, associadas ao campo em que agem: o comércio dos produtos das mulheres, a luta pela inserção da abordagem de gênero nas políticas, a visão extrativista. Entretanto, as falas têm em comum a perspectiva de contribuir com suas experiências para a Reaf. Os movimentos entendem que têm acúmulo sobre os temas para aportar ao debate sobre agricultura familiar no Mercosul e vêem aquele espaço como oportunidade para expandir, à esfera regional, as discussões feitas pelos movimentos. Um segundo tema comum às falas é o da solidariedade com organizações de outros países e que vivem em situação semelhante à dos movimentos brasileiros. Esses dois elementos – que “fluem” entre os dutos que conectam as organizações que acompanham a Reaf – parecem ser ideias que contribuem para manter sua associação à Reaf.

4.2.5 Caminhos para a transnacionalidade: as organizações do Brasil