• Nenhum resultado encontrado

A escola pública em Portugal: questões e contributo para um debate

A Escola em Portugal: na encruzilhada do debate sobre a regulação das políticas

1. A escola pública em Portugal: questões e contributo para um debate

0 debate acerca da escola pública, em Portugal, não pode deixar de ser influenciado quer, especificamente, pela discussão acerca dos resultados escolares dos alunos portugueses, quer, concomitantemente e de forma mais genérica, pela discussão transnacional que, sob a égide do pensamento neoliberal e neo- conservador, se tem vindo a travar sobre a problemática da regulação das políticas públicas de educação.

São dois tipos de discussão que se encontram correlacionados entre si, na medida em que é pela valorização do alegado insucesso e abandono escolares dos nossos alunos, que se tem vindo a afirmar a necessidade de implementar medidas de política educativa sujeitas a uma lógica de regulação mercantil.

Os números que expõem e publicitam o estado da educação em Portugal, quando comparado com outros países da OCDE e da União Europeia, constituem indicadores acerca dos quais vale a pena reflectir:

• O abandono escolar precoce, em Portugal, atinge 46% dos jovens - contra 29% em Espanha, 27% em Itália, 7% na Suécia (Ricardo, 2001, pág.12);

• Segundo um inquérito da Eurostat (Inquérito às Forças de Trabalho, de 1997), Portugal apresenta a pior taxa de abandono escolar (definido como percentagem da população total de 18-24 anos de idade que concluíram o 3o ciclo do ensino básico ou menos e

que não frequentam a escola nem acções de formação) - 40,7% - no conjunto dos países actuais da União Europeia; A taxa média de abandono escolar é de 22,5%

e a taxa mais reduzida pertence à República Checa, com 6,8%;

• No ano lectivo 1999/2000, 23% dos alunos que frequentam o 10° ano desistiram antes de acabar o

27

ano ;

• Em 1994, no conjunto dos países da OCDE, Portugal apresenta os índices mais baixos no que respeita à percentagem da população que atinge um nível de formação inferior ao 9o ano de escolaridade (mais de

80% da população tem, no máximo, o 9o ano,

contrastando com os primeiros classificados, os EUA e Alemanha, com apenas pouco mais de 15%) (Teodoro, 2001, págs. 65-67);

• No Terceiro Estudo Internacional sobre Matemática e Ciências (TIMSS), elaborado pela Associação Internacional para a Avaliação do Rendimento Escolar (IEA), em 1995, Portugal fica em último lugar no conjunto dos países europeus, com 37% de respostas correctas no teste de Matemática do 7o ano (o máximo

foi 65%), e, 43% no teste de Matemática do 8o ano (o

máximo foi de 66%). Este trabalho é complementado com o Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes (PISA)28, da OCDE, em 2000. De entre 32

países, os alunos portugueses com 15 anos situam-se em 26° lugar, em domínios como a leitura e a capacidade de interpretação de textos. No nível mais elevado (5) situam-se 4% dos estudantes portugueses com 15 anos, contra uma média de 9% no espaço da OCDE; no nível 4 temos 17% dos nossos jovens contra uma média de 22% da OCDE; no nível 1 temos 17% dos nossos alunos

27 Cf. Jornal Público de 3/3/2002

28 Entretanto, ao olhar para os resultados do PISA 2003, e ao nível da Matemática, fica-se a saber que os

contra a média de 12% no espaço da OCDE; 10% de alunos portugueses com 15 anos, não atingem, sequer, o nível 1 da literacia, contra 6% no espaço da OCDE. No que concerne à Matemática, neste mesmo conjunto de 32 países, Portugal classifica-se em 27° lugar;

• O Io Estudo Nacional sobre literacia, realizado

em 1996 e conduzido por Ana Benavente, conclui que 80% dos portugueses não dominam a escrita29. Neste

trabalho ressalta que a maior parte dos inquiridos, com idades entre os 15 e os 64 anos, se situa no nível 1 (37%) e no nível 2 (32,1%), correspondendo a competências muito limitadas ou bastante simples. Contudo, o resultado mais alarmante, 10,3%, diz respeito ao elevado número de portugueses que se situam no nível 0 (zero), que corresponde à ausência de capacidade para resolver as tarefas propostas (Teodoro, 2001, pág. 69);

• Em 1997, os jovens portugueses com 22 anos de idade que concluem, com sucesso, o ensino secundário, é cerca de 50% (o último lugar), ao passo que a média da União Europeia é de 7 1 %3 0;

• Segundo o Eurostat (1999) e tomando como referência a população entre 25-59 anos que obtém, pelo menos, o ensino secundário completo (no nosso país o 12° ano), Portugal situa-se ainda a 34 pontos percentuais da média da EU, e a quase 60 pontos dos países da EU que apresentam valores mais elevados (Azevedo, 2002, pág.101).

