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CAPÍTULO 2 – DOM CASMURRO: A AMBIGÜIDADE NARRATIVA NA

2.1 Machado de Assis: breve biografia

Joaquim Maria Machado de Assis, jornalista, contista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo, nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839. Filho do pintor Francisco José de Assis e da lavadeira portuguesa Maria Leopoldina, Machado de Assis teve padrinhos importantes: Maria José de Mendonça Barroso, “viúva do general Bento Pereira Barroso, que fora ministro no Primeiro Reinado e na Regência, e senador do Império, e Joaquim Alberto de Sousa Silveira, dignitário do Paço, comendador da Ordem de Cristo, oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro” (PROENÇA, 1997, p. 5).

Machado de Assis perdeu a mãe e a irmã muito cedo e o pai casou-se com Maria Inês, que o ensinou a ler. Criado no Morro do Livramento continuou seus estudos na escola pública e com a morte do pai, o garoto ajudava a madrasta a vender doces. Sem meios para cursos regulares, estudou como pôde e em 1855 e com 16 anos incompletos publicou seu primeiro trabalho literário, o poema “Ela” no periódico Marmota Fluminense de Paula Brito. O poema foi “o marco inicial de uma carreira que, até 1908, se estenderia por mais de meio século de trabalho paciente, ascendendo, sem parada e sem retorno, rumo à perfeição” (PROENÇA, 1997, p. 6). Embora não tenha obtido grande destaque na poesia, Machado “se lançou no gênero, porque era esse o de maior voga na época, o que reunia os grandes nomes literários”. De fato, foram “poucos os poemas em que atingiu a atmosfera da poesia. O restante é um versejar nem sempre com bons ouvidos ou boas imagens” (PROENÇA, 1997, p. 9).

Em 1958, Machado trabalhou como aprendiz de tipógrafo e revisor no jornal de Paula Brito. Conheceu, então, Manuel Antônio de Almeida, que se torna seu protetor. Em 1859, era revisor e colaborador no Correio Mercantil e, em 1860, a convite de Quintino Bocaiúva, passou a pertencer à redação do Diário do Rio de Janeiro. Anos depois, escreveu regularmente para a revista O Espelho, onde estreou como crítico teatral, para A Semana

Ilustrada (de dezembro de 1860 até julho de 1975) e também para o Jornal das Famílias, no

qual publicou contos.

O primeiro volume de Machado de Assis foi impresso em 1861 na tipografia de Paula Brito, com o título “Queda que as mulheres têm para os tolos”, mas seu nome aparecia apenas como tradutor. Em 1862, era censor teatral, cargo não remunerado, mas que lhe dava acesso livre ao teatro. Nessa época começou a colaborar em O Futuro, órgão dirigido por Faustino Xavier de Novais, irmão de sua futura esposa. Em 1864 saiu seu primeiro livro de poesias,

Diário Oficial. Em 1869, morreu Faustino Xavier e menos de três meses depois, em 12 de novembro, Machado de Assis casou-se com a irmã do amigo, cinco anos mais velha do que ele, Carolina Augusta Xavier de Novais. Foi sua companheira durante 35 anos, tendo-lhe revelado os clássicos portugueses e vários autores de língua inglesa. Além disso, Carolina “deu-lhe um lar harmonioso; concentrou em si a bondade e o carinho da mãe, da madrasta, da madrinha que ele perdera” (PROENÇA, 1997, p. 9).

O primeiro romance de Machado, Ressurreição, apareceu em folhetins em 1872. Pouco depois, o escritor foi nomeado primeiro-oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, iniciando assim a carreira de burocrata que lhe seria até sua morte o principal meio de sobrevivência. Em 1874, começou a publicar em folhetins, no jornal O Globo, de Quintino Bocaiúva, o romance A mão e a luva. Intensificou sua colaboração em jornais e revistas, como O Cruzeiro, A Estação, Revista Brasileira, escrevendo crônicas, contos, poesias e romances que saíam primeiro em folhetins e depois eram publicados em livros.

