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Reações e Comentários do Caso 2

6. Delineando Costumes e Colhendo os Frutos do Estudo

6.4 Os Frutos Gerados Através de Estudo de Caso

6.4.2 Caso 2 – Aprisionada ao Preconceito

6.4.2.1 Reações e Comentários do Caso 2

Durante a leitura de sua história, percebia-se o sorriso nos lábios de Isabela e o sinal de confirmação a transparecer a sua concordância com o relato de tudo que viveu, mesmo quando o sorriso dava lugar a uma expressão triste e de choro contido a expressar forte emoção nas infelizes passagens.

Comentou que a história estava muito boa e refletiu sobre a importância de ser divulgada para que os ouvintes soubessem e avaliassem o sofrimento do surdo e o que suportam desde a infância até o ensino médio. Também pudessem perceber a falta que um intérprete faz para o aluno surdo.

Emocionada fez crítica à educação tradicional com suas metodologias rígidas que ela não conseguiu assimilar e provocou tantas mudanças de escola. Complementou dizendo que, não falou do Ensino Superior, porque tudo que queria era estudar na Universidade e agora sente-se muito feliz.

Em decorrência de sua dificuldade para ser acolhida, adaptar-se e aprender, foi gerado essa correria a procura de uma instituição que a acolhesse para poder se desenvolver e aplicar o seu potencial. E isso se deu porque “as diretrizes para educação dos surdos apontada pelo MEC não chegaram à maioria das escolas que recebem surdos, estas dizem não ter suficientes condições estruturais e o surdo fica mal atendido sem que ninguém se responsabilize” (Stumpf, 2008, p.25). Com os professores despreparados, a escola oferece uma inclusão marginal e põe ao largo aquele que não segue a norma, aquele que rompe com os padrões esperados pela sociedade ouvinte.

Laborit (1993/1994), em seus relatos, trouxe fortemente a questão da escola que não os acolhe e contou sobre algumas experiências marcantes em sua história educacional: “Não suportava mais aquelas aulas, não suportava ler os lábios, não suportava lutar para produzir os ruídos de minha voz, (....) não suportava os professores desanimados, que constantemente

me repreendiam, me diminuíam diante dos outros” (p. 89). E similarmente a Isabela, a autora saiu de sua escola devido ao constrangimento causado com toda situação e despreparo dos professores.

Em seu relato, Isabela revelou a marca do preconceito presente na escola, nas explicações da família e dos profissionais da fonoaudiologia. O que é ressaltado por sua atitude no momento que se expressa para interagir e comunicar-se e emite alguns sons altos, dos quais não tem controle, quando é advertida que está ocasionando barulho e pode atrapalhar e interromper a sala de aula ou em qualquer outro lugar, onde seus sons possam ser escutados, ela pede desculpas e revela no rosto o seu embaraço. Botelho (2009) sublinha que “sujeitos surdos oralizados e não oralizados dominam apenas parcialmente a língua oral. Na interação verbal, frequentemente o aspecto formal da fala é motivo de apreensão, porque representa a revelação do estigma, da marca intrínseca que muitos consideram possuir, por serem surdo” (p.149). Isabela comentou que em sua casa não há o uso de LIBRAS e que gesticula ou escreve para poder se comunicar. Ao que Stumpf (2008) infere: “As experiências comunicativas frustrantes são sentidas por ambas as partes” (p.27).

Em seu encolhimento pelo preconceito, Isabela muitas vezes não acreditou em si mesma e percebia como se houvesse um olhar crítico sobre ela devido a sua condição surda. Em face de seu sofrimento, deixou registrado o mal-estar causado pelas interações com os ouvintes. Sentimentos também identificados por Botelho (2009), em seu estudo sobre essas dificuldades interativas:

As razões principais estão no âmbito da representação que têm dos ouvintes e o valor excessivo que se confere a fala, que o entorno familiar e o atendimento profissional ensina e reforça ao longo do processo de socialização. Falar vai se tornando, equivocadamente, sinônimo de ser pessoa (p.152).

Diante do relato da história de Isabela, foi solicitada uma reação da intérprete, Natália, a qual acompanhou a aluna com sucesso durante um semestre e conhecia bem a realidade das

escolas. Em seu comentário, os valores de Isabela foram enaltecidos, ela avaliou de forma crítica as questões expostas e chamou a atenção para a importância da divulgação dessas histórias com argumentos precisos sobre o papel do educador em Instituições de Ensino Superior.

Natália destacou ainda que essa divulgação com os casos reais contribuiria com os estudiosos e os docentes que atendem aos alunos surdos, considerando ser um país gerador de inclusão da pessoa com deficiência no Ensino Superior e muitos desconhecem a realidade dos alunos. Além de ressaltar que para ensinar o professor deve conhecer o mundo pertencente ao aluno e não se restringir a apenas saber que haveria um aluno com deficiência em sua turma, mas ter conhecimento do que se passa e acontece em decorrência da deficiência e, no caso do surdo, como se sente ao se comunicar em outra língua. A intérprete propôs divulgação como abertura da comunicação para além da academia, porque mesmo o surdo com uma família bem estruturada, não era comum ter uma boa comunicação com seus familiares e isso interfere completamente no desenvolvimento acadêmico.

Especificamente para o fonoaudiólogo, seria imprescindível essa revelação, pois seria oportuno perceber a “fala” do próprio surdo sobre esse consultório como um espaço produtor de voz e compreenderia por que o surdo não gostava de ir para esse profissional e participar desse tipo de atendimento. Descobrir-se-ia que não é porque não seja bom para o surdo, mas desvendaria que negação do surdo em participar e colaborar com o tratamento está para além do imaginado pela família e os profissionais. Descobririam que o tratamento não ocorreu porque o surdo era birrento3 ou por ser um trabalho chato e cansativo para ele, mas o comportamento de negação representaria algo mais profundo, pois rejeitava o tratamento porque não entendia o objetivo e nem compreendia o porquê de realizar o procedimento com

tanta repetição, além de descobrirem a possibilidade de não haver identificação do surdo com esse tratamento e essa forma de se comunicar.

A intérprete acreditava que o fonoaudiólogo, ao entrar em contato com os relatos dos surdos, poderia refletir sobre sua prática e até sentir desejo de mudar. E, por meio desse modo reflexivo e crítico, poderiam surgir novas metodologias para trabalhar com os surdos através de uma proposta imbuída de respeito ao desejo e às escolhas do surdo. Com o propósito de atingir à proximidade entre surdo e ouvinte que se afastavam dos consultórios porque a terapia da fala buscava a “cura”, a eliminação da surdez e a promoção da fala. Proposta que chocava o surdo por ter que se esforçar para ser outro.

Como foi revelado: as experiências de vida de Isabela não foram diferentes. A sua entrada na escola foi frustrante e a insistência por um tratamento da fala, inclusive na escola, deixou marcas profundas. Isso porque a maioria de suas escolas e de seus tratamentos trazia em seu bojo a perspectiva clínica, a perspectiva médica com o objetivo da cura ou a proximidade da cura. Ao que possa parecer mais conveniente, como pode ser esclarecido por Rodrigues e Pires (2002):

A aprendizagem da fala pelas crianças surdas é realizada nas escolas, com terapeutas da fala e é mais uma das acções para minimizar a surdez e as dificuldades comunicativas, permitindo também aproximá-los à norma, reduzindo as diferenças entre crianças surdas e ouvintes (p.394).