• Nenhum resultado encontrado

Em decorrência das respostas, e analisando-as a partir dos itens apresentados por Keck e Sikkink (1998), pode-se apontar que por meio da Reaf, os atores conseguem (1) enquadrar debates e colocar temas na agenda. Fazem isso quando contribuem com a consolidação da ideia de que há duas agriculturas distintas – familiar e patronal – nos países do Mercosul.

Por meio das decisões e dos debates travados na Reaf, se (2) encoraja compromissos discursivos de Estados e de outros agentes que promovem políticas ao criar espaços para o diálogo entre organizações da sociedade civil e os governos sobre políticas nacionais e mercosulinas, e também ao facilitar o diálogo entre os governos. A Reunião também (3) causa mudanças procedimentais nos níveis doméstico e internacional e (4) afeta políticas quando possibilita a institucionalização de políticas públicas para agricultura familiar nos países, caminha para a construção de políticas regionais e, ao mesmo tempo, dissemina a ideia de que políticas públicas devem ser construídas com a participação da sociedade civil organizada, modificando, portanto, procedimentos de formulação e avaliação da ação dos Estados.

No que se refere à incidência sobre os governos, Keck e Sikkink afirmam que “parte do que as redes fazem é tentar transformar o entendimento dos Estados sobre seus interesses nacionais, e alterar seus cálculos de custos e benefícios de políticas particulares” (KECK E SIKKINK, 1998, p.203). De fato, este movimento está presente na Reaf no entendimento de

que o conceito de agricultura familiar pode ser inserido em cada um dos países. E também quando a Reaf57 difunde o entendimento de que o grupo de agricultores que organiza sua produção em torno da família deve ser objeto de políticas específicas, ainda que as lideranças das organizações por vezes apontem que as mudanças nos discursos não gerem respostas rápidas nas políticas públicas.

Por fim, as avaliações dos movimentos permitem apontar que a Reaf consegue (5) influenciar mudanças de comportamento nos atores-alvo, isto é, dos países e do bloco regional, quando estes implementam políticas desenhadas a partir da ideia de agricultura familiar ou criam registros de agricultores que, no futuro, poderão subsidiar tais políticas no bloco regional.

Além disso, as interações e trocas que ocorrem entre os diversos atores que participam da Reaf influenciam comportamentos dos próprios movimentos – seja pela via da difusão de ideias sobre a participação, seja pela via da formação das lideranças, seja pela via de debates específicos sobre temas como a inserção da juventude e das mulheres nos movimentos e nas políticas públicas. As organizações da sociedade civil vêm se valendo do espaço de interação propiciado pela Reaf para a formação política de seus membros e lideranças. A inserção nos debates é considerada uma forma de capacitação para debates regionais. Vêm sendo realizadas experiências de formação para juventude e mulheres, por exemplo, que podem contribuir diretamente para ampliar o conhecimento dos militantes sobre a América do Sul, sobre os países vizinhos e suas populações, sobre políticas internacionais para a agricultura, qualificando assim os processos de integração – sejam nos contatos com os governos, seja diretamente na preparação das lideranças para incidir sobre espaços internacionais.

A presença de todos esses cinco elementos, a nosso ver, contribuiu com manutenção da Reaf

57

A Reaf é entendida, aqui, como um ator-rede, isto é, uma ator que se conecta com diversos outros e que consegue modificar o estado das coisas com sua ação. Conforme apontado no Marco Teórico do trabalho, podem ser entendidos como atores-redes indivíduos, grupos, países, pois o que importa não é a figura que o ator tem, mas sua capacidade de se conectar a outros atores, de os influenciar e de ser influenciado por eles. As organizações e indivíduos que compõem a Reaf também são, cada um deles, atores-rede, sem que isso impeça de entender suas atividades e posicionamentos individuais, pois eles estão conectados à Reaf e também a outros atores-rede, com os quais trocam informações, posicionamentos, ideias. Se, por um lado, essa abordagem torna mais complicada a rede de atores que são levados em conta, por outro ela permite facilita o entendimento de que atores de diferentes formas e com diferentes quantidades de conexões interagem, se influenciam, produzem ação. A Reaf não é, está claro, uma coalizão de movimentos, pois é espaço onde as organizações da sociedade civil interagem como os governos. Entretanto, usamos aqui ferramentas de análise movimentos sociais argumentando 1) que a observação, neste trabalho, é sobre a presença das organizações do campo na Reaf; 2)que os governos não são homogêneos e que setores presentes à Reaf, via de regra, vêm sendo aqueles cuja ação se desenvolve em instâncias que atuam com a agricultura familiar, possibilitando interação que, ainda que nem sempre alinhada, favorece um espaço que nõa tem no conflito, nas na cooperação, sua dinâmica principal de funcionamento.

como um espaço que continuou vivo e acompanhado por organizações da sociedade ao longo dos anos.

Em relação aos desafios que Tarrow (2005a) aponta aos movimentos que se organizam para ação transnacional, é possível dizer que, neste caso da Reaf, o desafio de escapar de clivagens, alinhamentos e oportunidades nacionais (TARROW 2005a., p.60) é enfrentado à medida que clivagens nacionais não estão colocadas em contradição com as abordagens regionais: há espaço para as demandas por políticas nacionais e, paralelamente, há demanda por políticas regionais, ambas feitas pelo conjunto de organizações, provenientes dos diversos países. A Reaf parece conseguir agregar organizações de países diferentes, provenientes de culturas políticas distintas, no interior das quais são valorizadas práticas e repertórios de ação diversos, tais como sindicatos brasileiros e organizações gremiais e cooperativas paraguaias, porque construiu uma pauta centrada na difusão do conceito de agricultura familiar nos países do bloco e no próprio Mercosul, um enquadramento que permite superar diferenças e concentrar a atuação, naquele espaço, em temas de consenso.

Na maior parte do tempo, as organizações parecem atuar em torno desse conjunto de demandas comuns, o que permite superar as clivagens nacionais. Isso faz com que estejam mais em evidência a demanda pelas políticas para a agricultura familiar do que os pontos de divergência entre as perspectivas das organizações – que existem, a exemplo das questões das dificuldades nas fronteiras e do debate sobre estrangeirização das terras. Esses debates vêm sendo lentamente enfrentados pela Reaf: não somem da pauta e, portanto, não está presente o mecanismo de supressão, mas também não tem sido temas proeminentes nos debates.