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Borras Jr, Edelman e Kay (2008, p.180) avaliam que uma das lacunas dos estudos sobre movimentos agrários transnacionais está na falta de observação das conexões entre os níveis internacional, nacionais e locais da ação de tais movimentos. Há, no entanto, farta reflexão sobre o tema na literatura recente sobre a ação coletiva transnacional, sobre a qual é possível apoiar reflexões a respeito de como os atores conectam suas atividades domésticas e internacionais.

A ideia de que grande parte dos ativistas transnacionais são “cosmopolitas enraizados”, isto é, mobilizam-se em torno de temas que estão além das fronteiras dos países e não raro têm como referentes para sua ação instituições internacionais, mas não deixam de atuar nos contextos domésticos (TARROW, 2005, p.35), contém em si referência à capacidade destes ativistas (indivíduos ou grupos, segundo a definição de Tarrow) de manter constante conexão entre estas esferas8.

Grupos organizados da sociedade civil, ao partirem para atuação no espaço transnacional, levam consigo sua história construída em âmbito nacional – seus repertórios de ação, alianças preferenciais, demandas e posicionamentos políticos. Entretanto, com base na análise relacional que desenvolve, von Bülow (2009) avalia que a interação entre sindicatos e deles

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Tais afirmações posicionam a perspectiva aqui apresentada em um debate mais amplo sobre o significado da ação transnacional dos movimentos sociais, afastando-se das ideias cosmopolitas, que tomam como dada e positiva a construção de uma sociedade civil global e avaliam que os Estados nacionais perderiam relevância para a atuação de movimentos sociais (ANHEIER, GLASIUS e KALDOR, 2001). Ao contrário, entende-se, neste trabalho, que a atuação fora das fronteiras dos Estados nacionais precisa ser analisada sem que se percam de vista as ligações com o local e o nacional (TARROW, 2005; VON BÜLOW, 2010), níveis que seguem relevantes para o entendimento da ação dos movimentos sociais.

com outros atores não estatais, como movimentos sociais e ONGs, tem influência nos posicionamentos sindicais e em suas possíveis mudanças de avaliação ao longo dos processos, já que as posturas adotadas não são simplesmente dadas pelas trajetórias e identidades políticas precedentes, mas melhor entendidas pelas interações entre atores

Para entender a ação coletiva transnacional, não é suficiente simplesmente revelar os interesses específicos das organizações sindicais, mas é necessário identificar os mecanismos pelos quais atores conseguem (ou não conseguem) superar suas diferenças e construir propósitos comuns. Algumas divisões entre organizações sindicais são relacionadas a diferentes tradições ideológicas que guiam suas percepções sobre o mundo. No entanto, essas tradições não são ferramentas que fornecem instruções para o seu comportamento. Uma abordagem relacional busca entender melhor as mudanças em crenças prévias que resultam das interações entre atores.

(VON BULOW, 2009, p.2).

Uma das consequências da diversidade entre organizações da sociedade civil que optam pela ação transnacional é que, para construir alianças através de fronteiras, elas precisam dar conta de articular as diferentes origens históricas dos grupos que as compõem; têm o desafio de fazer com que convivam os diferentes pontos de vista políticos e tradições ideológicas e precisam articular as diferentes experiências subnacionais (BORRAS JR, EDELMAN e KAY, 2008, p. 171-172). Acordos entre diferentes organizações são possíveis, mas costumam ser temporários e tensões emergem constantemente, sobretudo quando diferentes formas de ação e visões de mundo entram em conflito (VON BÜLOW, 2010, p. 91).

Movimentos sociais transnacionais (e, pode-se dizer, organizações da sociedade civil em geral) são também desafiados a pensar como coordenar suas demandas internacionais e suas práticas e repertórios de ação locais. Quando conseguem fazê-lo, podem terminar por influenciar uns aos outros, compartilhando (globalizando?) repertórios de ação, visões de mundo, estratégias de atuação nacionais que antes não eram conhecidas.

A percepção das diferenças existentes entre os diversos grupos que atuam no espaço transnacional é importante para o presente trabalho. Tal perspectiva, entretanto, não é nova: ela é explorada por von Bülow (2010) ao abordar a construção da Aliança Social Continental formada para a luta contra a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), reunindo sindicatos, movimentos sociais e ONGs do continente americano. Não apenas os movimentos e organizações são diversos, como também é diversa sua inserção no mundo transnacional e em cada campanha, rede, protesto ou organização internacional da qual participam.

A partir de suas escolhas, alianças, prioridades, posicionamentos políticos, os movimentos traçam “caminhos para a transnacionalidade”, entendidos como “as rotas construídas pelas organizações da sociedade civil para conectar debates e ações atravessando escalas. Podem ser temporárias ou sustentadas, e, contrariando avaliações mais entusiastas, eu defendo que não são unidirecionais: organizações da sociedade civil não crescem ininterruptamente de domésticas a globais” (VON BÜLOW, 2010, p. 6). Elas permanecem com suas raízes locais enquanto entram em saem da ação transnacional, com maior ou menor freqüência.