Cf. Jornal Rumos n° 8, 1996, pág.7) Eurostat, Inquérito às Forças de Trabalho.

São números em função dos quais se realizam os diagnósticos mais diversos, os quais tendem a revelar perspectivas distintas acerca do que se entende por oferta de um serviço público de educação e, consequentemente, acerca do que se entende por Escola Pública.

Há autores que tendem a interpretar os números enunciados chamando a atenção para a dimensão estrutural das dificuldades e do atraso que Portugal tem vindo a demonstrar no que ao domínio da educação escolar diz respeito.

Para Teodoro, por exemplo, este atraso estrutural tem razões que se encontram, na situação periférica de Portugal em relação aos países do centro e norte da Europa e na falta de competitividade da economia portuguesa em relação às congéneres europeias. Para este autor, só a partir dos anos sessenta é que Portugal desenvolve um processo empreendedor de desenvolvimento educativo, e, portanto, de combate aquele atraso estrutural. Este processo marca a viragem da economia portuguesa para o espaço europeu, viragem essa que é complementada com a Revolução do 25 de Abril de 1974 e a consequente entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, bem como a participação na primeira fase da união económica e monetária (Teodoro, 2001, pág.420).

Joaquim Azevedo (2002), continuando na mesma linha de pensamento, refere que este atraso estrutural da educação em Portugal se deve mais a uma questão cultural e política e não tanto a uma questão económica (pág. 96). Na sua opinião,

" (...) o desinvestimento de longa duração em

educação e formação, que se inscreveu numa política sociocultural de obscurantismo, cultivada pela ditadura, durante um tempo demasiado longo (...) enquanto (...) a generalidade dos vizinhos europeus aumentava, no

período do pós-guerra, as suas taxas de escolarização "

(pág.97).

No âmbito da tese que tende a valorizar as razões de carácter estrutural para se explicar os problemas com que se debate, hoje, o sistema educativo português, importa ter em conta, também, o atraso da implementação do Estado-Providência em Portugal e as consequências deste facto no domínio da universalização e massificação da Escola Pública.

O Estado-Providência, em Portugal, implanta-se a partir de meados da década de setenta, com a consolidação da democracia.

E um processo que ocorre em contra-ciclo face aos países mais desenvolvidos da Europa, o que inevitavelmente teve os seus custos31. Mas, isso não significa que o Estado-Providência tenha uma

menor intervenção na vida social e política do país. Almerindo Afonso (1998) na esteira de Mozzicafreddo (1994), refere que "o frágil

Estado-Providência existente em Portugal terá mesmo resistido à mudança neoliberal iniciada com os Governos sustentados pelo partido social-democrata (PSD)" (pág. 183).

Para Santos (1993) Portugal é mais um exemplo de uma

"sociedade-providência" (pág.43) do que de um Estado-Providência,

já que nem a segurança social é entendida como um direito,

"continuando em alguns aspectos a considerar que se trata de um favor concedido pelo Estado, tal e qual como se pensava durante o regime autoritário do Estado Novo" (idem, pág.44), nem esse Estado

deixou de apresentar dificuldades como instrumento de protecção social.

r

E Stephen Stoer que, deslocando-se da discussão acerca da natureza do Estado-Providência em Portugal, prefere chamar a

Boaventura Sousa Santos (1993) considera que em Portugal não houve um Estado-Providência. Quando muito houve um "semi-Estado-Providência" ou "quasi-Estado-Providência" (pág.20), defendendo "que o Estado Português não é um Estado-Providência no sentido próprio do termo, embora

em certos aspectos se aproxime dessa forma política", com algumas semelhanças ao modelo nórdico e

atenção para as contradições que atravessam o modo de regulação politico-social proposto por esse Estado.

