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7. Resultados e Discussões

7.1 As Categorias de Análise

7.1.4 A Escolarização Inadequada

Figura 11 – Representação gráfica do cruzamento entre os atributos: “surdos” e “familiares” e o conteúdo do nó, Escolarização Inadequada.

O gráfico, acima, demonstra a quarta categoria, que surgiu de forma intensa durante as exposições dos discursos dos participantes surdos e parte da amostra de familiares com a expressão de tristeza e dor. As mães participantes ansiosas falavam de suas peregrinações por escolas em busca da aceitação de seu filho surdo e de um trabalho assertivo que atendesse as necessidades desse aluno e suas demandas, que exigiam um olhar criterioso às suas necessidades pela condição de ser surdo e acreditavam ter escolhido a melhor instituição. A Figura 11 denota a insatisfação maior dos surdos em relação à escola por terem vivido essa dificuldade de uma metodologia massificante provocadora do ensino excludente. Além disso, os relacionamentos com os colegas não eram amistosos e havia rejeição, por conseguinte tendiam a trocar de escola. Como relata uma surda entrevistada: “Na escola, os ouvintes conseguiam aprender e os surdos não. Foi um tempo sofrido”.

Os pais acreditavam está colocando nas melhores escolas, porque eram escolas de ouvinte que se propunham a receber o aluno surdo, mas não tinham a dimensão da dor sentida pelo filho. Como a mãe comenta: “A escola foi a melhor na época. Foi escolhida por nós mesmos dentre as opções e acreditávamos também [tosse] que eles iam aprender a falar”. Essa mãe, em outro momento, complementa: “Ele apanhava pra não falar com LIBRAS na escola, lá só podia a fala”.

Durante o estudo, houve a revelação do despreparo das escolas para atender esses alunos surdos, como assegura Lacerda (citado por Machado, 2006):

Diferentes práticas pedagógicas, envolvendo os alunos surdos, apresentam uma série de limitações, geralmente, levando esses alunos, ao final da escolarização básica, a não serem capazes de desenvolver satisfatoriamente a leitura e a escrita na língua portuguesa e a não terem o domínio adequado dos conteúdos acadêmicos (p. 40).

Nas escolas públicas do Brasil, os professores quase não têm conhecimento de LIBRAS e a quantidade de intérpretes não atende a demanda. Além disso, ficam alocados em poucas instituições, sem oferecer o direito de escolha para o estudante e seus familiares. Por

outro lado, na rede particular de ensino, a inclusão está longe de ser bem executada, pois os professores não têm conhecimento de língua de sinais e a proposta é levar um estagiário de psicologia ou pedagogia como apoio para repetir, de forma mais compreensiva, o que acontece em sala de aula, desse modo enaltecendo a oralização.

Outro despreparo revelado refere-se às atividades mal planejadas pelos professores que não incluem a participação do surdo em todos os momentos. Vale ressaltar que isso não é algo único das escolas brasileiras, como traz Laborit (1993/1994) “aquela escola maternal, com sua classe dita „de integração‟, eu a esqueci. Ou melhor, prefiro esquecê-la. É verdadeiramente integração, todos aqueles garotos sentados em torno de uma professora que lhes contava uma história?” (p. 37). Enquanto a criança surda fica alheia ao que acontece, não participa da história e volta ao seu cinema mudo.

Desse modo, gera-se um atendimento desigual e desrespeitoso com uma inclusão marginal, na qual o aluno é posto às margens enquanto o professor explica e, em outro momento, terá sua aula dada pelo acompanhante ou sequer isso aconteça, por não haver o estagiário. Tudo isso gera mal-estar e segrega veladamente, pois o estudante não se torna copartícipe de sua aprendizagem e constrói-se uma barreira no canal de comunicação professor-aluno que torna o aluno esquecido pelo professor. Além de terceirizar os cuidados para o estagiário e não oferecer interação direta com o aluno, pois a comunicação do aluno torna-se quase exclusiva entre ele e seu estagiário de apoio. Isso quando há este serviço porque, em algumas instituições, enquanto o professor profere os seus cinquenta minutos de aula, o professor reserva poucos minutos para explicar o que foi explicado para todos. Assim, “são grandes as expectativas geradas na sociedade, na família, e por vezes até no próprio surdo sobre as condições da escola em relação a esse processo, e exige-se que ela extrapole seus limites sem ter a estrutura curricular para tanto” (Machado, 2006, p.40).

Na perspectiva de uma cultura ouvinte, a busca é pela “normalidade” e isso está extremamente intrincado ao fato de levar o sujeito a falar sem considerar que os surdos, originalmente, desenvolvem sua comunicação gestual. Até hoje, muitas escolas não se adaptaram, nem prepararam os professores para verdadeira inclusão e para o atendimento assertivo ao aluno surdo. Um participante do estudo ilustra esta situação com sua história no comentário sobre uma escola que treinava a oralização: “Eu sofria muito porque as crianças me desprezavam... eu ficava sério na escola”. E completa, “Hoje em dia, não. Eu tenho um maior conhecimento... Mas estudei muito tempo nessa escola”. Outra participante, Isabela, comenta, com lágrimas nos olhos, “Por causa da minha voz, algumas pessoas mangavam5 de mim e eu não gostava... Isso me afligia bastante. Isso aconteceu numa das escolas que eu estudava. Foi por isso que eu deixei a escola”.

A aluna acrescentou: “Eu não sabia como estudar e nem sabia como fazer as provas, mas sempre passava”. Esta inclusão marginal criava uma falsa crença de ambos os lados, discentes e docentes pensam estar praticando a inclusão, por conseguinte estabeleciam um canal de comunicação com ruídos e (des)aprendizagem. Schaller (1995) considerou as práticas escolares afirmando que “many schools rely on oral instruction and/or poorly constructed sign systems, neither of which classify as languages. Some of these children sit in classrooms all the way to adulthood without ever understanding what goes into ears and comes out of mouths” (p. 197).

Esse ponto da escolarização é evidente em seus descasos com a diferença e revelou, que apesar das leis e dos acordos universais, se não houver um preparo geral da sociedade e uma capacitação dos educadores a inclusão não será possível acontecer. Os métodos tradicionais ainda não permitiram a flexibilidade necessária para absorver esse aluno

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Mangar – expressão muito utilizada no nordeste brasileiro, mais especificamente no Ceará, que significa fazer chacota, gozação.

diferente, com direitos iguais. Em relação ao fracasso educacional do surdo, Skliar (2010), em seus estudos, remete-se à falta de acesso à língua de sinais e ao processo tardio de identificação com os outros surdos.

Ao passo que os educadores, sem saberem como agir diante do aluno surdo, impõem, de qualquer forma, um processo de ensino aprendizagem que não alcança o aluno, como assinala Rogers (citado por Justo 1987):

Se desconfiarmos do ser humano, devemos abarrotá-lo com informações da nossa escolha, sob pena de ele enveredar por sendas erradas. Mas, se confiarmos na capacidade de que o indivíduo humano pode cultivar suas potencialidades, então podemos oferecer-lhe a oportunidade de escolher os próprios caminhos na aprendizagem (p. 59).

Finalmente, por não saber como transmitir esse conteúdo, as escolas exercem a inclusão com os surdos postos às margens por falta de uma comunicação clara e possível.