A autora explica como podem ser tais caminhos, usando como exemplo a atuação das organizações sindicais em suas experiências nas mobilizações contra a Alca:

Entendimentos recentes [de consenso contra a Alca], ainda que importantes, não levaram a uma nova era sem disputas para o internacionalismo sindical. Ao contrário, organizações sindicais podem tomar - e de fato tomaram - diferentes caminhos para a transnacionalidade. Enquanto alguns atores participaram de debates sobre comércio principalmente nas fronteiras domésticas, buscando influenciar instituições e processos nacionais, outros procuraram aliados fora das fronteiras nacionais, fizeram lobby sobre oficiais de outros governos e gastaram recursos escassos na construção de coalizões transnacionais (VON BÜLOW, 2009, p.3)

Nesta perspectiva de caminhos para a transnacionalidade, as trajetórias das organizações da sociedade civil podem variar em termos de duração (tempo) e internalização (escala). Quatro caminhos são apontados, e todos eles consideram tanto a possibilidade de inserção transnacional dos movimentos como a manutenção do foco nacional de sua atuação:

Internalização periódica: “é o caminho usado pelas organizações da sociedade civil quando tentam influenciar decisões internacionais ou debatem temas que perpassam fronteiras, enfocando alvos, estratégias e coalizões domésticas” (VON BÜLOW, 2010, p.26).

Internalização sustentada: “engajamento em ação coletiva transnacional é uma questão de política doméstica, mas sua atuação internacional não é restrita a campanhas específicas. Eles atuam em diversas campanhas, mas gastam a maioria dos seus recursos em construção de coalizões no âmbito doméstico e com alvo em atores domésticos” (Idem, p.26).

Transnacionalização periódica: lembrando o movimento de um io-io, “organizações entram e saem das escalas domésticas e internacionais. (...) Elas mantêm suas raízes nacionais, mas

participam de campanhas, coalizões e eventos intermitentemente, quando eles vêm para frente das agendas políticas” (Idem, p.26). Esse é o caminho mais comum.

Transnacionalização sustentada: “a arena internacional não é vista pelas organizações da sociedade civil como algo intermitente para alcançar objetivos imediatos, mas lugar de ação política em longo prazo. Essas organizações engajam-se na construção de coalizões sustentadas e em esforços para negociar frames transnacionais com aliados de outros países” (Idem, p.27).

Ademais, posições adotadas pelos atores são dinâmicas: eles podem mudar de um caminho para o outro ao longo do tempo, revendo suas avaliações políticas sobre qual é a melhor estratégia de ação. Podem, também, combinar inserções diferentes para atuação em temas distintos (um movimento ambientalista pode optar por transnacionalização periódica em temas ambientais e pode ter participação nacional na campanha contra a Alca, por exemplo).

“As escolhas são impactadas pelas histórias das organizações, mas os caminhos priorizados em determinado ponto no tempo são também o resultado (...) do posicionamento político dinâmico e relacional dos atores” (Idem, p.35). Tal entendimento da ação torna difícil predizer as escolhas dos atores, continua a pesquisadora, mas é possível identificar mecanismos9 relacionais que ajudem a analisar como atores tentam tornar compatíveis seus diferentes caminhos.

Note-se que a ação das organizações é vista como uma escolha e não como uma determinação do ambiente externo. O ato mesmo de ir para o espaço transnacional não está dado pelas mudanças na economia globalizada ou por alguma alteração no cenário político local, mas é uma decisão dos movimentos, que pesam objetivos, identidades, recursos e custos da ação transnacional, tomando em conta suas visões ideológicas, seus aliados, suas filiações às diversas redes – como as partidárias, as coalizões de movimentos nacionais ou internacionais, por exemplo.

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Por mecanismos entende-se “classe delimitada de eventos que mudam relações entre grupos específicos de elementos de maneiras idênticas ou similares em uma variedade de situações” (TILLY, 2001, p.26). Assim, mecanismos como o de extensão, difusão, supressão e transformação podem ser identificados como formas encontradas pelos atores para atuar conjuntamente, apesar das diferenças.

Tal afirmação dialoga criticamente com um conceito central da Teoria do Processo Político, o de oportunidades políticas10, que são “dimensões consistentes – mas não, necessariamente, formais, permanentes ou racionais – da luta política que encorajam as pessoas a se engajar no confronto político. Entendo restrições políticas como fatores – tal como repressão, mas também algo semelhante à capacidade de colocar barreiras sólidas aos insurgentes – que desencorajam o confronto” (TARROW, 2009 [1998], p.38-39). Para este autor, oportunidades políticas são compostas de cinco dimensões: abertura do acesso à participação para novos atores; evidência de realinhamento político no interior do sistema; aparecimento de aliados influentes; divisões emergentes no interior da elite; declínio na capacidade ou vontade de repressão do Estado.

Em 2005, Tarrow utiliza novamente a ideia de oportunidades políticas, que havia sido cunhada tendo como referência a ação coletiva nacional, adaptando-a para situações de ação coletiva transnacional. O autor entende que o internacionalismo “provê uma estrutura de oportunidades e ameaças aos atores não estatais” (TARROW, 2005, p.25) na qual tais atores movem-se, encontram-se, formam coalizões além de fronteiras, agindo em meio a uma “densa estrutura triangular de relações entre Estados, atores não estatais e instituições internacionais” (Idem, p.25).