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7. Resultados e Discussões

7.1 As Categorias de Análise

7.1.2 A Oralização Obrigatória

Todos os participantes da pesquisa referiram-se à oralização obrigatória, entretanto as perspectivas eram diversas. Os surdos, com veemência, reclamaram dessa prática, com exceção daqueles em transição de sua identidade surda que a defendiam da mesma forma que seus pais e referiam-se a oralização como necessária, apesar de afirmar, como os demais, que

era um exercício enfadonho e constrangedor. Outros adeptos à oralização asseguravam ser bilíngues, mas, no desenrolar da conversação, percebia-se que o nível de compreensão era baixo e a sua aprendizagem era facilitada pelo uso da língua de sinais. Isso mostrava que pais e filhos percebiam a língua de sinais como um meio de comunicação natural para os surdos, mas permaneciam a estimular o exercício da fala e defendiam o contato com a língua de sinal posterior a oralização, baseados no argumento de que essa modalidade iria possibilitar a comunicação com o mundo dos ouvintes. Em outras palavras, defendiam que a primeira tentativa de comunicação deveria ser a oralização.

Por meio da visualização dessa categoria, na Figura 9, percebe-se que a maior referência do surdo decorre de seu incômodo com imposição ao oralismo, que se interliga ao atraso do contato com sua língua materna referindo ainda uma pontuação significativa em relação ao tratamento fonoaudiológico, como pode ser percebido no comentário de um surdo: “Tudo aquilo era muito chato, repetir, repetir e repetir além daquele aparelho que só fazia barulho, joguei fora”. Como essa, há muitas histórias de perder, esconder, por o aparelho no vaso do banheiro, como forma de livrarem-se dos procedimentos para conseguir a oralização. Por outro lado, os familiares percebiam a oralização, a fonoterapia e o uso do aparelho como

Figura 09 – Representação gráfica do cruzamento entre os atributos: “surdos” e “familiares” e o conteúdo do nó, Oralização obrigatória.

importantes e necessários para o desenvolvimento do surdo, como uma das mães participantes expõe: “Ela foi estimulada, usava aparelho e fazia todo aquele trabalho. É tanto que ela tem assim uma leitura labial perfeita”.

Outro participante surdo comprova a posição dos pais quanto à oralização ao afirmar: “Eu sou o único surdo da minha família, então minha mãe ensinou-me a falar, com a minha família eu só me comunico falando”. Laborit (1993/1994) revela esta prática em sua vida, quando reclama que a língua de sinais só chegou à sua vida aos sete anos e anuncia “Mamãe queria que me esforçasse para falar, e eu tentava também, para ajudá-la, mas tinha sobretudo vontade de mostrar, de indicar” (p.22). O natural para ela, como para os colaboradores do estudo e tantos outros surdos, era falar com as mãos, mas eram impedidos e conduzidos a se expressarem através da fala.

Strobel (2008, p. 23) esclarece essa busca das famílias por uma forma de levar o surdo a falar “segundo o discurso ouvintista, o sujeito surdo para estar bem integrado à sociedade, deveria se adaptar à cultura ouvinte, porque somente assim poderia viver normalmente. Se não conseguir, é considerado desviante”. Por isso, os pais demoram muito a possibilitar o contato de seus filhos com outros surdos. Comprovando isso, outro participante surdo revelou: “Minha mãe tirou-me da escola de surdos e eu fui conviver só com ouvintes, ninguém sabia LIBRAS e lá em casa a comunicação sempre foi por meio da oralização”. Strobel afirma que muitos surdos só na adolescência encontravam outros surdos e passavam a conviver por se sentirem a vontade na comunicação. Ao que confirmam os colaboradores do grupo focal deste estudo, visto que todos os alunos surdos participantes confirmaram que só na adolescência passaram a ter contato com a língua de sinais e não tinham consciência que eram surdos, apenas se percebiam diferentes e, muitas vezes, eram rejeitados com chacotas entre os colegas, mas não entendiam por quê.

Um dos participantes da pesquisa, estudante de Educação Física, Carlos diz: “O surdo percebe-se surdo quando começa a conviver com outros surdos... só depois disso, eles vão se perceber diferentes”. Outra participante, Marisa, considera sua descoberta como surda: “Eu vivia alheia a condição surda. A partir do convívio com outros surdos na minha igreja foi que eu comecei a me perceber como surda”. Daniel conclui: “Demorei muito para compreender o que realmente eu era. Algumas pessoas falavam de deficiência, mas eu não me percebia como deficiente, até que descobri que sou surdo”. É a partir do contato com o outro surdo, que se passa a construir a sua própria identidade.