Para S. Stoer (2001), no:

"auge do fordismo e do Estado de Bem-estar, a escola oficial, pública, obrigatória, encontrava-se articulada com um sistema produtivo que proporcionava emprego a todos. A escola, além da sua função de socialização, desempenhava uma função de selecção que potenciava a inserção de cada indivíduo numa estrutura ocupacional hierarquizada. Sociedade e cultura estavam tão interligadas que a unidade de uma implicava a unidade da outra (Touraine, 1995:14-15). Nestas condições, o Estado actuava como um Estado educador em nome de uma democratização social baseada no princípio da igualdade de oportunidades. O insucesso escolar era combatido através de programas de educação compensatória em que a justiça social seria supostamente garantida pela fiscalização do direito de acesso à escola. As críticas direccionadas a esta escola enfatizam a sua cumplicidade com um sistema económico baseado na desigualdade" (pág.252).

Pode o Estado-Providência, e a Escola Pública que, de algum modo, dele deriva, superar, só por força das medidas de protecção que acciona, as desigualdades que sustentam a vida quotidiana numa sociedade que se alimenta e dinamiza em função dessas desigualdades?

De acordo com esta interrogação os resultados escolares dos alunos portugueses não poderão ser interpretados em função de uma

grelha de leitura excessivamente circunscrita aos alegados disfuncionamentos da escola portuguesa32.

Isto é, os Estados-Providência teriam que ser necessariamente traídos pela relação incongruente que se estabeleceu entre o conjunto de promessas de que eram portadores e a impossibilidade estrutural de as cumprir.

Portugal, com um Estado-Providência frágil e tardiamente implantado, não poderia deixar de ser afectado por este facto, assim como não deixou de ser afectado por uma situação específica que diz respeito, em particular, à dinâmica política que o modo de regulação, próprio do Estado-Providência, em Portugal, permite evidenciar.

É Boaventura de Sousa Santos (1994) que afirma que o Estado-Providência assenta, na teoria e na prática, num forte centralismo, manifestando o Estado enorme incapacidade reguladora (1994, págs.62/63), quando não aplica ou não pune a violação da legislação que esse mesmo Estado promulgou, e promove a adopção de cortes orçamentais para as instituições que intervêm nos domínios social e educativo (Santos, 1993).

Assim, o Estado assume compromissos formais que não respeita, ocorrendo uma discrepância entre a lei escrita e a sua aplicação, entre o direito e a realidade social. Este efeito, transferido para a área educativa, traduz-se na "construção retórica da

educação", de que Portugal é exemplo (Azevedo, 2002, pág.24).

A entrada de Portugal para a União Europeia (1986), marca, segundo Boaventura de Sousa Santos, o início do declínio do «Estado paralelo»33, dando origem a outra orientação estratégica que o

Tal como se afirma no relatório dos resultados do Estudo Internacional PISA 2003, relativo ao desempenho na Matemática, "existe uma associação positiva entre o desempenho dos alunos de cada

país e o rendimento nacional e o gasto por aluno nesse país. Se ajustássemos o desempenho médio de cada país àquele que seria de esperar se as condições sociais e económicas fossem médias, Portugal melhorava substancialmente a sua posição relativamente aos restantes participantes" GAVE, 2004, pág.

69).

33

B. S. Santos (1990, 1993), chama de Estado Paralelo, à contradição interna na actuação de um Estado formal que corre paralelamente ao Estado informal, originada pela sua oscilação entre os grupos sociais mais poderosos e os sectores sociais menos poderosos.

investigador chama de «Estado heterogéneo», e que explicita da seguinte forma:

"Durante este curto período [de 1974 ao início da década de noventa], o Estado português corporativo passou por uma transição para o socialismo, uma regulação fordista e um Estado-Providência, e ainda por uma regulação neoliberal. Visto que as diferentes tentativas de regulação se traduziram em leis, instituições, serviços administrativos e ideologias (ainda que umas mais do que outras) e porque estes criam a sua própria fricção e têm a sua própria inércia, a estrutura do Estado apresenta, em determinado momento, uma composição geológica com diversas camadas, diferentemente sedimentadas, umas antigas, outras recentes, cada qual com a sua lógica própria e respectiva orientação estratégica. É nisto que consiste o Estado heterogéneo" (pág.41).

Regular a heterogeneidade e a descontinuidade da estrutura social, é uma das preocupações do «Estado heterogéneo», e, uma das suas características é a de ser anti-estatal.

É este Estado "heterogéneo", maioritariamente Estado- Providência, com muito Estado "paralelo" e com frágeis indícios de mercado que ainda está marcado por notórios sintomas de crise.