Em 1888 recebeu a comenda da Ordem da Rosa, no grau de oficial. No ano seguinte, foi nomeado diretor da Diretoria de Comércio; em 1892, já na República, recebeu o cargo de Diretor-Geral da Aviação e em 1898 se tornou diretor da Secretaria da Indústria do Ministério da Viação e, mais tarde, Diretor-Geral de Contabilidade (PROENÇA, 1997, p. 7). Concomitantemente, publicou na Gazeta de Notícias (de 1881 a 1897) as suas melhores crônicas e nesse mesmo ano, 1881, saiu também a obra que daria uma nova direção à sua carreira literária: Memórias Póstumas de Brás Cubas, publicada em folhetins na Revista

Brasileira de março de 1879 até dezembro de 1880.

Em 1882 revelou-se um extraordinário contista em Papéis avulsos e nas várias coletâneas de contos que se seguiram. Grande amigo de José Veríssimo continuou colaborando na Revista Brasileira. Do grupo de intelectuais que se reunia na redação da revista partiu a idéia da criação da Academia Brasileira de Letras, projeto que Machado de Assis apoiou desde o início. Comparecia às reuniões preparatórias e em 1897, quando se instalou na Academia, foi eleito presidente da Instituição, à qual ele se devotou até o fim da vida. “Recebera em sessão solene, dessa mesma Academia, um ramo de carvalho de Tasso, enviado da Itália por Joaquim Nabuco. A honra final não poderia prever: diante do seu ataúde, em nome dos acadêmicos, falaria comovidamente o mais ilustre dos brasileiros vivos, Rui Barbosa” (PROENÇA, 1997, p. 7).

Em 1904, com a morte da esposa que lhe trouxe uma tranqüila felicidade, Machado a imortaliza no seu melhor soneto “À Carolina”. Sozinho, “principalmente depois que nele se

manifestou a epilepsia, seria, talvez, interrompida a linha ascensional que diagramatiza a carreira literária de Machado de Assis” (PROENÇA, 1997, p. 8). Quatro nos mais tarde, em 29 de setembro, morre Machado de Assis na cidade onde nasceu e que nunca abandonou.

Analisando sua carreira intelectual, vemos “que foi admirado e apoiado desde cedo, e que aos cinqüenta anos era considerado o maior escritor do país, objeto de uma reverência e admiração gerais, que nenhum outro romancista ou poeta brasileiro conheceu em vida, antes e depois dele” (CANDIDO, 1995, p. 18).

A obra de Machado abrange, praticamente, todos os gêneros literários, mas é com a prosa que edificou sua glória. “Nela se tornou mestre e modelo, a seguir e imitar” (PROENÇA, 1997, p. 9). De acordo com a biógrafa machadiana Lúcia Miguel Pereira, os três primeiros livros de Machado – Contos Fluminenses, Histórias da Meia-Noite e Ressurreição – não oferecem grande elaboração. Os contos, por exemplo, foram feitos sob encomenda, para a colaboração nos jornais e o romance segue um esquema, “não contém aquele traço de catarse, de confissão, a presença, enfim, do escritor que precisa libertar-se do tema que o empolga de entusiasmo ou de angústia” (PROENÇA, 1997, p. 10). Pouco a pouco, Machado entra na fase das obras-primas, que o tornaram o escritor maior das letras brasileiras e um dos maiores autores da literatura.

Atingiu a condição de instrumento afinadíssimo, capaz de entretons, de sugerir mais que dizer, dominando o leitor, com quem dialoga e discute os estados de alma dos personagens. E a quem transmite o ceticismo, a dúvida, a ironia melancólica das afirmações interrogativas, das perguntas que não pedem resposta (PROENÇA, 1997, p. 10).

Discorreremos a seguir sobre esse estilo refinado, aquele que evoca “as noções de ponta aguda e penetrante, de delicadeza e força juntamente” (CANDIDO, 1995, p. 22), mostrando como se pode percebê-lo no romance Dom Casmurro.