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A autonomia da escola pública face ao Estado: Contributo para uma reflexão

A Escola em Portugal: na encruzilhada do debate sobre a regulação das políticas

4. A autonomia da escola pública face ao Estado: Contributo para uma reflexão

É, em larga medida, a partir da reflexão sobre a autonomia administrativa e pedagógica da Escola Pública, que se tem vindo a travar a discussão sobre as possibilidades dessa escola prestar um serviço público, porque liberta da tutela de um Estado centralizador ou dos empreendimentos que a sujeitam a uma lógica mercantil.

Na actualidade a autonomia tem-se tornado num dos temas mais significativos nas escolas.

Não sendo a autonomia, como afirma Estêvão (1998d), de per

si "portadora de dons salvíficos" e sendo necessário reconhecer num

tal empreendimento vários riscos, como a sua utilização corporativa ou a possibilidade de descomprometimento dos poderes políticos39,

importa reconhecer o desejo que o desígnio da autonomia administrativa e pedagógica pressupõe.

Nesta conformidade, Carlos Estêvão (1998d) é de opinião de que:

"...a construção da autonomia apresenta-se (...) como uma condição e uma oportunidade para as escolas vincarem a sua identidade e a sua diferença, propiciando simultaneamente, e entre outros aspectos, um outro tipo de práticas relacionais e educativas, uma maior afirmação do sector privado do ensino, uma menor sujeição à 'tecnologia da obediência' controlada pelo Estado centralista ou mesmo por um "Estado local"

(pág.33).

Licínio Lima (1995) refere-se a isto como "autonomia de delegação política" - uma autonomia relativa que empurra para as escolas a gestão dos conflitos, principalmente em períodos de crise ou de contestação (págs.68/69).

Por seu turno, António Nóvoa (1992) apresenta as características organizacionais que são mais importantes para a análise da eficácia das escolas, servindo-se de investigações com

"bases de consenso bastante alargadas" (pág.26). Na lista que indica,

a autonomia aparece em primeiro lugar numa série de nove características determinantes:

"/A autonomia é um dos princípios centrais das

políticas educativas dos anos 90. Trata-se dotar as escolas com os meios para responderem de forma útil e atempada aos desafios quotidianos. A autonomia implica, por um lado, a responsabilização dos actores sociais e profissionais e, por outro, a preocupação de aproximar o centro de decisão da realidade escolar (Brown, 1990). A autonomia é também importante para a criação de uma identidade da escola, de um ethos específico e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos actores e a elaboração de um projecto próprio" (Nóvoa, 1992,

pág.26).

para:

Já para Jorge Adelino Costa (1991) a autonomia contribui

" ...a qualificação do ensino e eficácia escolar, já

que se trata de um instrumento que procura dar coerência e unidade ao processo educativo através da orientação e vinculação das actividades e procedimentos escolares a um conjunto de princípios e objectivos comunitariamente definidos" (pág.65).

Desta forma, e mantendo a noção de que a autonomia é um instrumento, e não um fim, ao serviço do desenvolvimento de uma educação de melhor qualidade, João Barroso afirma (1996c):

"A autonomia das escolas não constitui, portanto, um fim em si mesmo, mas um meio de a escola realizar em melhores condições as suas finalidades que são, como se sabe, mas convém lembrar, a formação das crianças e jovens que frequentam as nossas escolas"

(pág.177).

No debate acerca da autonomia administrativa e pedagógica das escolas, é importante reconhecer, num primeiro momento, o papel que se tem vindo a atribuir ao Estado na gestão da Escola Pública.

É pertinente reflectir sobre algumas formas de concretização da autonomia da escola, permitindo perceber quais os princípios teóricos, ideológicos ou políticos que estão na base de uma determinada visão da autonomia escolar.

A reivindicação da autonomia pedagógica das escolas, importa compreender, não pode ser entendido, de imediato, como uma reivindicação tendente a promover uma lógica de regulação comunitária.

Em diversos países de língua inglesa, tem-se assistido ao reforço da autonomia das escolas, tendo este movimento sido designado por school based management40. Como o próprio nome

indica, trata-se de um movimento descentralizador, dando à escola autonomia para a sua gestão.

Apesar de em cada um destes países a aplicação do SBM ter assumido diferentes formas de transferência de poderes para as escolas, em todos eles ele implicou um aumento do poder de decisão

na escola a nível financeiro, curricular e gestão de recursos. Assim, o poder de decisão passa a ser partilhado ao nível de órgãos constituídos pelos diversos actores que participam, de diferentes modos, na vida das escolas.

Esta descentralização tem como finalidade incrementar a prestação de contas, o acesso local ao conhecimento, centrar o processo de mudança na própria escola, mas, também implica um governo partilhado e uma colaboração ao nível das decisões na escola.

Segundo L. Philips (1997), a implementação do SBM promove o sucesso académico dos alunos, incrementa a prestação de contas, aumenta o poder, e, oferece a capacidade de a escola ser capaz de gerir politicamente os diversos interesses dos diversos actores da mesma.

Já Barroso (1996a) afirma que o "SBM implica a

descentralização e desburocratização dos processos de controlo; a partilha de decisões no interior da escola; o aumento da influência dos pais no processo de tomada de decisões na escola" (pág.173).