Dorziat (2011) ressalta que a ideologia da normalidade desconsidera o sujeito surdo como capaz de construir e buscar outros caminhos para expressar sua forma de ser e estar no mundo, enquanto que Laborit (1994), na exposição de seu sofrimento com a proibição do uso da língua de sinais, declara que “na escola era como se dissessem: É preciso que a sua surdez não seja vista, é preciso que você escute com o seu aparelho, que fale como quem escuta. A língua de sinais não é correta. É uma língua inferior” (p. 89). A impossibilidade do surdo expressar-se em sua língua implicitamente proibia ele de ser genuíno e que procurasse ser como o modelo ouvinte. Além disso, Laborit (1994) complementa: “Acredito que os adultos ouvintes que privam seus filhos da língua de sinais nunca compreenderão o que se passa na cabeça de uma criança surda” (p. 55).

Através do contato com esses alunos surdos, houve muitos relatos sobre essa condição a que foram submetidos. Por exemplo, a aluna Isabela participante do Grupo Focal, emocionada, lembrou fatos de sua infância e relatou sobre a obrigatoriedade de ir ao consultório da fonoaudióloga, referindo-se que não gostava de lá e para não ir ao atendimento chorava muito e esperneava para compreenderem que ela não aceitava nem gostava daquele tipo de tratamento e dizia ser muita agonia, ter que passar por tudo isso. Ainda, relatou que gostaria muito de aprender a língua de sinais em sua infância, mas, para os profissionais e

para a família, essa modalidade de comunicação não era adequada, com isso insistiam no imperativo de educar a voz. Essas lembranças, em seus relatos de experiência, surgem com muita emoção e choro contido para expressar a sua dor quando suas mãos queriam falar, mas eram impedidas por uma convenção cultural, a qual ditava que, para ser normal, era preciso uma comunicação oralizada.

Diante disso, Kelman (2011) adverte “métodos oralistas demandam treino intenso para adquirir sensibilidade e percepção do som, leitura labial e produção de fala” (p.188). Ao sentir dificuldade nesses treinos, Isabela não conseguia atender à proposta de educar a voz e angustiava-se. Essa tortura, por conta da imposição de realizar algo que não consegue por não ser natural, é comentada por Bayle e Martinet (2008) “essas pessoas pensam não serem dignas de serem amadas, desejam a aprovação e têm medo da rejeição. São inibidas, não conseguem expressar a sua ansiedade nem pedir ajuda” (p.31). Elas evitam a relação para não sofrerem, isso mostra o que levava Isabela a trocar de escolas por diversas vezes e a se afastar de seus colegas.

Diego, que passou a utilizar a língua de sinais após entrar na Universidade, ilustra a prática que vem sendo discutida através de seu comentário:

Na escola de ouvinte onde eu estudava, eu conversava muito pouco e interagia muito pouco. Andava com algumas pessoas (ouvintes) e só depois fui descobrir que era mais interessante comunicar-me em língua de sinais com os surdos e a comunicação com os ouvintes tornou-se mais difícil. Vi que melhor mesmo era a comunicação com os surdos, porque era exatamente a língua de sinais, a minha língua.

Assim, o discurso dos participantes do estudo e a literatura consultada (re)afirmaram as expressões de dor e de desabafo da comunidade surda. Para ilustrar esta reflexão, Laborit (1994) pondera sobre suas experiências em uma família de ouvintes e, de forma clara, apresenta a sua percepção sobre a privação da língua de sinais:

Acredito que os adultos ouvintes que privam seus filhos da língua de sinais nunca compreenderão o que se passa na cabeça de uma criança surda. Há a

solidão, e a resistência, a sede de se comunicar e, algumas vezes, o ódio. A exclusão da família, da casa, onde todos falam sem se preocuparem com você. Porque é preciso sempre pedir, puxar alguém pela manga ou pelo vestido para saber, um pouco, um pouquinho, daquilo que se passa em sua volta. Caso contrário, a vida é um filme mudo, sem legendas (p. 59).

Essa dor da exclusão, ocorrida de forma natural nos ambientes, está presente também nos colaboradores da pesquisa, que referem só absorver do mundo um percentual menor que a metade absorvida pelos ouvintes, pois o que assistem é esse filme mudo. Nos relatos, os surdos comentaram que, em conversação familiar, não sabem de forma clara sobre o que as pessoas falam e ao insistir para participar de forma ativa da conversa não há uma inclusão dos sujeitos surdos, reservam um tempo para explicá-lo depois, ou seja, não há participação em um tempo real.

Quanto a negação do uso da língua de sinais, como primeira língua, Dorziat (2011) assegura que isso contribui com o aparecimento de problemas emocionais, como insegurança, nervosismo e autorrejeição, em decorrência de um sentimento de inadequação.