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Reflexões provenientes de um segundo conjunto teórico, a Teoria do Ator-Rede (TAR), são também importantes para as análises realizadas ao longo deste trabalho. Conforme já apontado na introdução, mesmo sem fazer uma análise sistemática de redes, este trabalho utilizará, como ferramenta analítica, a ideia de que os atores estão conectados em redes.

A Teoria do Ator-Rede entende que as diversas conexões entre os atores importam para as escolhas que eles fazem, e propõe que o trabalho central do pesquisador é o de rastrear as associações, isto é, as ligações e relações criadas pelos diversos atores entre si (LATOUR, 2008, p. 237). Depois, a proposta é observar o que flui pelos condutos que ligam os atores, a partir, sobretudo, das informações provenientes dos próprios atores.

De acordo com a TAR, um ator é “qualquer coisa que modifica, com sua incidência, um estado de coisas” (Idem, p.106). Cada ator – independente da figuração13 que assuma, isto é, a despeito de ser um indivíduo, uma organização, um grupo de pessoas, uma bolsa de valores, uma empresa, uma instituição internacional, um país – é visto como um ponto do qual saem

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O termo figuração se refere à forma, à figura, a uma característica daquele que realiza a ação. “(…) a TAR usa a palavra técnica actante, que provém do estudo da literatura. Aqui estão quatro maneiras de dar figuração a um mesmo actante: “O imperialismo busca o unilateralismo”’; “Estados Unidos deseja retirar-se da ONU”; “Bush quer retirar-se da ONU”, “muitos oficiais do exército e duas dezenas de líderes neoconservadores querem retirar- se da ONU”. Certamente implica em grande diferença para o relato que o primeiro seja um traço estrutural, o segundo um corpo coletivo, o terceiro um indivíduo e o quarto um agregado não vinculante de indivíduos, mas todos aportam distintas figurações das mesmas ações. Nenhum dos quatro é mais ou menos ‘realista’, ‘concreto’, ‘abstrato’ ou ‘artificial’ que os outros”. (LATOUR, 2008, p.84). Figuração e ação devem ser tratadas separadamente.

conexões que o ligam a outros atores e pelas quais fluem informações. Quanto mais enlaces, mais ação existe. “São seus muitos vínculos que lhe dão existência [ao ator]: os enlaces vêm primeiro; os atores, depois”. (Idem, p.308). Cada ator é, por isso, um ator-rede: analiticamente, ele tem forma de estrela.

Uma extensa rede de mediadores – definidos como atores que “transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos” (Idem, p.63) – permite a existência de ação no interior dessas redes. O contrário dos mediadores são os intermediários, elementos que “transportam significados ou forças sem transformação” (Idem, ibidem). Nenhum ator ocupa fixamente a posição de mediador ou de intermediário. Eles podem comportar-se como um ou outro, dependendo de como são ativados, de como se relacionam com outros elementos daquela rede. Conforme veremos, sobretudo ao longo do terceiro capítulo deste trabalho, que descreve a formação da Reaf como a formação de uma rede, diversos indivíduos e instituições agem como mediadores na medida em que são importantes para modificar o curso da ação.

Para essa perspectiva teórica, a ação não é, “assunto coerente, controlado, bem definido e com bordas claras” (Idem, p.74). Ação é definida a partir do significado de ator, no sentido usado na profissão de ator, que traz em si as dimensões do real, do falso, do inseguro, de dúvidas sobre o que a compõe. A idéia central é de que a ação não é de autoria de uma única pessoa ou grupo, podendo ser emprestada, sugerida, distribuída; pode igualmente receber influências, ser a tradução de outra ação anterior, ou ser dominada por alguém. Quando se olha o ator como rede e se percebe a quantidade de fontes de influências que ele pode ter, provenientes das mais variadas origens, transportando as mais variadas ideias, tem-se a percepção de quão incerta é a origem de uma ação: “Se diz que um ator é um ator-rede em primeiro lugar para sublinhar que representa a maior fonte de incertezas sobre a origem da ação” (Idem, ibidem).

Atores não são blocos fechados e homogêneos, mas compostos de diversas “camadas” sobrepostas, provenientes de lugares, de relações, de aprendizagens e de relações diversas. Uma ou outra camada é ativada, quando necessária. “Não é necessário imaginar um ser humano ‘completo’, que tem intencionalidade, faz cálculos racionais, se sente responsável por seus pecados ou está em agonia por sua alma mortal. Para obter atores humanos ‘completos’ há que os compor a partir das muitas capas sucessivas, cada uma das quais empiricamente distinta da seguinte” (Idem, p.295).

É possível, então, a partir dessa perspectiva teórica, questionar a visão de que atores agem sempre racionalmente, de forma auto-interessada. E, ao mesmo tempo, é uma perspectiva que entende os atores como indivíduos ou grupos destacando sua capacidade de organizar e explicar o mundo em que vivem e atuam, isto é, com capacidade de construir justificações para suas ações. Tais justificações são sempre embasadas em valores compartilhados pelos atores (THÉVENOT, 2002, p.60). Elas são centrais para o entendimento das atividades de outros atores e para a forma como as pessoas coordenam suas condutas (Idem, p. 55).

Essas ideias coincidem com a visão de ação coletiva adotada neste trabalho sobretudo por compartilharem uma perspectiva relacional (LATOUR, 2008, p.28; EMIRBAYER, 1997, p.281). Tal perspectiva é importante para o entendimento de como os atores fazem escolhas e precisam se esforçar – articular-se, negociar, mudar de ideias, alterar crenças prévias (VON BULOW, 2009, p.2) – para conseguir agir no mundo transnacional.