É a lógica anti-estatal que, por sua vez, se revela nos argumentos daqueles que tendem a explicar os atrasos e os problemas do sistema educativo português valorizando, como causa desses atrasos e problemas, quer o gigantismo desse sistema educativo quer o seu centralismo34.

34 Não se infira desta afirmação que estamos perante perspectivas mutuamente exclusivas face à

De facto, uma das características do sistema educativo português tem a ver com a sua dimensão. Na verdade, este sistema gigantesco envolve mais de doze mil escolas, cerca de duzentos mil funcionários, mais de um milhão e trezentos mil alunos, e tem um orçamento que em 2001 era de cerca de 6. 683 milhões de euros35. A

dimensão deste Ministério da Educação é de tal forma grandiosa que a sua gestão racional se afigura muito difícil.

Estamos perante uma máquina gigantesca "muitíssimo

grande, excessivamente grande" (Pinheiro, 1985, pág.10). Porém, "uma máquina com gritantes margens de ineficiência" (Azevedo,

1994, pág.27), arrastando consigo novos problema de governabilidade (Lima, 1998, pág.19) que conduzem, na prática, "a

uma redução da capacidade do Estado para gerir o sistema público de educação" (Afonso, 1999, pág.56).

Esta evidência, que se vem verificando já desde finais da década de sessenta, é salientada pela CRSE (1988) quando atribui o insucesso escolar, designadamente, "ao gigantismo de uma estrutura

que, necessariamente, tende a encarar cada educando como um número, e menos como um indivíduo" (pág.438).

O centralismo é outra das razões à qual se atribui a responsabilidade pelas perturbações de funcionamento do nosso sistema educativo.

Para António Barreto (1995), o centralismo "consiste no

estabelecimento de uma autoridade global, em princípio governamental ou estatal, que regule e presida às actividades de todas as unidades do sistema integrado" (pág.160). Sem embargo de

se poder considerar útil em certos momentos, a verdade é que, actualmente, pouco ou nada de benéfico pode daí advir. Portanto, o autor considera "que a centralização contemporânea, além de históricas e políticas do país impede o reconhecimento do gigantismo e do centralismo como questões problemáticas a enfrentar. Até porque, como veremos, estamos muito longe da assumpção de discursos caracterizados pela sua homogeneidade no que ao argumento do gigantismo e do centralismo do sistema educativo português diz respeito.

razoavelmente inútil, se vem transformando num obstáculo ao desenvolvimento educativo e num prejuízo social" (pág.159).

Também se sabe que uma das características das sociedades semiperiféricas do sistema mundial é a centralidade do Estado na regulação social. Portugal integra-se neste contexto, enquanto outros países foram desenvolvendo políticas de descentralização. Por isso mesmo é que Portugal, desde a reforma Pombalina, ainda na segunda metade do século XVIII, é quase o agente único de escolarização, sem grande pressão das instituições autónomas da sociedade para desenvolver a expansão da rede estatal ou para criarem escolas alternativas. Portanto, herdamos um sistema "fortemente centralizado" em que a administração do sistema escolar ainda está mais centralizada do que o resto da administração pública, sendo as decisões importantes tomadas ao nível do Ministério da Educação (Formosinho, 1984, pág.101).

A Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE) considera que a descentralização é "uma exigência democrática" (pág.30), e, mostra que "está patente a todos a falência do modelo

centralizador, tanto no plano político como no plano da administração" (págs. 29/30).

Segundo Natércio Afonso (1999), a centralização é "uma

tradição que é comum a toda a administração pública portuguesa"

(pág. 54), e que sendo um modelo "gerador de desencanto e de

insatisfação pública face à escola" (pág.63) não envolve a sociedade

civil.

Já para João Formosinho (1984), o centralismo verifica-se em relação ao currículo - na famosa metáfora «currículo uniforme pronto-a-vestir de tamanho único» - e em relação à contratação de pessoal docente e não docente. Assim sendo, "é difícil a renovação

pedagógica a partir das escolas e dos professores num sistema onde predomine a lógica do centralismo burocrático" (pág. 106).

A escola e sua organização têm vindo a complexificar-se cada vez mais, levando a uma multiplicação da burocracia impessoal, uniforme e rígida (Formosinho, 2000), para que o Estado mantenha o controlo sobre a máquina gigantesca da administração. Assim, procurava-se regular o poder discricionário das escolas e dos professores, dado que a sua acção era limitada pelos decretos-leis, por despachos normativos, despachos ou circulares.