Também Wohlstetter e Mohrman (1996) referem que esta descentralização deve envolver quatro vertentes:

1 - Poder: significa a capacidade de "tomar decisões

que influenciam as práticas, as políticas e as direcções organizacionais" ( pá g. 3 3 ) ;

2 - Conhecimento: a dimensão conhecimento permite aos diversos membros da escola perceberem e contribuírem para os resultados da mesma, e, "inclui

conhecimento técnico para realizar o trabalho ou proporcionar o serviço, capacidades interpessoais, e conhecimentos e práticas administrativas" (pág.33);

3 - Informação: a dimensão da informação refere-se ao conhecimento que os membros têm acerca da

performance da organização, e à "informação estratégica acerca de políticas mais amplas e sobre o ambiente económico" (pág.33);

4 - Recompensa: A vertente recompensa baseia-se nos resultados da organização e nas contribuições dos seus membros para esses mesmos resultados. Esta contribuição dos membros é favorecida através da recompensa do trabalho desenvolvido, ajudando a uma participação mais efectiva desses mesmos membros da organização escolar.

Para Wohlstetter e Mohrman (1996), sendo a gestão das escolas complexa, ela deve seguir os modelos aplicados à gestão do sector privado. Para eles, o SBM é o exemplo da aplicação à escola dessas mesmas ideias do sector privado.

Desta forma, Phillips (1997) observa que a "eficácia da

organização é melhorada porque o funcionário, que se relaciona e conhece o cliente, pode alterar o produto ou serviço para atingir as necessidades do cliente" (pág.l). Assim, a prestação de contas é

importante, assumindo-se como uma forma de melhor rentabilizar a gestão da escola, adoptando as regras típicas de mercado.

Não é de estranhar que em alguns casos o SBM preveja a possibilidade de os pais poderem seleccionar livremente as escolas onde desejem colocar os seus filhos, levando-as a uma maior eficiência.

Este modelo insere-se, pois, naquilo a que Barroso (1995b) refere como lógica gestionária, onde o "objectivo é o de aumentar a

'eficácia' e a 'eficiência' da escola reforçando a responsabilidade dos seus órgãos de gestão por uma correcta aplicação dos meios que lhe são distribuídos" (pág.7). Não é pois de estranhar que a aplicação do

SBM tenha estado ligado a políticas neoliberais onde o privado e o mercado são as palavras-chave, como é o caso inglês com a reforma

chamada de Education Reform Act, aplicada em 1988 pelo governo de Margaret Thatcher.

Cunha (1997), refere que esse modelo tem três elementos essenciais: eficiência dos serviços, prestação de contas e autonomia local da decisão.

Já Lima (1995) critica esta perspectiva neoliberal da educação, que acentua os valores da concorrência e competição. Para este autor, a transposição das ideias do sector privado para o serviço público de educação pode ser perniciosa, pois pode conduzir a uma concepção do cidadão como um utente, cliente ou consumidor, e assim não promover a cidadania, a participação e a emancipação do mesmo. Assim, o serviço público de educação deve caminhar noutro sentido diferente da competitividade, do individualismo e do cálculo custo-benefício. Acrescenta a este propósito:

" Leia-se Michael Porter, por exemplo: o que ele

afirma é que há uma educação mais importante do que outra. A mais importante é aquela que suporta a criação de 'vantagens competitivas' na economia. Aquela que não se dedica sobretudo a formar o cidadão mas sobretudo forma uma agência racionalista de cálculo de custo- benefício; é a formação do cidadão da pós-modernidade, individualista e dotado de grande capacidade de cálculo, que constrói a sua própria história de vida ritualizada, de vida de sucesso que exige competição. (...) Eu quero uma escola eficaz, quero uma escola eficiente, quero uma escola de qualidade, mas é através dum padrão de aferição de uma escola democrática com determinados valores, com a recuperação de algumas utopias. Hoje, a falta dessas utopias levou-nos a acreditar neste one best way ideológico do privado, da competição, da concorrência" (pág.17).

Na mesma direcção, Barroso (1995a) alerta para os perigos de se ver a gestão como um fim em si, como um conjunto de princípios que podem ser generalizados, não tendo em conta a especificidade das organizações. O autor refere que a gestão da escola deve ser

"uma gestão adequada às características organizativas de uma escola" (pág.22). A escola é uma organização social onde coabitam

vários agentes, com fins educativos, sendo o seu produto o crescimento dos alunos.

Desta forma, Barroso (1996a) considera que a autonomia da escola deve ser construída e não decretada. A autonomia da escola tem de ter em conta a especificidade da organização escolar, sendo construída pela interacção dos diferentes actores organizacionais em cada escola. A interacção destes actores conduz sempre a que se juntem diferentes interesses que é necessário saber articular. A autonomia é, pois, o resultado do equilíbrio de forças numa escola entre os diversos detentores de influência. A autonomia da escola pressupõe a autonomia dos seus actores. Ela não se constrói por decreto, pelo contrário, "esta perspectiva retira sentido à tentativa de

encontrar, a partir das chamadas 'escolas eficazes', estruturas e modalidades de gestão que funcionem como padrão da autonomia para todas as escolas" (1996a, pág.186).

Enfim, a autonomia de escola passa pela capacidade da mesma se identificar e, por isso mesmo, de se diferenciar daquilo que a envolve, que seja capaz de se relacionar e interagir com o meio que a envolve. Autonomia não significa independência, mas sim interdependência.

Torna-se, pois, importante, conceptualizar a escola com a dinâmica de interacção entre os diversos agentes e actores na perspectiva da sociologia da acção organizada. Assim, a concepção de autonomia de escola tem de ter em conta a diversidade, pois "a

globalmente, mas deve ser adequada às diferentes situações existentes" (Barroso, 1996C, pág.19).

Em suma, a legislação Portuguesa não exclui, pelo contrário admite, a possibilidade das famílias se envolverem no sistema educativo através das Associações de Pais, embora essa participação pareça ocorrer mais como um espírito controlador e não tanto de uma colaboração autêntica (Pedro Silva, 2003).