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Reações e comentários do Caso 3

6. Delineando Costumes e Colhendo os Frutos do Estudo

6.4 Os Frutos Gerados Através de Estudo de Caso

6.4.3 Caso 3 – O Desprezo da Cidade Grande

6.4.3.1 Reações e comentários do Caso 3

Durante a contagem da história, Hugo concordava com o relato através de um sorriso envergonhado e confirmava com a cabeça e as mãos. No final, por ser reservado, disse apenas ter gostado da história e que era isso mesmo: Ele gostava muito de se encontrar com seus amigos surdos e a sua família era muito unida.

Outra vez, a intérprete Natália contribuiu com seus comentários por ter colaborado com a escuta do relato e presenciado a reação do surdo ao entrar em contato com suas lembranças, com a sua vida. Ela afirmou que não tinha conhecimento desses momentos vividos por Hugo em sua infância e ao ouvir o relato de sua história passou a compreender o

porquê de ele ser assim calado, não se impor nem questionar. Ficou a imaginá-lo bebê, ele criança brincando feliz e interagindo, visitando sua avó, porque o Hugo revelado para ela já era este da cidade grande mais tímido, mais calado e fechado. Disse ainda, muitas vezes ter procurado chamar a sua atenção, mas ele permanecia reservado em seu silêncio. Findou afirmando que sempre era muito emocionante ouvir o relato sobre a vida dos surdos e com a voz embargada, que não encontrava palavras, afirmou: “Fico muito emocionada”.

As ponderações sobre os relatos serão iniciadas com a indicação que Hugo igualmente a outros surdos começou sua escolarização através de uma proposta de ensino para surdo com ênfase na oralização. Só veio ter contato mais estreito com a língua de sinais a partir de sua adolescência, quando já se sentia emudecido em suas tentativas de estabelecer comunicação com as pessoas, como assinala Laborit (1993/1994) “parece preferível esconder-se, como se fosse um pouco vergonhoso. Conheci surdos que sofreram durante toda sua infância essa humilhação, e que não deixam desabrochar, mesmo agora, a sua língua” (p. 650 constrangimento diante de sua condição de ser surdo levou Hugo a evitar falar, comportamento repetido até hoje quando beira a fase de um jovem adulto.

A escola indicada para surdo não o acolheu como esperava porque “a prática da ouvintização assume diferentes modelos de escolarização do surdo” (Perlin, 2010). A exigência da escola pela oralização gerou marcas profundas que por não conseguir atender as exigências, não se sentia aceito pelos colegas e não encontrava uma saída e, aos poucos, foi “emudecendo” (p.68).

Por muito tempo em sua infância, não conseguiu sequer responder aos colegas ou perceber para si mesmo que era surdo, preferia continuar a brincadeira a simplesmente confirmar a sua condição quando era questionado se era surdo, como aponta Botelho (2009):

Ser surdo representa, assim, para muitos sujeitos, um segredo a ser ocultado, uma marca profundamente depreciativa. A diferença é vivenciada como desigualdade. Sendo socializada com essa crença, a pessoa surda aprende a se

enxergar como não humana, incompleta, e vive a surdez como um segredo a ser ocultado, uma chaga a ser encoberta (p.152).

Hugo não se percebia como surdo e revelava a sua identidade de transição quando havia uma proposta de oralizar em todos os ambientes, até que conseguiu gritar em seu silêncio o seu descontentamento com a sua condição e a comunicação imposta pela escola e em casa.

Ao começar a se perceber em sua condição, pedia para ser surdo porque não conseguia ser ouvinte. Ele afirmou que não oraliza nem nunca conseguiu oralizar de maneira compreensiva e a sua comunicação restringia-se aos seus familiares. Para ele, era angustiante a sua condição surda e questionava sobre como iria comunicar-se porque não havia aquisição da língua portuguesa, a língua de seus pais e de seus colegas, nem havia a aquisição da língua de sinais, ou seja, sua comunicação era exclusivamente a partir da criação de gestos e de sinais caseiros. Lentamente, ele atendia suas necessidades em família, aceitava-se surdo e conseguia crescer.

Durante todos os encontros do grupo focal e pelo Campus, o colaborador mantinha-se reservado diante das discussões acirradas e não se envolvia politicamente com as questões de sua cultura surda.

A partir dos dados observados, pode-se afirmar que Hugo foi silenciado diante da reação das pessoas à sua condição surda, pois preferia o silêncio diante dos ouvintes por não se sentir com valia nessa sociedade falante. A experiência mutista de Hugo confirmou o que Silveira e Rezende (2010) asseguram “os surdos na Modernidade se constituíram nos discursos como deficientes auditivos, com déficit de audição, além de outras terminologias, resultado de enunciados discursivos que, ao longo dos tempos, sofreram dentro de uma estratégia de menos valia sobre o seu ser surdo” (p.62).

Com o passar do tempo e a chegada ao mundo adulto, as necessidade eram outras e Hugo foi atrás de conquistas na área acadêmica e pessoal. Com isso surgiu a preocupação dos pais com o mercado de trabalho que denuncia e fez refletir sobre a confiabilidade ausente nas empresas e na sociedade em geral sobre o potencial da pessoa surda. A partir desta reflexão, tornou-se evidente uma realidade existente na sociedade sobre o descrédito na competência do sujeito surdo e em sua capacidade de ascensão em uma empresa.

Em relação ao ajuizamento da cultura ouvintista sobre a competência do surdo, Perlin (2010) comenta: “A ideia de o surdo concentrar-se facilmente em suas atividades sem a distração do barulho leva a imagem do surdo como produtor braçal de produtividade” (p.55). Isso comprovou que a apreensão dos pais diante do mercado de trabalho não é infundada. Portanto, a questão principal não é ter profissão, o mais importante é saber em que profissão o surdo vai atuar porque “é muito raro ter mão-de-obra surda com especialização maior, que exija mais preparo intelectual, e, quando esse preparo existe, o surdo não é contratado para exercer a sua habilitação plena, mas para um cargo menos exigente” (Silveira & Rezende, 2008, p.73).