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A escola como comunidade educativa

A Escola em Portugal: na encruzilhada do debate sobre a regulação das políticas

5. A escola como comunidade educativa

O desenvolvimento da autonomia da escola implica uma atenção redobrada às diversas dimensões da escola, quer na sua organização interna e nas relações entre os diferentes níveis da

Administração, quer no assumir pelo poder local das novas

competências e, ainda, quer pela constituição de parcerias sócio- educativas que garantam a iniciativa e a participação da sociedade civil.

É o Dec. Lei 115-A/98 de 4 de Maio, que consagra a construção da comunidade educativa como uma expressão da autonomia escolar, no sentido de que as escolas desempenhem melhor o serviço público de educação. Neste sentido, "a autonomia

constitui um investimento nas escolas e na qualidade da educação, devendo ser acompanhada, no dia a dia, por uma cultura de responsabilidade partilhada por toda a comunidade educativa"

(Preâmbulo do Dec. Lei 115-A/98).

A autonomia é, pois, o resultado do equilíbrio de forças numa escola entre os diversos detentores de influência. A autonomia da escola pressupõe a autonomia dos seus actores. Ela não se constrói por decreto, pelo contrário, "esta perspectiva retira sentido à

tentativa de encontrar, a partir das chamadas 'escolas eficazes', estruturas e modalidades de gestão que funcionem como padrão da autonomia para todas as escolas" (Barroso, 1996a, pág.186).

Em suma, a autonomia de escola passa pela capacidade da mesma se identificar e, por isso mesmo, de se diferenciar daquilo que a envolve, que seja capaz de se relacionar e interagir com o meio que a envolve. Autonomia não significa independência, mas sim interdependência.

Torna-se, pois, importante, conceptualizar a escola com a dinâmica de interacção entre os diversos agentes e actores na

perspectiva da sociologia da acção organizada. Uma dinâmica marcada por tensões diversas, mas também pela possibilidade de se estabelecerem sinergias várias que nos conduzem a discutir como é que se transita, ou se estamos dispostos a transitar, da reivindicação da autonomia para a afirmação das escolas como comunidades educativas locais.

Segundo M. Agundez (1982), uma comunidade pode ser descrita em função do seguinte conjunto de propriedades:

a) Conjunto de pessoas

Qualquer grupo tem esta característica, mas o que distingue verdadeiramente a comunidade é o facto de as pessoas serem acolhidas e respeitadas não pelo papel que desempenham (aluno, professor, pai, ou outros,), mas pelo valor próprio, como seres únicos e insubstituíveis;

b) Uma rede de relações

Qualquer grupo possui esta característica. Mas, numa comunidade as relações são "face-a-face", de "pessoa a pessoa" e não de "personagem a personagem".

Desta forma, neste tipo de relações, a pessoa está comprometida como um todo, ou seja, colabora-se abertamente, sentem-se e transmitem-se simpatias ou antipatias profundas, gosta-se ou detesta-se. Trata-se de uma relação franca, transparente, em que o sentimento, a espontaneidade e a afectividade predominam;

c) Um clima, um ambiente

Um clima que a nível pessoal, institucional e funcional se traduz em "saber", que produz "simpatia" e "amizade"; em "adesões" e "identificações" que

produzem "solidariedade" entre todos, porque têm algo em comum; em "co-responsabilização", "colaboração", "compromisso";

d) Um interesse/objectivo

Este aspecto comunitário distingue-se do de outras estruturas sociais porque é definido a partir da visão de conjunto, é compartilhado, é desejado em si mesmo; desta forma, produz um comportamento natural espontâneo, que não decorre de imposições e de comunicados. Ao contrário, em qualquer outra organização, o interesse é particularizado, estruturando- se regras que se impõem ou aceitam condicionalmente;

e) Uma tarefa compartilhada

Os objectivos e as actividades exigem a participação de todos, pois há sempre muita tarefa a realizar em comum na definição de objectivos intermédios. Apesar de ser uma condição necessário, a participação não é uma condição suficiente.

Contudo, M. Agundez (1982) faz duas advertências:

Ia - A comunidade é um bem em si mesmo, é um

fim e não um meio;

2a - Na realidade, a comunidade é uma utopia

com duas verdades: marca uma direcção e gera um dinamismo. Desta forma, a comunidade é algo a fazer- se, sempre a construir-se.

Para Costa (1996), comunidades nsão colecções de indivíduos

conjunto de ideias e ideais partilhados" (pág.67). E, ainda para este

autor, a relação que se estabelece entre pessoas tem potencialidades importantes:

"Esta ligação e união é suficientemente forte para os transformar (os indivíduos) de uma colecção de eus em um nós colectivo. Como um nós, os membros são uma parte de uma malha de relações significantes fortemente tecida. Este nós, partilha geralmente um lugar comum e, com o passar do tempo, transforma-se em sentimentos e tradições comuns e partilhados que são o seu sustentáculo" (pág.67).

Para António de Sousa Fernandes (1991), quando se fala de comunidade "faz-se referência a um grupo em pequena escala,

caracterizado por relações de cara a cara, composto por elementos que têm um sentimento forte de pertencerem ao grupo e acatam as suas tradições". Ligado a estas características, está subjacente um

conjunto de valores, objectivos e interesses comuns (pág.234). Para Sousa Fernandes, "comunidade" diferencia-se de "sociedade" por esta ser uma colectividade mais vasta, impessoal, urbana, individualista, industrial, e a associação ser um grupo artificial orientado apenas para certos interesses comuns (por exemplo uma sociedade comercial), (pág.234).

Por fim, interpretemos o significado etimológico da palavra

comunidade para a civilização cristã. Nas primeiras comunidades

cristãs, comungavam-se os mesmos ideais, partilhava-se a palavra, o

pão, os bens e "todos (...) viviam unidos e possuíam tudo em comum (...) como se tivessem uma alma só" (Act. 2, págs.44/46, cit.

Herculano Alves, 1998, pág.1780). Este autor, biblista e teólogo, afirma que as primeiras componentes da vida destas comunidades são o ensino (dos apóstolos) e a união fraterna. O espaço dessa

realização comunitária é o culto, na igreja, do qual fazem parte a

fracção do pão (Eucaristia) e as orações (pág.1780).

Se quisermos transportar esta noção para as nossas escolas- comunidade temos: a aula é o culto, a escola, a igreja; nela, o professor (apóstolo) ensina, com o seu testemunho e saber, o aluno, qual catecúmeno a aprender os conteúdos programáticos (orações) de um programa de vida (Bíblia); ao mesmo tempo, é promovida a união entre todos, assim como a partilha (fracção de pão) dos saberes, dos sentimentos, dos valores, de forma a ajudar os discípulos a crescer em estatura, graça e sabedoria, ou seja, a desenvolverem uma educação integral.

Desta forma, o conceito de escola tem-se alterado muito nos últimos anos. Ainda recentemente a escola era considerada como um local fechado em si mesmo, sem contacto com o mundo. A comunidade estava completamente afastada da vida interna da escola e esta, por sua vez, não tinha interesse ou necessidade de relação ou interacção com a comunidade envolvente. Esta escola mal aceitava a confrontação com o que acontecia fora dela. Assim, encerramento e separação constituem-se como alguns dos princípios gerais que desta escola emergiam. A escola era uma organização burocrática que cumpria as normas da Administração Central, constituindo-se num modelo de organização burocrático no qual se educava para avaliar, relacionar, e, principalmente, classificar. Era uma escola pouco vivenciada, apenas frequentada.

Este conceito de escola tradicional, fechada, limitada aos espaços lectivos, que visavam a formação e reprodução de elites, contrasta com o conceito muito mais abrangente de comunidade educativa, que defendemos, constituída por alunos, professores, pais e/ou encarregados de educação, funcionários, representantes dos interesses associativos e comunitários.

As alterações da sociedade e a emergência das Ciências da Educação, produziram uma nova forma de encarar o acto educativo,

e a escola passou a ter uma nova função e novos papeis na educação dos jovens. Agora a escolarização implica uma educação plena, global e interdisciplinar. A função principal da escola é formar cidadãos com vista a um perfil, nas dimensões pessoal, social, cultural. Procura uma educação para a cidadania, para o saber fazer, saber estar, e, principalmente, para o saber ser. Procura-se o desenvolvimento pessoal e social do indivíduo como finalidade primordial da escola.

Por conseguinte, trata-se de uma proposta de maior valorização física, intelectual e psíquica do Homem, como elemento central e essencial da sociedade. Procura-se que ele seja o autor do seu próprio projecto e percurso, numa comunidade de valores idênticos, onde todos possam "crescer".

Surge, portanto, a escola num contexto de comunidade educativa, com uma nova dimensão organizacional.