Para Licínio Lima (2002), a administração centralizada do nosso sistema de ensino é burocrática uma vez que é "gigantesca,

irracional e incoerente, ineficaz e ineficiente, etc." (pág.37), e

sintetiza o seu pensamento da seguinte forma:

"Uma máquina burocrática e gigantesca que tudo pretende centralizar (nem que para tal seja forçada a desconcentrar), produtora de normativos que tudo contemplam e regulamentam até ao detalhe, uniformizadora e autocrática" (pág.39).

Esta burocracia, geradora de insensatez e alguma irracionalidade, resulta numa pedagogia burocrática, construtora de normas pedagógicas de aplicação universal e impessoal (Formosinho, 1984, pág.101).

Também os vários Ministros da Educação de sucessivos governos têm chegado a conclusões semelhantes, sem que, contudo, se note uma inflexão significativa:

wt que as escolas são quase sufocadas por

circulares perfeitamente anódinas as quais chegam às escolas dizendo 'faça-se assim, faça-se assado', independentemente do tipo de escola" (Pinheiro, 1985,

"O ministério da Educação não pode ser o ministério que emite circulares. Nem o processo educativo se pode reduzir ao mero cumprimento das circulares, dos despachos e das normas" (Carneiro, 1987,

pág.31-R).

"Os ministros passam a vida a receber 'milhões' de despachos diários e não têm tempo para mais nada (...). O que o ministro recebe diariamente é uma caricatura do sistema, o retrato do sistema que a burocracia gera" (Carneiro, 2001, pág.138).

É este centralismo que, de algum modo, explica outro dos problemas com o qual se debate aquele sistema educativo: a sua uniformidade.

É A. Barreto (1995) quem define uniformidade como a:

"Tentativa de homogeneizar métodos e regras, programas e objectivos, tendo em vista proporcionar uma aprendizagem de saberes iguais em toda uma entidade territorial e administrativa, em geral o Estados- Nação, a fim de suscitar comportamentos semelhantes e com o propósito de evitar ou reduzir actuações singulares ou diferentes" (pág.160).

Implícito no conceito de uniformidade está a crença numa pedagogia óptima "que se concretiza num programa óptimo para

todos os professores e alunos, uma duração de aula óptima, um tamanho de classe óptimo, uma estrutura pedagógica da escola óptima, etc." (Formosinho, 1984, pág.103), e que, como diz Barroso

(1999a), obedece ao princípio de "ensinar a muitos como se fosse um só"(pág.l31).

É a este propósito que João Formosinho (1992) fala da uniformidade curricular assente no "currículo pronto-a-vestir de

tamanho único":

"O currículo uniforme é (...) completamente

independente das características dos alunos. É também independente, por maioria de razão, dos interesses, desejos e tendências vocacionais dos alunos e das suas características psicológicas. (...) O currículo uniforme baseia-se numa abstracção - o 'aluno médio' que aprende a "ritmo normal' ensinado por um 'professor médio' numa escola 'medianamente equipada'" (págs.

28/29).

Ainda segundo Formosinho, ao currículo uniforme corresponde uma pedagogia uniforme, ambos obstáculos à pedagogia de sucesso.

Esta mesma homogeneização pedagógica é, segundo Roberto Carneiro (2001) característica da escola portuguesa de uma dada época:

"O nosso modelo de escola privilegia a

homogeneidade - é frequente os professores sonharem com turmas de alunos iguais, provenientes da mesma classe social (...) para poderem todos avançar ao mesmo ritmo - um resquício do modelo fabril e autoritário da escola que gostaria de receber matéria-prima sem alterações, sem impurezas (...) Este modelo não é compatível com a diversidade, nem com uma sociedade cada vez mais diversa" (pág.148)

Também Joaquim Azevedo (2002) considera a uniformidade como uma das grandes limitações do nosso sistema escolar,

prejudicando os alunos e a sua aprendizagem, e, limitando a própria liberdade. A época da produção em série e do livro único já pertence ao passado e constitui um factor importante da degradação da escola e da educação.

É face ao quadro descrito e às leituras que o mesmo suscita que as perspectivas se dividem. De um lado temos os que afirmam a crise de governabilidade e de legitimidade do Estado Educador (Barroso, 1998), como condição necessária à reinvenção da administração e dos modos de organização da Escola Pública. É neste campo que se enquadra Canário (1999) quando defende que: