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A Escola do Leste Europeu: uma abordagem política

CAPÍTULO 1 – PERCURSO TEÓRICO

1.1 A Trajetória da Literatura Comparada

1.1.4 A Escola do Leste Europeu: uma abordagem política

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Não usamos aqui a publicação do texto original em inglês, mas a edição de CARVALHAL, Tânia F. et. COUTINHO, Eduardo (Orgs.). Literatura Comparada: textos fundadores. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. p. 295- 307. Portanto, todas as indicações de número de página bem como as citações são desse compêndio.

Na República Federal Alemã e nas zonas de ocupação que lhe deram origem, a literatura comparada teve duas ramificações, ambas estreitamente ligadas a censuras políticas. A primeira, depois da segunda guerra mundial, apresentou uma série de estudos programáticos e os principais críticos comparatistas alemães, dentre eles Friedrich Hirth (1947), Curtius (1949), Milch (1950) e Höllerer (1951/52), levaram a criação de duas cátedras nos territórios de ocupação francesa. Nesse período, os trabalhos se limitavam à meras descrições de influências de um determinado escritor alemão sobre outro, de preferência francês, como é o caso do livro de Hirth Heinrich Heine und seine französischen Freunde (Heinrich Heine e seus amigos franceses), publicado no Mainz em 1949, cujo título revela um interesse especial pela reconciliação entre franceses e alemães. A segunda vertente dos estudos de literatura comparada na Alemanha surgiu após a recessão econômica que se instalou no país. A partir de um processo de reflexão a respeito dos estudos literários, “chamava-se a atenção para o desenvolvimento de uma perspectiva literária universal” (KAISER, 1980, p. 13).

Entretanto, ainda havia muitas dúvidas a respeito da nova disciplina e muitos nacionalistas exerceram uma forte crítica à literatura comparada instituída. Na segunda metade dos anos sessenta, o que se notava era um estudo comparado seguindo pragmaticamente a linha de uma ciência de textos em defesa do humanismo, ou seja, os estudos foram direcionados pelo lado não marxista abordando “o propósito metódico de compreender e descrever a história da literatura como um processo evolutivo geral, acima do caráter individual das obras, autores e nações” (KAISER, 1980, p. 15). Deve-se deixar claro que os teóricos alemães entendiam a comparação como um estatuto de simultaneidade, onde o método de comparação deveria ser realmente suficiente para a idéia do conhecimento histórico, não descuidando, no entanto, da individualidade e especificidade estética da obra literária.

A construção de princípios básicos de uma investigação comparada marxista orientou- se por duas propostas: ”por um lado, contra a literatura comparada “francesa” e ainda mais contra a “americana” (explicitamente) e, por outro, contra o descrédito das questões comparatistas tais como elas, haviam estado em luta contra o “cosmopolitismo”” (NITRINI, 2000, p. 45).

O fundador dos estudos comparatistas russos foi Veselovski que se distanciou das tendências reducionistas do positivismo, interessando-se pelos estudos das formas e dos gêneros literários. Victor Zhirmunsky, grande comparatista do Leste europeu, retomou alguns aspectos levantados por Veselovski a fim de conceituar a disciplina de Literatura Comparada.

Para ele era indispensável distinguir nas histórias das literaturas as analogias tipológicas e as influências literárias, já que “uma influência literária só se torna possível com a existência de analogias produzidas pela evolução literária e social” (NITRINI, 2000, p. 47).

Através desse breve recorte histórico que teve como proposta mostrar a trajetória das três vertentes da literatura comparada bem como suas concepções acerca da disciplina, nota-se que a vastidão do material e a multiplicidade de problemas em se definir as amarras e os limites do estudo comparativo, não nos permite estabelecer um método ideal ou um modelo de pesquisa. Por isso, nesta dissertação vamos nos ater à teoria de René Welleck, que considera a literatura comparada uma atividade específica capaz de possibilitar uma compreensão mais abrangente das obras em estudo. Englobando, então, a comparação da literatura de um país com outra,

os estudos de literatura comparada não se devem ater a mera descrição de influências. O importante para a literatura comparada é a chamada transmutação das formas, ou seja, as transformações que cada autor ou nação impõe a seus empréstimos (MILANESI, 2000, p. 189).

Nesse sentido, tal comparação não é uma tentativa de estabelecer a precedência do escritor estrangeiro sobre o brasileiro, nem mesmo é feita em termos abrangentes. Ao contrário, ao nos propormos a estudar as personagens femininas nas obras de Machado de Assis e Henry James, esperamos buscar projeções, coincidências, paralelos, contrastes, afinidades, ressonâncias ou mesmo correspondências atentando pelo que há de específico em cada um dos romances. Isso porque, assim como Matthew Arnold, estamos convencidos de que “por toda parte existe conexão, por toda parte há exemplificação: nenhum acontecimento isolado, nenhuma literatura isolada pode ser adequadamente compreendida a não ser em relação a outros acontecimentos, a outras literaturas” (PRAWER, 1994, p. 304). Para nós, assim como afirmou Kaiser,

comparar já não é o processo fundamental de todo o conhecimento, mas antes a tentativa de compreender, através da confrontação complexa e em construções conscientes, o que há de particular em cada obra, assim como a especificidade nacional e nacional-lingüística de uma literatura dentro do contexto geral a que pertencem (...) a comparação continua a ser um método auxiliar secundário ao serviço de um determinado conhecimento histórico

(KAISER, 1980, p. 32).

Além disso, acreditamos haver pontos de contato entre as escritas, a saber: a questão da construção do leitor, ou seja, o estabelecimento de um pacto íntimo entre o narrador e seu interlocutor a partir de uma escrita de memórias; a intensa vontade de recuperar o tempo

perdido, de resgatar o que não mais existe numa ânsia por resolver um conflito interno; a sombra da ambigüidade, impossibilitando a conceituação adequada de uma verdade textual; um tom permanente de solidão, pessimismo e arrependimento; a noção de memória como construção, lacuna e perda; a representação do feminino a partir da idéia do duplo – a mulher como anjo e monstro – e da mulher-símbolo; a percepção da ótica misógina dos autores que fazem vigorar uma imagem socialmente construída das mulheres a partir do modelo falocêntrico; a dominação do masculino sobre o feminino no sentido de querer estabelecer um padrão de conduta moral e social para todas as mulheres a partir de imagens pré-concebidas e tidas como naturais ao gênero. Algumas dessas questões trataremos no item seguinte; as outras virão com as análises de Dom Casmurro e The Turn of the Screw apresentadas no segundo e terceiro capítulos, respectivamente.