A escola como comunidade educativa "oscila, na sua origem,

entre as relações humanas e a democracia, pretendendo-se apresentar-se, actualmente, como uma síntese das duas" (Cotovio,

2004, pág.323). Esta definição humanista de escola baseia-se na "teoria das relações humanas" de Elton Mayo, como uma reacção à "abordagem clássica da teoria da administração" de Taylor e Fayol.

Também, para Dewey, citado (Costa, 1996, pág.63) a escola é vista como uma "comunidade de vida", desenvolvendo um modelo democrático de funcionamento, que valoriza a participação conjunta de educandos e educadores. Desta forma Dewey apresenta-nos uma concepção de educação como uma experiência democrática e uma "escola para a cidadania".

Ainda para Sarmento & Ferreira (1999a),

"A ideia de 'comunidade educativa' é filha da crise do modo de funcionamento e controlo dos sistemas educativos, e, mais especificamente, do modelo organizacional de escola que o Iluminismo veio a

conceber e construir, enquanto modelo público, no fim do século XVIII, (...) permanecendo quase intacto até aos nossos dias" (pág.94).

O conceito de "comunidade educativa" tem-se vulgarizado, não existindo uma definição precisa e única. Apesar de tudo, optamos por anotar alguns autores que definem este modelo organizacional de escola.

Para Lorenzo Delgado (1985), citado por Costa (1996):

"Falar de comunidade educativa é conceber a escola como lugar de encontro de professores pais e alunos com o objectivo de realizar uma educação que se caracterize pela comunicação, pela participação e pelo respeito da singularidade de cada pessoa e de cada grupo" (pág.66).

Por sua vez, Munoz e Ramon (1989) citado por Costa (1996), apresenta três princípios inerentes à pessoa humana, específicos da escola como comunidade educativa - a singularidade, a autonomia e a abertura - que, por sua vez, se expressam num conjunto de princípios metodológicos de organização da escola, nomeadamente: organização participada; participação da família e da comunidade; definição e classificação de objectivos; instrumentos técnicos ao serviço da educação; prioridade à actividade do aluno sobre a do professor; agrupamento flexível de alunos; actuação de equipas docentes; planificação das actividades de orientação; diagnóstico e prognóstico escolar; avaliação contínua; autoavaliação por parte dos alunos (Martinez, 1974, citado por Costa, 1996, pág.65).

Costa (1996) citando Juan Moreno (1978), aproximando as concepções de educação personalizada e da escola-comunidade

educativa, realça as vantagens da escola como comunidade educativa democrática:

" ...reconhecimento da dignidade e igualdade da

pessoa humana como pontos de partida condicionantes de toda a acção; aceitação de um projecto educativo comum polarizador de esforços pessoais de todos os elementos da comunidade; participação dedicada dos quatro co-gestores da escola (professores, alunos, pais e sociedade) na elaboração e realização do projecto educativo comum; desenvolvimento e manutenção de um clima de relações humanas afectivas através da participação efectiva na tomada de decisões, da responsabilização e da consecução de uma verdadeira e autêntica comunicação organizacional (Costa, 1996,

págs. 65/66).

Para José Fernandes (1999), a escola comunidade é "uma

espécie de apartamento com três assoalhadas em construção contínua" (págs. 27/48): uma comunidade de aprendizagem (porque

todos investigam), comunidade de liderança (porque aprendem a liderar juntos) e comunidade de cidadania (porque o aluno se transforma em cidadão "inteligente", "pensante", "cooperativo", "profissional" (págs. 27/48). Assim, para este autor, a escola- comunidade dá articulação e significado aos currículos, adopta metodologias activas e construtivistas, privilegia metodologias cooperativas, ensina a pensar, é educativa a tempo inteiro e, finalmente, é preventiva (págs.51/56).

Segundo Ferdinand Tõnnies citado por Fernandes (1999), existem três formas de comunidade: de família, de lugar e de ideias. E a escola integra estas três dimensões evoluindo progressivamente

para uma "Comunidade de memória". E a memória de uma comunidade torna-se cultura, "cultura de comunidade" (pág.18).

Já para M. Jacinto Sarmento & F. Ilídio Ferreira (1999a), "Comunidade Educativa" é:

"uma organização/instituição educativa dotada de autonomia relativa que procura estabelecer entre os seus membros um sistema de interacções assente na partilha de valores e objectivos, construindo assim uma base de comunicação intersubjectiva" (pág.91).

Trata-se de uma leitura que se encontra na transição entre as perspectivas entusiasmantes que temos vindo a citar, e, as perspectivas cautelosas que tendem a promover um olhar mais crítico e exigente acerca do conceito de comunidade educativa.

Para Licínio C. Lima e Almerindo J. Afonso (2002, pág.32), a

«"comunidade educativa" é uma construção teórica e normativa, um ideal de democratização e de participação emancipatória ou, pelo contrário, uma construção manipulante na base de uma participação meramente funcional».

Não se recusa a comunidade educativa como expressão da escola democrática41, apenas se reconhece que as definições

coexistem com as indefinições.

Para Sarmento & Ferreira (1999a), referindo-se a Ian Martin (1987) «"comunidade educativa" é uma expressão ambígua quando

não mesmo ambivalente, tendendo a degenerar numa fórmula

Licínio Lima (1992) define escola democrática da seguinte maneira: "A escola democrática configura-

se como uma escola única, rejeita todas as formas de segregação social (sexo, raça, religião, etc.) e todos os privilégios de raça, de nascimento, de cultura, etc., admite e favorece a diversidade; condena a alienação e promove a solidariedade; procura institucionalizar novas formas de organização da escola, democratizar as suas estruturas de poder e órgãos de governo" (pág.141).

universalizante de realidades bem distintas» (p.96). Por esta razão

estes autores preferem utilizar a expressão no plural, ou seja, "comunidades educativas", distinguindo-se pelo tipo de interacção que se estabelece entre os seus membros:

"A pluralização do conceito de comunidades educativas decorre, portanto, da ideia de interacção como núcleo a partir do qual se podem definir relações do tipo comunitário. É exactamente a consideração das comunidades educativas pelo tipo de relações e interacções que se estabelecem entre os membros, definidoras de uma consciência de "nós" em contextos educativos, que permite pluralizar as formas e delinear contornos da sua realização" (Sarmento & Ferreira,

1999b, pág.139).

Ainda na esteira de M. Jacinto Sarmento & Ferreira (1999a), as comunidades educativas podem ser auto-centradas ou alargadas. As comunidades auto-centradas caracterizam-se por definirem fronteiras relativamente rígidas e estáveis, orientando-se pela construção no seu interior de interacções satisfatórias para os seus membros em função do elemento potenciador dessas interacções, do seu fundamento constitutivo ou das finalidades que a si próprio se atribuem. As comunidades educativas alargadas "procuram esbater

as fronteiras, visando o alagamento dos princípios constitutivos da comunidade ao seu contexto, onde aliás de fundamentam" (pág.104).

É neste espaço, marcado pela utilização polissémica do termo, que a comunidade educativa pode ser analisada sob a perspectiva neoliberal. Assim, escrevem Sarmento & Ferreira (1999b):

"Politicamente, o conceito é ambivalente, permitindo uma interpretação neo-liberal, que prescreve

as comunidades educativas enquanto expediente retórico relegitimador da educação escolar em crise, através do apelo à participação dos actores sociais, ao mesmo tempo que são favorecidas formas mais subtis e complexas de controlo social, ou, ao invés, dando origem à concepção contra-hegemónica das comunidades educativas enquanto espaço de realização de um ideal de autonomia e de construção da democracia participativa. A ambiguidade semântica e a ambivalência política podem ser considerados não propriamente como uma fragilidade do conceito, mas como uma marca, por um lado, da pluralização teórica e paradigmática que hoje caracteriza as ciências sociais e que afecta os constructos, e, por outro lado, como a resultante da complexidade dos processos políticos modernos, onde a retórica e a fluidez dos argumentos tendem a tornar os conceitos, se não indistintos, pelo menos permeáveis às diferentes perspectivas e ideologias" (pág.154).

Nesta vertente, Carlos Estêvão (1998a), baseando-se em J. Totschild-Whitt (1979), fala-nos de "organizações democráticas- colectivistas", geralmente de cunho cooperativo, onde existe uma propensão para o consenso pela negociação, uma divisão mínima do trabalho e a estratificação igualitária de acordo com o ideal da comunidade, uma valorização das virtudes da solidariedade, da intimidade e de outras de carácter normativo e possuindo um número mínimo de regras formalizadas (pág.193). Ainda Carlos Estêvão (1998a), agora reportando-se a T. Bush (1995), apresenta um outro modelo comunitário - o modelo "colegial" - caracterizado "como

possuindo uma forte orientação normativa baseada no acordo e pressupondo que todos os membros concordam com os objectivos organizacionais em virtude de comungarem dos mesmos valores e de

participarem na definição desses mesmos objectivos" (pág.193). A

estrutura organizacional definir-se-ia como objectiva mas não hierárquica, dando-se pouca importância às estruturas e a outros aspectos formais. O estilo de liderança seria influenciado pela natureza colegial dos processos de tomada de decisão, apresentando- se o líder como "um entre iguais" (pág.193).

Nesta conformidade, as instituições escolares têm de converter-se em espaços educativos que promovam a cultura na comunidade em que estão inseridos, ser os centros de aprendizagem do bairro ou da aldeia, nos quais participem todos, sejam jovens ou adultos, em actividades de educação e dinamização cultural.

Como assinala Martin Carnoy (2001, pág.181) citado por Jurjo Torres Santomé (2003):

"As instituições educativas locais - desde as escolas primárias e secundárias até às faculdades e universidades locais - são os lugares lógicos em torno dos quais o Estado pode construir redes de aprendizagem abertas todos os dias, todo o ano e para todas as idades às quais podem ligar-se as famílias, trabalhem os pais por conta alheia ou por conta própria" (pág.53).

Actualmente, as escolas começam a assumir outras funções, para além da educação formal, o que significa que a escola se sente compelida a estabelecer outras relações com a comunidade envolvente, podendo iniciar-se, assim, um outro processo de construção de sinergias e de partilha de projectos comuns.

A cultura de comunidade foi promovida por pessoas com grande sentido de solidariedade, que sonhavam com projectos de sociedade, realizáveis em coordenação e cooperação com os demais vizinhos. Nestes momentos, o pensamento neoliberal está a esforçar- se por romper com aqueles ideais de transformação, tentando "remar

contra a maré" e tentando mostrar que aquele ideal de sociedade já não é possível de concretizar. A esquerda política desalentou-se com a derrocada do modelo comunista, enquanto a direita mais conservadora, pela mão dos movimentos religiosos mais fundamentalistas, está a conseguir dotar de algum projecto comunitário, colectivos que não tinham outra saída que não fosse a resignação.

De qualquer forma, a direita tem empurrado camadas da população a procurar respostas de esquerda para os seus problemas, como é o caso, do "Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra" (MST) no Brasil, os grupos anti-globalização, ecologistas, feministas, etc. que se vão tornando cada vez mais visíveis. Talvez se possa dizer que começa a ocorrer uma transformação do sentido de comunidade, com modalidades de associação diferentes das mais tradicionais (partidos políticos e sindicatos), que são socialmente mais eficazes, que facilitam uma maior coesão social, menos burocratizadas e profissionalizadas.

Apesar dos muitos significados do conceito de comunidade educativa, acreditamos, com Boaventura Sousa Santos (1994), nas potencialidades do modelo comunitário na construção de novos espaços vivenciais, com mais qualidade de vida pessoal e colectiva, num contexto de autonomia e descentralização (págs. 226/227).

Em Portugal a Lei de Bases do Sistema Educativo de 1986, fala de uma escola inserida no meio comunitário e aberta à participação das populações, "em que se integram todos os

intervenientes no processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias" (art. 3o). É assim que se promove a imagem

de uma escola como comunidade educativa e o léxico educacional começa a integrar conceitos como "descentralização", "participação", "gestão", "autonomia", etc.

Mais tarde, o D.L. n° 115/A/98, de 4 de Maio, implementa a nova organização escolar, considerada mais democrática, mais aberta e com mais "autonomia".

Trata-se de um movimento de reconceptualização relativo às relações a estabelecer entre a Escola e a Comunidade envolvente que, como refere Canário (1992), as relações interactivas entre a escola e a comunidade resultam da crítica à gestão centralizada e a emergência de uma nova forma de encarar as escolas como organizações que desempenham um papel de mediação entre macro- sistema e as práticas pedagógicas; também resulta de reconhecer que as escolas têm uma entidade própria e com alguma autonomia; e, por fim, decorre da crítica às perspectivas sociológicas deterministas que procuram explicar os fenómenos que ocorrem nas escolas por meio de variáveis macro-sociais.

Ainda se pode usar outras imagens organizacionais da escola, como por exemplo, a comunidade educativa como burocracia, e, a comunidade educativa como "arena" política. A este respeito, Carlos Estêvão (1998a), escreve:

">4 proposta de 'comunidade educativa' (...) parece

incapaz de dar conta de todo o dinamismo, ambiguidade